Introdução
Na busca pelo equilíbrio entre a preservação do meio ambiente e o processo de urbanização contemporâneo, os parques urbanos ressurgem e são reinventados segundo novas perspectivas culturais e estéticas. Redesenham as paisagens e as identidades.
Nos estudos urbanísticos e sociológicos estes parques são pensados conforme seus diferentes tempos, funções e usos. Identificam-se também variações de definição, forma e tratamento que mostram a importância do levantamento das possibilidades do tema. Há uma contribuição importante relativa aos estudos de origem e evolução desses espaços no pensamento das cidades, sobretudo na interpretação das mudanças e permanências, usos e significados. Ademais, a observação dos usos e do comportamento dos usuários dos parques urbanos pode revelar parte significativa do modo de vida de uma cidade.
Este artigo faz um registro dos usos e da importância social e ambiental do Parc de la Tête d'Or (Lyon, França) enquanto referencial de espacialidade, sociabilidade e conservação do patrimônio histórico e ambiental, em conexão com as mudanças em termos urbanísticos. É também um testemunho da convivência harmoniosa entre conservação ambiental e mudança sociocultural.
Breves considerações sobre o conceito de parques urbanos
Historicamente, os parques podem ser definidos como equipamentos públicos difundidos a partir das experiências inglesas, francesas e norte-americanas, tendo surgido das ações urbanizadoras, sobretudo do século XIX, em situações geográficas e históricas específicas. Entretanto, superado o modelo de parque do século XIX, em especial aquele idealizado em bairros burgueses e para exibição social, o parque dos séculos XX e início do XXI procura recriar as condições naturais que a vida urbana insiste em negar: locais de sociabilidade e de contato físico e ativo com a natureza. São lugares de socialização para jogos e atividades esportivas. Sua provisão é função das municipalidades e, em geral, surgem a partir da existência de áreas verdes vazias nas cidades em crescimento, de sua presença nos planos urbanísticos e, ainda, da tendência contemporânea que reivindica a presença dos parques e áreas verdes como espaços propícios ao lazer saudável, à sociabilidade pública e ao equilíbrio entre meio ambiente natural e construído.
Se levarmos em consideração a variedade existente de parques urbanos, as diferenças de dimensões, formas, tratamentos paisagísticos, funções e equipamentos, podemos dizer que há certa dificuldade na conceituação precisa desses parques. Para Rosa Grena Kliass, “os parques urbanos são espaços públicos com dimensões significativas e predominância de elementos naturais, principalmente cobertura vegetal, destinados a recreação”. (1)
Por outro lado, Frederick Law Olmsted Olmstead (apud Walnyce Scalise) associa parques urbanos a cenários quando afirma:
Dois modos de conceituação que expressam os significados e usos diferenciados desses espaços ao longo dos tempos: contemplação da paisagem e contado com a natureza associado à realização de atividades de lazer.
Em termos funcionais, podem ser ainda identificados os parques vinculados à proteção ambiental, apresentando uso restrito, enquanto outros atraem multidões e ampliam a circulação em bicicletas, patins, passeios de barcos etc., além dos parques lineares.
Em relação às formas de tratamento, variam da linguagem formal à ambiência naturalista. Os equipamentos também se diversificam compreendendo os equipamentos culturais, esportivos e recreativos e os que possuem como atração principal os caminhos e as áreas de estar sob uma densa arborização. Há os que possuem ambos os tratamentos como o Parc de la Tête d’Or de Lyon. Essa diversidade reflete as transformações sócio-culturais de grupos, a localização do parque e as características mais marcantes de uma época.
Contextos de valorização dos parques urbanos
Os primeiros parques urbanos que surgiram associados à formação das cidades em fins do século XVIII, atingindo seu pleno apogeu na Europa e nos Estados Unidos entre as décadas de 1850 e 1860, respondiam às novas demandas sociais: as atividades de recreação e lazer decorrentes da intensificação da expansão urbana e do novo ritmo de vida no capitalismo industrial que alterou a estrutura da sociedade tradicional e o padrão da vida cotidiana.
A supervalorização do trabalho e a racionalização dos processos produtivos e administrativos acentuaram a divisão social do trabalho e o ritmo de produção. Aumentaram os níveis de stress e fadiga. Os parques públicos funcionavam como instrumentos de controle social, amenizando os antagonismos das sociedades industriais com objetivos reformadores. Aliada a necessidade de espaços amenizadores da estrutura urbana e das questões sociais surgiu o movimento higienista com o ideal de salubridade que pretendia combater os elevados índices de enfermidades relacionados à falta de higiene nas cidades e aos miasmas. No entanto, se pode minimizar a importância dos aspectos estéticos, embelezadores das cidades.
É interessante observar, nesse sentido, que, no Brasil, os parques urbanos não surgiram exatamente das mesmas motivações, ou seja, da urgência social em atender às necessidades das massas na metrópole do século XIX. Neste tempo, o Brasil ainda não possuía uma rede urbana expressiva. A criação dos parques representava muito mais uma figura complementar ao cenário das elites emergentes que construíam uma configuração urbana compatível com os modelos internacionais, ingleses e franceses e, assim, os aspectos embelezadores tiveram relevância.
No plano internacional, a representação do lazer também foi alterada, da associação com privilégios de classe passou a ser encarado como um fenômeno de massa no processo de politização do tempo livre dos trabalhadores urbanos. Como consequência, houve o início das requalificações de antigos parques privados bem como a inserção nos mesmos de equipamentos como playgrounds, campos esportivos, rinques de patinação etc.
A representação do lazer mudou a partir do século XX. O lazer passou a ser identificado como uma expressão da cidadania e das conquistas democráticas, ganhou status científico e aceitação como importante função urbana. Enquanto necessidade social do indivíduo, os parques urbanos passaram a desempenhar um papel relevante nessa nova mentalidade. Muito embora, como nos lembra Richard Sennet:
Sennet chama atenção para uma desagregação da cidade enquanto cenário e reflexo do medo dos habitantes de se exporem, dos riscos de um encontro inesperado com o Outro.
Se por um lado, a evolução dos parques urbanos nos últimos dois séculos tem acompanhado as mudanças urbanísticas das cidades, as transformações nas formas de sociabilidade e nas mentalidades, sendo testemunhos importantes dos valores sociais e culturais das populações urbanas, por outro lado, verifica-se, paradoxalmente, que os parques urbanos constituem também elementos de fortes permanências, mantendo-se com suas principais características independentemente das transformações nas estruturas urbanas. Podem ser considerados como exemplos: o Central Park em Nova York, os parques centrais das cidades de Londres e Paris, o Passeio Público de Curitiba, o Parque Farroupilha em Porto Alegre, o Parc de la Tête d’Or em Lyon e muitos outros.
Destaco, neste artigo, um destes parques urbanos centenários europeus que apesar de sofrerem as mudanças associadas aos modos de vida da população incorporando práticas, flexibilizando usos e acessibilidades bem como permitindo a introdução de novos equipamentos, acessos diferenciados de bicicletas, de patins, práticas esportivas, locais para reuniões de grupos diversificados, assumindo uma preocupação maior com a segurança dos usuários e com a função cívica que marca a contemporaneidade também manteve suas características gerais de origem, uma relação de identidade e amor com a população e a função urbana para a qual foi criado.
Lyon (Lugdunum) e o Parc de la Tête d’Or – valorização ambiental e desenho da cidade
O Parc de la Tête d’Or de Lyon - uma das cidades mais antigas da França, declarada Patrimônio da Humanidade pela UNESCO -, destaca-se pela sua singularidade. A área classificada como Patrimônio da Humanidade é formada por cerca de 500 hectares (10% do território da cidade) que registram mais de dois mil anos de história urbana e arquitetônica, desde o Império Romano passando pelo período medieval e atingindo um apogeu na Renascença. Há registros importantes também do século XVIII e do XIX (4): o Vieux-Lyon, Fourvière e Saint-Just, Croix-Rousse e a Presqu’ ile.
Lungdunnum era a antiga denominação da cidade fundadaem 43 A.C. , capital da civilização Gallo-Romana. A história de Lungdunnum repousa essencialmente sobre as descobertas arqueológicas (numerosas na cidade) e epigráficas, sobretudo nas colinas de Fourvière e da Croix-Rousse onde se encontram, dentre os numerosos testemunhos deste passado longínquo, o Teatro de Adriano, o Odéon e o anfiteatro Trois Gaules. Nos demais bairros classificados como patrimônio da humanidade, ruas e edifícios representativos da urbanística medieval e da arquitetura renascentista formam uma paisagem e um ambiente reabilitado nos últimos vinte anos para atividades de consumo cultural e turístico, mas também residenciais. Chama atenção a maneira como a cidade cresceu e se modernizou, sem demolir seu patrimônio cultural e ambiental.
Entre 1985 e 1988, a Agence d’Urbanisme de Lyon reviu o Plano estratégico de desenvolvimento da cidade que datava de 1978. Novas áreas urbanas foram identificadas para a melhoria e o desenvolvimento. Em 1989, Henry Chabert, deputado de Lyon então encarregado do planejamento urbano, abraçou a idéia de reverter o processo de deterioração do espaço público de Lyon e fornecer uma visão nova para a cidade. A cidade deveria ser “humanizada”. O número crescente dos carros e a comunicação e acessos entre o centro da cidade e as periferias deveriam ser redefinidos. Em 1991, com o objetivo de redesenhar as margens dos rios Saône e Rhône, foi adotado o Plano Azul. Os objetivos iniciais deste plano eram:
- o desenvolvimento de atividades náuticas, alcançado por meio da construção e do planejamento das paradas nos rios e de rampas na água;
- o redesenho das margens dos rios, com um conjunto de atividades recreativas (trajetos da bicicleta, áreas recreativas, playgrounds, quadras, pistas e equipamentos para skate, patins, etc.);
- e a preservação e a restauração do caráter natural das margens dos rios.
A segunda versão do plano foi expandida para integrar os rios urbanos à Grande Lyon, promovendo uma estratégia de destaque da paisagem natural. Os processos de recuperação e de melhoria destes trechos urbanos estavam fundamentados em três aspectos principais: 1) A proteção da paisagem e o realce do patrimônio natural; 2) A interação dos cidadãos com os rios: usos urbanos, recreação, turismo etc e 3) “ A economia do rio”: o transporte de produtos, o turismo do rio etc.
A idéia central deste Plano Azul é a de reunir empresas locais e associações civis em parcerias com a municipalidade. A partir de então diversos projetos foram lançados: a desobstrução do Rhône, a Lyon-Confluence etc.
Outros dois planos tiveram um impacto positivo na nova estruturação dos espaços da cidade de Lyon: O Plano Verde, por um lado, procurou valorizar os espaços públicos, reduzindo o domínio dos automóveis e promovendo a pedestrianização, bem como reforçando uma identidade urbana local. O Plano Amarelo, por outro lado, centrou-se na iluminação dos monumentos, edifícios, ruas, passeios e parques.
Lyon conta hoje com diversas áreas livres para passeio. Um exemplo é o Vieux Lyon, a oeste do rio Saône. Para facilitar a orientação e ampliar a legibilidade espacial dos pedestres, desenvolveram-se normas para os tipos de materiais, de plantas e de mobiliário urbano a serem usados em toda a cidade.
O principal projeto urbano de desenvolvimento conhecido como “Lyon Confluence” foi lançado na zona estratégica da Presqu' île. O setor dedicado por muito tempo à indústria e ao transporte será usado como uma extensão da área metropolitana dedicado ao lazer ao consumo cultural.
Portanto, no novo desenho da cidade foi dada grande importância ao patrimônio natural representado não apenas pelos rios Rhône e Saône que cortam a cidade, pelas colinas que a embelezam e a singularizam, mas também (e aqui em destaque especial), por seus parques, praças, área verdes de sociabilidade e lazer coletivos. O Parc de la Tête d’Or (5) é uma das principais referências da cidade, tanto em termos de sua memória quanto em termos ambientais constituindo um dos melhores exemplos de conservação e uso equilibrado dos espaços urbanos em Lyon.
Para a maioria dos moradores de Lyon, o Tête d’Or é o parque mais utilizado da cidade, é também valorizado pela originalidade de sua paisagem e por uma ligação afetiva que se mantém ao longo do tempo e das gerações. (6)
Concomitante as mudanças nos hábitos da população e a diversidade dos freqüentadores, há uma diversificação das atividades propostas para se realizarem no parque e a incorporação de novos usos. Tais mudanças são atestadas nas alterações recentes de permissão de circulação de ciclistas nas principais vias arborizadas internas ao parque, a introdução de novos jogos esportivos e dos adeptos dos patins e patinetes, bem como a presença de indivíduos e grupos de diversas culturas que circulam diariamente por suas alamedas. A relação entre os usuários e o parque não se desfaz: 97% se dizem satisfeitos ao freqüentá-lo, conforme atestam os dados da Agência de Urbanismo de Lyon. (7)
Com efeito, o Parc de la Tête d'Or, com seus 117 hectares, é referência fundamental de lazer e de qualidade e vida urbana para os moradores de Lyon, além de cultivo da memória da cidade e das formas e usos dos espaços públicos urbanos. Representa o maior parque da França situado no centro de uma cidade, conservando parte significativa da configuração de origem (1856) como o lago e suas margens, os imensos caminhos internos margeados por árvores centenárias, o zoológico e o jardim botânico (criados em 1865 e 1887 respectivamente). Apenas as áreas dos roseirais foram construídas mais recentemente (1961).
O Park de la Tête d’Or - características gerais e usos
Desde 1812, havia a intenção da municipalidade de fazer um parque urbano em Lyon. Vários lugares foram sugeridos, como a colina de Fourvière, até definirem o terreno atual pertencente em grande parte aos Hospices civils de Lyon (8). Em 1845, o arquiteto Christophe Bonnet apresentou como parte do seu projeto de embelezamento da Guillotière (9) um projeto de parque urbano para o terreno atual.
Em 22 de fevereiro de 1856, durante uma reunião do conselho municipal, o senador Claude-Marius Vaïsse (10), então instituído Prefeito de Lyon pelo poder imperial, destacou a necessidade de instalação de um novo e amplo espaço de descanso e lazer para os habitantes da cidade uma vez que Lyon, nesta época, provocava nas instâncias de poder parisienses certos temores em razão dos motins operários de 1831 e 1848, mais conhecidos em termos locais como “Revoltas dos Canuts”. O projeto de Christophe Bonnet foi retomado e a área conhecida como Tête d'Or (então com 105 hectares) foi adquirida do antigo Hospices de Lyon. Os trabalhos começaram em 1857 e duraram cinco anos. O planejamento foi confiado aos paisagistas suíços Eugène Bühler e Denis Bühler que o compuseram aos moldes dos parques ingleses, com caminhos sinuosos e em volta de um lago de 16 hectares artificialmente construído para compor o projeto.
O parque foi projetado em estilo inglês, com grandes extensões gramadas e um relevo ondulado. Foi limitado por um dique que o separa do Rhône e sobre o qual se instalaram feiras e exposições a exemplo da Exposição Universal de 1894. Após a mudança do Palácio das Exposições para o subúrbio, o sítio incorporou um complexo imobiliário de escritórios, apartamentos e áreas de lazer, a Cité Internationale de Lyon, na qual figura o Amphithéâtre ou Salle 3000 do Palácio dos congressos de Lyon. Inaugurado em junho de 2006, o anfiteatro tem capacidade para abrigar de 900 a 3220 lugares permitindo a Lyon sediar grandes congressos internacionais. Projetada por Renzo Piano esta área do parque é complementada com um espaço para exposições de 5.400 m², 10 novas salas de escritórios (1500 m²), um hotel residence, um pólo terciário e uma praça pública de 4.000 m². O conjunto possui um estacionamento subterrâneo para 1200 vagas.
Um vasto lago de 16 hectares permite dedicar-se ao prazer da canoagem em estação estival, graças ao atracadouro construído no lado sul do lago. Ao norte do lago emergem duas ilhas arborizadas, a Île des Tamaris, apenas acessível de barco, e a l'Île du Souvenir sobre a qual foi erigido um memorial na forma de um quadrilátero. Esta ilha era antigamente chamada Île des Cygnes e foi transformada pelo plano do arquiteto Tony Garnier e pelo escultor Jean Larrivé, para homenagear os militares mortos em combate. Os nomes dos soldados estão gravados nas paredes dos muros externos da ilha. Um corredor subterrâneo permite chegar até esta ilha por meio de uma escadaria mergulhada no lago.
O material extraído das escavações do lago foi utilizado para construção dos diques que o protegem das águas do rio Rhône e das áreas alagadas que existiam no entorno. Os caminhos arborizados foram desenhados em curvas suaves, as perspectivas abrem-se a partir das entradas principais e em direção ao lago. Os espaços são valorizados, sobretudo pela escolha judiciosa das árvores com portes e folhagens diversas. Denis Bühler projetou ainda os edifícios administrativos que integram o parque como também as estufas e o mobiliário (11). O parque foi inaugurado em 1857, mesmo que o conjunto das obras ainda não estivesse concluído.
Situado às margens do Rhône, o Parc de la Tête d'Or possui sete entradas, dentre as quais a mais impressionante é a Porte des Enfants du Rhône, um portão em ferro trabalhado que se abre em perspectiva diante do lago, centro da composição paisagística marcada ainda por estátuas e por roseirais. Dois acessos, a noroeste, estão diretamente ligados à Cité Internationale (12)e a sede da Interpol (13). Os vastos gramados que intermedeiam todos os caminhos e edificações do parque dão um toque romântico ao alternarem-se com os bosques de árvores imensas e centenárias. A variedade de áreas floridas, os canteiros de rosas espalhados por todo o parque proporcionam em todas as estações perfumes e coloridos diferenciados.
Usos e abusos do Parc de la Tête d’Or
O Parc de la Tête d'Or é aberto ao público e sua entrada é gratuita. O acesso é garantido durante todo o ano entre 6h00 e 21h00, com exceção do período de 01 de abril a 30 de setembro quando permanece aberto até as 23h00 propiciando aos moradores da cidade e aos visitantes múltiplas oportunidades de utilização de suas áreas de lazer e contemplação. Para uma simples caminhada, corridas, passeios de casais, descansos de idosos, lazer familiar, para visitações didáticas programadas pelas escolas ou, ainda, para uso de restaurantes, bares e cafés. O parque abriga, com frequência, exposições artísticas de diversos temas associados à cultura local ou mais amplos como o de preservação da natureza, exposições fotográficas, festas e atividades públicas em datas comemorativas especiais.
Enquanto lugar de descobertas e de aprendizagem da natureza para crianças e adultos, o Parc de la Tête d'Or é formado por três grandes pólos de descobertas: o jardim botânico, o parque zoológico e os roseirais.
O jardim botânico do Parc de la Tête d’Or reúne 15.000 plantas, sendo 3.500 de regiões temperadas, 760 espécies de arbustos, 570 rosas e centenas de outras espécies estudadas no parque. Há ainda 1.800 espécies de plantas de montanhas, uma diversidade de Ninféias. Representa, assim, uma das coleções de botânica mais ricas da Europa, sendo visitada por especialistas do mundo inteiro. O conjunto de estufas forma 5.200 m 2 de área construída, representando a maior área do gênero reunida num parque deste tipo na França.
O parque zoológico foi planejado sob a direção do arquiteto Christhope Bonnet e possui cerca de 1.000 animais sendo 300 de criação, nascidos no parque, e 700 animais selvagens (250 mamíferos, 300 pássaros, 80 répteis e 70 peixes). Dentre as espécies atuais destacam-se: o leão, o tigre de Bengala, a pantera da China, os ursos, as girafas, os elefantes, crocodilos, entre outros. Dentre as funções deste jardim zoológico destacam-se:
- pedagógica, no sentido da descoberta da natureza por crianças e adultos;
- recreativa, com as caminhadas entre os animais;
- científica com a ligação existente entre o parque e a Universidade/ Escola Nacional de Veterinária de Lyon.
Na arborização do Parc de la Tête d'Or foram utilizadas 8.800 árvores dentre elas 36,5% resinosas, 61% de grande porte e copas largas e 2,5% de essências raras. Algumas delas atingem 40m de altura, destacando-se o Cedro do Líbano, o Ginkgo biloba do extremo oriente e os Ciprestes. Para os amantes e estudiosos das árvores é disponibilizado em guia de visitação às árvores mais marcantes do parque.
Destaque especial merece ser dado aqui aos roseirais, em especial, ao roseiral para os concursos anuais quando um júri elege, dentre os criadores de rosas, aqueles que receberão o prêmio da rosa mais bela da França e também da maior rosa do século. Inaugurado na década de 1960, possui 60.000 roseiras representando 320 variedades francesas e estrangeiras.
Os desafios recentes
Para a Agência de Urbanismo de Lyon, o Parc de la Tête d’Or representa um desafio confrontado a toda uma série de mudanças externas, a exemplo da inserção da Cité Internationale projetada por Renzo Piano, da linha TGV Paris-Lyon que o margeia, da Avenue Europe e dos projetos da Feyssine e da La Doua (14) que se desenvolvem nos seus arredores, e internas, como a intensificação de usos expressas nas novas demandas dos usuários de patins, bicicletas, visitas turísticas e escolares, exposições, apresentações teatrais, etc. Aliam-se a estes, os problemas de segurança que fazem do Tête d’Or um parque altamente vigiado por um contingente expressivo de policiais em bicicletas e em veículos especiais que circulam constantemente pelas alamedas e pelos diversos equipamentos que o compõem. Há, ainda, o desafio complementar de modernizar e melhor gerir um “espaço urbano natural” em grande parte protegido embora não totalmente classificado (15) e próximo da saturação em termos do uso intensivo, especialmente no verão e início do outono.
Em 1994, a Agência fez uma avaliação sobre o futuro do Tête d’Or (16). Segundo esse diagnóstico, enquanto espaço de evasão, próximo da cidade (e cada vez mais “dentro da cidade”) e lugar de socialização no qual os conflitos de usos não são ausentes, o Tête d’Or é vítima de seu próprio sucesso. A pressão que se exerce sobre seu perímetro e a necessidade de renovação de seu patrimônio vegetal (dois terços das árvores possuem mais de sessenta anos e muitas estão doentes) são alguns dos principais problemas a serem enfrentados. Entretanto, este trabalho precisa ser desenvolvido com cautela e a partir da adoção de uma atitude preventiva. Nesse sentido, os urbanistas responsáveis pela avaliação do Parque afirmam: “O parque é um meio sensível complexo precisando de uma gestão global para a qual é necessário estabelecer uma carta que inscreve sua vocação e seus princípios de gestão e de comunicação junto ao público que definirá a ação municipal”. (17)
A preocupação dos urbanistas da Agência reflete uma tendência atual pela qual parte dos trabalhos com a paisagem urbana se articula intensamente ao planejamento dos espaços públicos livres como um sistema integrado de recursos naturais, contínuos e com integridade ecológica. Além disto, considerando-se o aumento do número de pessoas que buscam a recreação neste tipo de paisagem, a provisão destes espaços cumpre, também, uma função cívica atribuída às municipalidades e como parte dos direitos civis, políticos e sociais conquistados pelos cidadãos.
notas
1
KLIASS, R. G. Os Parques Urbanos de São Paulo. São Paulo: Pini,1993.
2
SCALISE, W. Parques Urbanos - evolução, projeto, funções e uso. Revista da Faculdade de Engenharia, Arquitetura e Tecnologia Vol. 4 Nº 1 Out. 2002 ISSN 1517 – 7432.
3
SENNET, R. La ville à vue d’oeil, p.16, 1990.
4
A partir de 1542, Lyon tornou-se rota econômica européia com o desenvolvimento do comércio da seda, dos bancos e da impressão gráfica, sofrendo um extraordinário impulso urbanístico com renovações e novas construções que se estenderão até o final do século XVIII quando o período revolucionário provoca um refluxo desse crescimento, retomado a partir do século XIX, ao redor dos anos 1870 mais intensamente, com a expansão industrial e urbana pelas vias férreas acompanhadas da realização de grandes equipamentos urbanos (prefeitura, bairro das universidades...) e pelas grandes percées dos bulevares haussmanianos. Na história urbana de Lyon destaca-se ainda, no início do século XX, sob a administração de Edouard Herriot os projetos inovadores dos novos bairros da rive gauche confiados a Tony Garnier, exemplo da cidade industrial no Bairro dos Etats-Unis, o Estádio de Gerland e a cidade-jardim.
5
Este nome deriva de uma antiga tradição, uma lenda que fala da existência de um tesouro composto em especial por uma cabeça de Cristo esculpida em ouro que ainda estaria enterrado sob o parque.
6
Agence d’urbanisme. Révelateurs de ville. Lyon, travaux récents de l’Agence d’Urbanisme. Lyon, Mardaga Ed. , 1995 e Atlas de l’aire urbaine de Lyon, Lyon, Lamazière, 2005.
7
A Agência de Urbanismo da Comunidade Urbana de Lyon é uma associação de instituições públicas envolvendo o Departamento do Rhône e a Comunidade Urbana de Lyon. É uma equipe de estudos urbanos formada por profissionais de áreas diversas: arquitetura, paisagismo, engenharia, sociologia, direito, geografia, economia, entre outros. Depois de dez anos de estudos a agência conduz um projeto de desenvolvimento urbano aprovado em 1988, conhecido como “Lyon 2010”, que envolve pesquisas e projetos englobando o Plano Diretor da aglomeração de Lyon e o conjunto de documentos temáticos de planificação e de ocupação do solo. Desde 1990, aliados aos projetos de planejamento urbano, a Agência de Urbanismo vem trabalhando no sentido de melhorar a qualidade de vida urbana, intervindo na silhueta da cidade, na relação entre os rios que a cortam e a definem, de organização dos espaços públicos e de projetos urbanos de novos bairros e reabilitação de outros.
8
Os Hospices civils de Lyon (ou HCL) foram criados em 18 de Janeiro de 1802. O maior proprietário de terrenos em Lyon com 850.000 m² de patrimônio. Trata-se do CHU – Centre Hospitalier Universitaire da França e é composto de 17 estabelecimentos (reorganizados em 5 associações), sendo o primeiro empregador Rhône - Alpes (22.000 profissionais dos quais de 4.630 profissionais médicos).
9
Antiga área do subúrbio de Lyon, localizado no lado esquerdo do rio Rhône, cujo desenvolvimento começou na Idade Média, porém só foi anexado à comuna de Lyon em 1852 para formar o 3º arrondissement. Atualmente, a Guillotière forma a metade norte do 7º arrondissement e sudoeste do 3º arrondissement.
10
O senador Vaïse colocou em ação uma política ambiciosa de reestruturação do centro de Lyon segundo o modelo haussmaniano.
11
DELFANTE, C. e MARTIN, A.. 100 ans d’urbanisme a Lyon. Lyon, LUGD, 1994.
12
A Cité é um pólo terciário, cultural e turístico composto por escritórios, salas de conferências, hotéis, um cassino, o Museu de arte contemporânea de Lyon, cinemas e um auditório. Abriga ainda o Palácio do Congresso e a sede mundial da Interpol. A Cité international e representa a concretização de um projeto ambiciosos da cidade de Lyon: a criação de um novo espaço com vocação internacional no qual se misturam economia, cultura, lazer e habitação. São cerca de 20 hectares fortemente marcados por dois elementos naturais, o Rhône e o Parc de la Tête d’Or. A qualidade arquitetônica possui a assinatura de um dos grandes arquitetos contemporâneos, Renzo Piano, e do paisagista Michel Corajoud.
13
A Organização Internacional de Polícia Criminal, mundialmente conhecida pela sua sigla Interpol, ajuda na cooperação de polícias de diferentes países. Surgiu em Viena, na Áustria, no ano de 1923. Hoje sua sede é em Lyon, na França. Trata-se de uma central de informações para que as polícias de todo o mundo possam trabalhar integradas no combate ao crime internacional, o tráfico de drogas e os contrabandos.
14
Estas três últimas representam novas áreas de expansão a noroeste de Lyon. Feyssine representa mais uma grande reserva natural da cidade, sítio antes abandonado às margens do Rhône está hoje reabilitado e inserido na malha urbana. A Avenue de l’Europe é uma nova porta de entrada ao norte da cidade, enquanto La Doua é um novo campus universitário abrigando cerca de 20.000 estudantes.
15
O Parc de la Tête d’Or é protegido por um procedimento de sítios históricos e naturais inscritos para o conjunto do centro histórico da cidade concluído em 1979. Uma dezena de monumentos e de edifícios internos ao parque (incluindo as estufas) é, além disto, inscrito em inventário suplementar de monumentos históricos depois de 1982. O parque está classificado na “zona 1” (setor de interesse histórico notável) dentro do inventário dos sítios naturais franceses estabelecido pelo Ministério do Meio Ambiente.
16
Agence d’Urbanisme. Le Parc de la Tête d’Or, expertise. Abril, 1994.17
Op. cit., p. 109-110.
sobre o autor
Jovanka Baracuhy Cavalcanti Scocuglia é arquiteta e urbanista, docente e pesquisadora do Departamento de Arquitetura e Urbanismo (UFPB) e do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo (PPGAU-UFPB). Defendeu tese de doutorado em Sociologia Urbana pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Atualmente realiza pós-doutorado na Université Lumière Lyon2, França e é membro do Laboratório e Grupo de Pesquisas: GRS – Groupe de Recherche sur la Socialisation.