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architexts ISSN 1809-6298


abstracts

português
O artigo sobre a prática do ensino de projeto em escolas de arquitetura, que parte de indagações como: qual a natureza do ensino de projeto? Como deve ser a disciplina em que, por meio da prática, se aprende a projetar?

english
Read Edson Mahfuz project about teaching in architecture schools, and his questionings about the nature of teaching project through practical activities

español
Lea el artículo de Edson Mahfuz sobre la práctica de la enseñanza en las escuelas de arquitectura y la naturaleza de la enseñanza del proyecto a través de la práctica


how to quote

MAHFUZ, Edson. O ateliê de projeto como mini-escola. Arquitextos, São Paulo, ano 10, n. 115.00, Vitruvius, dez. 2009 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/10.115/1>.

Embora o currículo das escolas de arquitetura seja formado por muitas matérias, parece inquestionável que a disciplina de prática de projetos é a mais importante, pois é nela que se realiza a síntese de todos os conhecimentos necessários ao projeto de edificações, espaços abertos e de urbanismo. Ou seja, é nela que se pratica algo aproximado ao que o futuro arquiteto fará após graduar-se.

Imediatamente, uma questão se impõe: qual a natureza do ensino de projeto? Como deve ser a disciplina em que, por meio da prática, se aprende a projetar?

Muitos acreditam que o ateliê de projeto deve ser um simulacro de um escritório profissional. Essa crença padece de um vício de origem: em um escritório todos os que projetam já concluíram sua formação básica e estão legalmente habilitados a praticar a profissão. Por outro lado, o estudante de arquitetura não sabe nada ao entrar no curso e vai ganhando conhecimento a uma velocidade que só permite que “brinque” de arquiteto ao final do curso.

Mesmo respeitando quem pensa o contrário, é ridícula a idéia de que o estudante, fazendo uso da sua “liberdade”, desenvolva sua “personalidade criadora” sem contar com uma base a partir da qual evoluir. Para muitos, tudo o que um professor de projetos deve fazer é auxiliar os estudantes a desenvolverem o seu modo de criar, como se eles já trouxessem do período escolar anterior algum conhecimento sobre o assunto.

Sou de opinião que projeto não se ensina, mas projeto se aprende. Como pode ser isso? Contrariamente à disciplinas de algumas áreas, um professor de projeto não detém nenhum conhecimento incontroverso que possa ser transmitido como fórmulas para resolver problemas. A essência do ensino de projeto é a criação e proposição de exercícios cuja realização permitirá ao estudante desenvolver a habilidade de projetar. Ao longo desses exercícios o professor apresentará aos estudantes modos possíveis de solução dos problemas projetuais a eles propostos, geralmente apoiado em casos exemplares. Isso vale tanto para os aspectos formais/organizacionais do projeto quanto para os técnico-construtivos. O aprendizado de projeto se dá por repetição, reiteração de um processo que envolve muitas idas e vindas, tentativa e erro, precisando se repetir muitas vezes ao longo do curso de arquitetura para ser efetivo.

Portanto, o ensino de projeto que se propuser a ser uma emulação da prática − em que se dá ao estudante um terreno e um programa e se espera dele que produza um projeto − está fadado ao fracasso. O que a escola pode proporcionar aos estudantes é uma base sólida de conhecimento, construída passo a passo, cuja aplicação prática pode ser verificada por meio de exercícios especificamente elaborados para esse fim. O local onde esse aprendizado acontece com mais intensidade é o ateliê de projeto ou − para ser mais genérico − a disciplina de prática de projetos.

Idealmente, o foco do currículo deveria estar voltado para o ateliê, no sentido de ser a disciplina com maior carga horária − algo em torno de 20 horas semanais −, tempo em que seriam desenvolvidos exercícios de projeto com o apoio dos professores de teoria, história, desenho, legislação, construção, etc., cujo tempo seria parcialmente dedicado à participação ativa no ateliê.

No entanto, não é assim que estão organizadas a maioria das escolas de arquitetura brasileiras: nelas a disciplina de prática de projetos é apenas mais uma, competindo com as demais pelo tempo e a atenção dos estudantes. Isso já seria suficientemente problemático, mas o problema é agravado pelo fato de que muito raramente há alguma coordenação entre os conteúdos das disciplinas de projetos e as demais. Consequências imediatas disso: multiplicação da carga de trabalho dos estudantes e dificuldades ampliadas no aprendizado de projeto.

Nesse estado de coisas, é inevitável que o ateliê acabe sendo desenvolvido como uma mini-escola. Para poder garantir que os estudantes tenham informação diretamente relacionada às atividades que constituem o ateliê, os professores acabam tendo que dar aulas de teoria, de história, de representação, de informática aplicada ao projeto, de construção − detalhamento e estrutura −, etc.

A diferença do modo em que esses conteúdos são ministrados no ateliê reside no fato de que estão dirigidos para um objetivo específico: os exercícios de projeto a que os estudantes se dedicarão ao longo do semestre ou ano letivo (1). O que não significa que sua aplicação seja limitada a uns poucos casos. Ao focalizar a discussão em objetivos específicos devemos aspirar à sua universalidade, a fornecer elementos que permitam ao estudante abordar qualquer tema.

Quando falo em tratar de teoria no ateliê é preciso distinguir entre aquilo que normalmente é feito nas aulas de teoria da arquitetura − isto é, a apresentação e discussão das teorias conhecidas − da verdadeira teoria, que consiste na reflexão sobre a prática. A teoria nem precede nem constitui-se em alternativa para a prática do projeto: o seu propósito deve ser sempre explicar os fatos que resistem à abordagem do mero sentido comum e contribuir para a “intensificação do entendimento visual, condição necessária da capacidade de julgar e, portanto, de conceber” (2).

O objetivo da atividade teórica dentro do ateliê não pode ser a criação de fórmulas que resolvam todos os problemas de uma vez por todas, mas sim a ampliação da prática de projeto e seu campo problemático, proporcionando instrumentos que permitam reconhecer de maneira ordenada a complexidade da realidade (3). Objetivamente, o resultado disso é a explicitação de critérios claros que nortearão tanto o trabalho projetual discente quanto a sua verificação ao longo do período.

A história entra no ateliê como veículo da construção de repertório. Seu foco aqui é restrito e diretamente relacionado aos temas projetuais em questão: analisa-se projetos exemplares em busca de informação sobre estruturas formais, relações com o entorno, técnicas construtivas, etc. Ao mesmo tempo, muitas vezes é imperativo explicitar as características e relevância da arquitetura do entorno em que se atua.

Em relação à representação e ao uso da informática para esse fim, o normal é que as disciplinas que ministram esse conteúdo se limitem a ensinar como se usa os vários programas dedicados ao desenho e à modelagem 3D. Cabe ao ateliê a tarefa de mostrar como os aplicativos de modelagem podem ir além de sua condição de ferramenta sofisticada de desenho e revelar sua utilidade transcendental como ferramentas de projeto.

Quando concebida como ferramenta de projeto, a informática permite o conhecimento simultâneo do objeto em várias escalas e ajuda o desenvolvimento da consciência visual, cuja consequência é um melhor controle de qualquer proposta formal. Mais do que representar idéias, se trata de construir a forma utilizando o que a informática nos possibilita. Além disso, hoje é possível verificar com exatidão a qualidade de um espaço por meio da simulação foto-realista, mas essa possibilidade só se realiza se essa aptidão estiver em sintonia com os critérios gerais que norteiam o projeto (4).

Que tipo de professor?

Muito se discute a respeito do que ensinar e como ensinar no ateliê. Entretanto, quase nada se fala sobre a qualificação de quem assume essa tarefa. Há uma crença generalizada de que é suficiente ter o título de arquiteto para ensinar outros a projetar, assim como há uma tendência a aceitar que o trabalho em um escritório de arquitetura é treinamento suficiente para a docência.

Eu me arriscaria a afirmar que nenhuma dessas condições é suficiente para ensinar projeto. Ninguém deveria aventurar-se a comandar um ateliê de projeto sem possuir uma visão clara do que é o projeto no sentido mais amplo, entendimento que deve ser acompanhado por uma habilidade inequívoca para transmiti-lo. O estudante precisa saber os critérios que regem o ateliê para poder produzir; são esses critérios que servirão de base para as críticas positivas e negativas que os professores farão ao longo do semestre.

Outro aspecto importante do perfil do professor de projeto é o seu envolvimento com projetos. Assim como não se pode confiar num professor de cirurgia que não pratique, também deveria ser exigido do professor de projetos uma prática regular, o que não significa que todos devam fazer arte de um escritório convencional (5). Qual estudante não gostaria de constatar que seu professor também se vê às voltas com os mesmos problemas que ele e que, por vezes, tem as mesmas dificuldades para resolvê-los?

Idealmente, o professor de projetos deve ter conhecimento abrangente: isso significa poder abordar temas de urbanismo, edificações, paisagismo, construção, estruturas, etc, assim como ministrar aulas cuja ênfase seja teórica e histórica. Na pior das hipóteses, se for difícil contratar professores com essa qualificação, um grupo de docentes deverá ser montado para dar conta de todas essas atribuições de modo afinado.

Que tipo de arquiteto?

Nos dias atuais há duas posições que podem ser adotadas em relação à prática da arquitetura e ao seu ensino. Por um lado, pode-se ter como objetivo a formação do arquiteto ‘artista’, criador de formas insólitas e impactantes, cujo valor profissional será maior à medida em que essas obras se adequarem à sociedade do espetáculo em que estamos inseridos (6).

Por outro lado, podemos ter objetivos mais modestos e almejar a formação de profissionais cuja meta não seja o estrelato mas a prestação de serviços à sociedade, produzindo arquiteturas corretas e adequadas ao lugar e tempo em que vivemos. Isso não significa abrir mão da possibilidade de produzir arquitetura e urbanismo de alta qualidade, apenas que essa qualidade também dependerá da pertinência dos projetos às situações que procuram resolver.

No primeiro caso estamos diante de uma arquitetura cuja ênfase está na aparência, e de tal modo que uma certa desconsideração dos demais aspectos é considerada normal, um preço a pagar pela obtenção de formas ‘transcendentais’. Nesta linha de pensamento encontramos uma confluência intrigante entre o romantismo do século dezenove − com a sua ênfase na expressão da individualidade do artista − e os valores da publicidade atual, com sua ênfase na criação de situações impactantes, sejam elas campanhas de promoção de produtos ou a construção de um edifício representativo.

No segundo caso, estamos diante de uma arquitetura mais modesta, menos preocupada com o seu destaque midiático do que com a adequação da suas criações ao contexto cultural, econômico e social em que se inserem. Essa é a arquitetura entendida como verdadeiro serviço à sociedade, atitude que em nenhum momento invalida as preocupações disciplinares e o objetivo de realizar projetos de excelência.

A simples enunciação desses dois modos de conceber a arquitetura já indica que há mais de uma maneira de conceber a arquitetura, gostemos disso ou não. Logo, o ensino de projeto não pode ser neutro: a abordagem específica de cada ateliê deveria ser explicitada claramente e suas características principais discutidas em relação às suas alternativas.

Que tipo de arquitetura pode ser ensinada?

Vamos supor, como base de argumentação, que a arquitetura progrida de formas geometricamente elementares a mais complexas, num espectro que teria Loos e Tessenow num extremo e Gehry e Hadid no outro. Sem emitir juízo de valor sobre esses modos fazer de arquitetura, não resta dúvida de que a produção dos últimos apresenta muito mais complexidade do que a dos primeiros.

Em qualquer espécie de aprendizado, especialmente em áreas que envolvem criação, costuma-se proceder das idéias, estratégias e técnicas mais simples para as mais complexas. Sendo assim, pareceria lógico que o ensino de projeto se preocupasse em dotar os estudantes primeiro de um conhecimento básico e seguro para só então aventurar-se a enfrentar graus maiores de complexidade. Bom exemplo disso é a carreira do próprio Frank Gehry, cuja obra consistiu em uma produção absolutamente convencional por quase trinta anos, momento a partir do qual ele iniciou gradualmente a produzir o tipo de arquitetura que o tornou famoso (embora não necessariamente um arquiteto melhor).

No entanto, não é isso que acontece na maioria das escolas. Fascinados com o que vêem nas revistas e eventos, muitos professores confundem criatividade em arquitetura com a capacidade de criar objetos insólitos, surpreendentes, e impactantes. Até pouco tempo aquela crença era acompanhada de outra: de que aquele tipo de criatividade era dependente de um talento superior inato. Desde o surgimento da informática aplicada ao projeto a crença no talento inato deslocou-se para a habilidade em utilizar as possibilidades dos programas de modelagem em três dimensões.

Isso me parece uma grave distorção do papel da universidade, pois o ensino de graduação não é lugar para experimentação. Para isso há disciplinas optativas, cursos de pós-graduação e projetos de pesquisa. Um curso regular de graduação em arquitetura deveria estar preocupado essencialmente em transmitir o conhecimento que define o ofício e que permite ao profissional servir a sociedade de modo correto e adequado.

Que método utilizar?

Nos cursos e disciplinas de projeto ditas de ‘vanguarda’ ou de experimentação ocorrem coisas curiosas. Fala-se muito em ‘liberar o estudante’, em dar-lhe liberdade para exercer sua criatividade. Ao ouvir tais afirmações logo nos perguntamos a respeito do que esses estudantes estariam sendo liberados: de adolescências normais de classe média e alta em que a característica mais evidente é a liberdade de movimentos e de pensamento? O que mais parece faltar ao pós-adolescente que temos como estudante é disciplina e conhecimento, coisa nem sempre encontrada em ateliês de projeto.

O professor ‘libertador’ tenta ensinar projeto recorrendo a métodos igualmente curiosos. São famosos os exercícios em que se pede aos estudantes que escolham qualquer objeto em casa e o transformem em um edifício. É famoso um texto de um arquiteto espanhol que apresenta como ilustrações várias planimetrias cotadas de um croissant! Também são comuns exercícios de manipulação formal de sólidos elementares sem que haja qualquer relação com programa, lugar ou técnica, o que limita sobremaneira o ganho que se poderia extrair deles.

Nos últimos anos se generalizou a prática de incentivar o uso de geometrias complexas como se isso fosse uma obrigação, pelo simples fato de que a informática possibilita que se projete qualquer coisa. O fato de que se pode fazer algo significa automaticamente que se deva fazê-lo? Assim como nos anos 1980 utilizar frontões e outros elementos do repertório clássico representava uma credencial de modernização − no sentido de atualização − nesta primeira década do novo milênio o uso de fractais, rizomas, geometrias booleanas, cintas de Moebius, etc, desempenham o mesmo papel.

Isso tudo representa uma grande distorção do que é realmente a arquitetura: a origem da forma arquitetônica passa a ser a geometria pura, passando para segundo plano o programa, o lugar, a técnica e a cultura disciplinar (7).

Outro grande problema do ensino ‘libertário, criativo e atualizado’ é sua falta de sistematicidade: suas lições terminam em si mesmas, não criam uma base sólida para o futuro profissional, que sempre dependerá da ‘sacada’ genial em vez de basear sua prática em um ofício sedimentado ao longo do tempo.

O ensino de arquitetura tem padecido de várias moléstias, além das já mencionadas aqui. Uma delas é tratar o projeto como se fosse um organismo e atribuir-lhe atitudes e características de seres animados. Outra é a utilização de termos e conceitos de outras áreas de conhecimento, o que muitas vezes confunde o entendimento e a solução de problemas estritamente arquitetônicos. Uma terceira é basear o projeto numa abordagem conceitual em que o conceito que dá origem à forma é algo estranho aos aspectos específicos da situação para a qual se busca uma solução arquitetônica. Essa prática resulta em obras cuja forma deriva da busca de materialização daquele conceito − o que relega a um plano secundário o atendimento às reais necessidades que suscitaram o projeto −, e cuja experiência da obra se reduz ao reconhecimento do conceito.

Nada disso tem muito a ver com a arquitetura autêntica. Os melhores exemplos de arquitetura que podemos encontrar na história − em sua maioria vinculados ao classicismo e ao modernismo, os dois únicos sistemas formais completos que se conhece − são resultantes de uma concepção do projeto como síntese formal − que utiliza como ferramentas os materiais de projeto da própria arquitetura − das necessidades do programa, das sugestões do lugar e da disciplina da construção.

Pelo exposto, o ensino de arquitetura deveria sempre se basear na própria arquitetura. Assim, o que podemos realmente transmitir − tentando facilitar o aprendizado por cada estudante − é o ofício da arquitetura, materializado nos projetos e edifícios que nos cercam ou que podemos conhecer por meio das mais variadas mídias. Para aprender o ofício da arquitetura é necessário envolvimento direto e constante com a sua matéria prima: seus edifícios e projetos.

Em um livro extremamente sugestivo, Helio Piñón sugere que “o aprendizado de projeto deveria ser pensado como uma (re)construção de materiais da arquitetura, guiada por critérios extraídos das próprias obras sobre as quais se atua” (8). Dito de outro modo a noção de projeto como (re)construção significa “a construção de uma nova ordem a partir de matéria prima verificada empiricamente” (9).

O que ele sugere é o envolvimento direto com os precedentes, seja pelo re-desenho ou pela atuação direta sobre um projeto. Em ambos os casos, se pode atingir o reconhecimento da formalidade e do sentido histórico da obra, coisa que em muitos casos nunca acontece ao longo dos currículos convencionais. Enquanto o normal é que se proceda do programa ao objeto, a proposta de Piñón inverte o processo, propondo que se descubra a lógica do programa a partir da identificação da ordem do edifício.

A adoção de um edifício de reconhecida qualidade como objeto de reflexão ativa fornece materiais de projeto – elementos e critérios de ordenação – que permitem a elaboração posterior dos mesmos materiais em situações variadas. Ao fixar o olhar sobre um universo ordenado, o estudante é levado a reconhecer os critérios de construção formal e material que determinam sua aparência. Além disso, “abordar a arquitetura a partir dos edifícios − e não desde os programas − tem a vantagem de mostrar a relevância da dimensão visual da concepção em comparação com o hábito de fazer referência a conceitos legitimadores” (10).

O que proponho é um trabalho constante sobre a arquitetura: o re-desenho de projetos exemplares como meio de adquirir conhecimento específico sobre os principais aspectos da arquitetura. Todo e qualquer edifício com o qual tenhamos tido contato íntimo − projetando-o, construindo-o ou re-desenhando-o − nunca mais sairá da nossa memória, tornando-se matéria prima para futuros trabalhos. Isso vale tanto para bons quanto para maus projetos, por isso me parece seguro utilizar como objeto de reflexão ativa aqueles arquitetos e edifícios/projetos sobre os quais não paire dúvida a respeito da sua qualidade. Não haverá muita margem de erro se trabalharmos sobre os bons exemplos da arquitetura clássica − qualquer livro texto nos fornece uma lista suficiente − e da arquitetura moderna. Ou alguém negará a qualidade de gente como Le Corbusier, Mies van der Rohe, Louis Kahn, Niemeyer, Reidy, Rino Levi e Paulo Mendes da Rocha?

As vantagens do re-desenho de arquiteturas exemplares podem ser ampliadas se estabelecermos como exercício a investigação de supostas alterações do programa original: isso permitirá ir além do reconhecimento do sistema e passar à exploração de suas capacidades operativas.

Até em exercícios menos ‘controlados’ − em que o estudante possa definir a estrutura  formal a adotar − pode-se oferecer um repertório de estratégias compositivas a serem testadas em situações programáticas e locacionais específicas.

Talvez a consequência mais positiva e menos visível do ensino de projeto baseado na manipulação de arquiteturas exemplares seja colocar o professor no seu devido lugar. Na maioria das escolas o professor de projeto é todo-poderoso: a sua opinião define o que é correto e o que não é – quase nunca colocado dessa forma, mas em termos de bom/ruim, gosto/não gosto –, muitas vezes sem que nenhuma explicação lógica acompanhe o seu veredito. No entanto, como afirma sabiamente Helio Piñón:

“É irresponsável confiar nos professores de projeto para adquirir tais elementos e critérios: os professores devem atuar como intermediários entre a arquitetura e quem se prepara para praticá-la. O professor tem a obrigação de tornar evidente que a autoridade está nos edifícios, não nas suas opiniões: em suas intervenções ele deverá identificar e enfatizar os valores e critérios que se possa extrair deles” (11).

Embora não seja o único lugar, o ateliê é onde se pode desenvolver esse aprendizado baseado no contato direto com a arquitetura de qualidade, indo da análise à síntese como partes indissociáveis de um mesmo processo.

Enquanto os currículos não reconhecerem a verdadeira posição hierárquica do ateliê de projetos, a única alternativa para se criar condições de um melhor aprendizado será tratá-lo como uma mini-escola de arquitetura.

notas

1
Outro problema do ensino atual é a divisão do curso em semestres. Quatro meses não é tempo suficiente para que se possa desenvolver com eficiência um método de aprendizado: quando docentes e estudantes começam a falar a mesma língua e a se entender, termina o semestre e tudo começa novamente.

2
PIÑON, Helio. Miradas Intensivas, Barcelona, Edicions UPC: 1999.

3
MARTÍ ARÍS, Carlos. “El arte y la ciencia: dos modos de hablar con el mundo”, texto não publicado apresentado em Roma, no congresso Il Progetto Architettonico, 1998

4
Sobre este tema, vale a pena ler: PIÑON, Helio. “Representação gráfica do edifício e construção visual da arquitetura”. Arquitetos, n. 104.02. São Paulo, Portal Vitruvius, jan. 2009 <www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq104/arq104_02.asp>.

5
Há muitos modos de manter-se ativo. A participação em concursos e a elaboração constante de projetos teóricos (que não teriam como fim ser construídos mas gerar conhecimento projetual) são apenas dois deles.

6
De acordo com os defensores dessa posição, é claro.

7
Como exemplo disso pode-se mencionar um curso de mestrado ministrado em uma importante universidade europeia intitulado Da geometria ao espaço construído, que tem como um de seus objetivos “transmitir uma nova visão da arquitetura moderna baseada na utilização de geometrias complexas”.

8
PIÑON, Helio. El proyecto como (re)construcción, Barcelona, Edicions UPC: 2005.

9
Helio Piñón, op. cit.

10
Helio Piñón, op. cit.

11
Helio Piñón, “Cinco axiomas sobre o projeto”, texto não publicado, 2008.

sobre o autor

Edson Mahfuz, Arquiteto, Prof. Titular de Projetos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil

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