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architexts ISSN 1809-6298


abstracts

português
Este artigo tem como objeto a Praça dos Três Poderes imaginada por Lúcio Costa. O objetivo é pensar a ideia do arquiteto comparando-a à interpretação de Oscar Niemeyer e às intervenções feitas ao longo dos anos


how to quote

LAUANDE, Francisco. A Praça dos Três Poderes. Arquitextos, São Paulo, ano 10, n. 120.01, Vitruvius, maio 2010 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/10.120/3424>.

À guisa de introdução

“A praça é, em certo sentido, a essência da cidade” (Nelson Saldanha)

Este artigo é um resumo com algumas adaptações da dissertação de mestrado defendida na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília, em 2007, cujo objeto foi a Praça dos Três Poderes imaginada por Lúcio Costa que até então, permanecia ausente como tema principal das pesquisas sobre Brasília.

O objetivo fundamental do trabalho foi o de pensar e estudar a ideia de Lucio Costa, considerando as intenções de natureza morfológica e tipológica, que foram comparadas à interpretação feita por Oscar Niemeyer. As intervenções realizadas ao longo dos anos foram também relevadas. Entendeu-se, portanto, que há, com efeito, três praças: a concebida, a inaugurada em 1960, e a modificada ao longo dos anos. (1)

Passados cinqüenta anos da construção do Plano-piloto, alguns aspectos do que foi imaginado por Lucio Costa permanecem sem uma análise aprofundada o que leva à interpretações equivocadas e, muitas vezes, dotadas de preconceitos. Para o entendimento sobre a ideia para o Plano-Piloto de Brasília é necessário, como condição sine qua non, conhecer o pensamento de Lucio Costa e o contexto histórico que envolve a construção da nova capital. Recorro às palavras de Theodor Adorno, extraídas da obra “Teoria estética”, quando diz que “tão profunda é, no plano estético, a penetração recíproca do conteúdo da verdade e da história”. (2)

O Plano-Piloto de Lucio Costa é a sua obra mais significativa – o trabalho-síntese do seu pensamento. Em que pese à dimensão física, é a importância simbólica derivada da sua função como projeto para a nova capital do país que impõe a essa obra o valor histórico. A construção de Brasília é o momento da afirmação da identidade da arquitetura modernista brasileira de inelutável capacidade de inventividade e autenticidade. Brasília, mais do que parte de um processo natural de ocupação e a integração do país, é o símbolo do desejo de sua inserção em uma era de desenvolvimento econômico e social.

A Praça dos Três Poderes – uma praça laica - foi entendida como o espaço que compreende: os edifícios inscritos no grande triângulo eqüilátero, o espaços central e os demais livres, pois foi dessa forma como Lucio Costa referiu-se à obra, tanto através de croquis como de seus escritos. De acordo com suas palavras:

“destacam-se no conjunto os edifícios destinados aos poderes fundamentais que, sendo em número de três e autônomos, encontram no triângulo equilátero, vinculado à arquitetura da mais remota antiguidade, a forma elementar apropriada para contê-los. Criou-se então um terrapleno triangular, com arrimo de pedra à vista, sobrelevado na campina circunvizinha a que se tem acesso pela própria rampa da auto-estrada que conduz à residência e ao aeroporto. Em cada ângulo dessa praça – Praça dos Três Poderes, poderia chamar-se – localizou-se um das casas, ficando as do Governo e do Supremo Tribunal na base e a do Congresso no vértice, com frente igualmente para uma ampla esplanada." (3)

A praça imaginada

“Se as obras de arte são respostas à sua própria pergunta, com maior razão elas próprias se tornam questões” (Theodor Adorno)

O Plano-Piloto é o cruzamento dos dois grandes eixos ordenadores inscritos por um grande triângulo mimetizado pelo triângulo equilátero que inscreve a Praça dos Três Poderes.

A Praça dos Três Poderes foi pensada desde o início como o principal espaço simbólico da cidade, simbolizando a ocupação do país feita de forma institucionalizada. Como explica Fábio Duarte:

“o território, assim como o lugar, é uma porção do espaço significada, a cujos elementos são atribuídos signos e valores que refletem a cultura de uma pessoa ou grupo. Entretanto, na constituição de um território, essa significação é uma forma de marcar esses elementos com certos valores culturais, de modo que qualquer outro objeto, ação ou indivíduo que se encontre nessa porção de espaço deva se guiar, ou mais, deva se submeter a essa medida cultural imposta ao espaço”. (4)

Lúcio Costa posicionou o conjunto da Praça dos Três Poderes como o ápice do percurso do Eixo Monumental, cujo trecho compreende o extenso trecho entre a Esplanada dos Ministérios e a rodoviária que assume o papel de espaço preparatório da praça. Nas suas próprias palavras:

“como a palma da mão que se abrisse além do braço estendido da esplanada onde se alinham os ministérios, porque assim sobrelevados e tratados com dignidade e apuro arquitetônicos em contraste com a natureza agreste circunvizinha, eles se oferecem simbolicamente ao povo; votai que o poder é vosso” (5)

A Praça dos Três Poderes além do seu papel fundamental como expressão simbólica, sintetiza uma das principais intenções de Lucio Costa: integrar a cidade e a paisagem. Cidade e paisagem confundem-se. Como demonstra o seu pensamento: “é preciso manter a natureza intocada, apresentá-la como a possibilidade de converter-se numa extensão da cultura” (6). A Praça dos Três Poderes acentua assim a força do lugar – ogenius loci – servindo como um “palco” que se volta para o coração do país, representado pela natureza a sua frente. Sobre a localização da praça, Lucio Costa assim explicou:

“no meu espírito, quando tive essa intenção de marcar a posição da Praça era, em parte, com o objetivo de acentuar o contraste da parte civilizada, de comando do país, com a natureza agreste do cerrado. Propunha que esta viesse ao encontro do arrimo triangular que caracterizava a Praça dos Três Poderes.”

Em função do comentário dos jurados nomeados para o concurso, que consideravam excessiva a distância entre a parte da cidade conformada pelos eixos principais e o lago, o Plano-Piloto foi então, deslocado cerca de 700 metros no sentido leste, em direção ao Lago Paranoá – posição equivalente onde se dá a ligação entre as avenidas L-2 Sul e Norte. Tal fato leva a possível suposição de que a intenção era a de imprimir à praça a função de um “segundo centro” e não, o de um apêndice do Plano-Piloto, como muitos assim a interpretam. Quando relevamos a ligação de Lucio Costa com a cultura francesa, torna-se inevitável pensarmos na Avenida dos Campos Elíseos, em Paris – uma das referências para o projeto para o Plano-Piloto. É possível supor que essa grande área verde subtraída da ideia original poderia vir a servir, assim como o Jardim das Tulherias como um grande parque para o uso da população.

O triângulo eqüilátero imaginado por Lucio Costa, mimetizando a geometria de Montesquier – símbolo da tripartição do Estado – tem as mesmas dimensões da obra construída: 683 metros.

Tomando como base um dos desenhos (imagem 2), percebe-se que relacionados a esse triângulo Lúcio Costa utilizou dois grandes retângulos virtuais que fazem o papel de elementos estruturadores, como forma dar unidade ao espaço (imagem 3).

O retângulo, com a maior extensão, no sentido longitudinal, é a continuidade do Eixo Monumental. Nele estão contidos: a sede do Poder Legislativo com o seu edifício anexo; um espaço que possivelmente seria um grande espelho d’água entre dois canteiros, sendo um deles o que receberia o renque de palmeiras imperiais; e a praça – o espaço aberto.

O segundo retângulo, no sentido transversal, incorpora as sedes dos poderes Executivo e Judiciário, com pequenas praças autônomas – “adros” que imprimem a integração desses edifícios com o plano aberto da praça.

A praça propriamente dita com sua forma oitavada, de acordo a representação do desenho de Lucio Costa, demonstra a existência apenas do próprio revestimento do piso, sem vegetação. A praça, portanto, deveria assumir um aspecto “seco” – mais um sinal da filiação estética à arquitetura europeiaA ligação entre as vias do Eixo monumental, a do lado norte com a do lado sul, penetraria a praça, levando a interpretação de que haveria uma convivência entre pedestres e automóveis nesse espaço.

As sedes dos poderes Judiciário e Legislativo assumiriam formas quadradas. Em um desses volumes, o que está posicionado na direção sul, percebe-se uma forma retangular, na pequena praça autônoma, quer intercepta perpendicularmente o edifício, levando a hipótese de que tal elemento seria uma rampa de acesso, e que o volume deveria estar, portanto, sobre uma base (imagem 4).

Na praça autônoma do palácio ao sul, percebe-se ainda, uma forma que tende para a elíptica imediatamente a frente da fachada. Tal elemento remete ao parlatório, utilizado por Oscar Niemeyer no projeto para o Palácio do Planalto.

A sede do Poder Legislativo é composta por dois edifícios (imagem 5): o dos plenários e uma edificação anexa. Na sua fachada voltada para o oeste, dá-se o encontro dos lados que formam o vértice do triângulo no sentido da altura, cujo eixo divide de forma simétrica o edifício dos plenários, colocando o conjunto do Congresso Nacional como ponto de articulação do triângulo da praça com o restante da área urbanizada, formada pelos dois grandes eixos. Contíguo ao edifício dos plenários, imediatamente próximo à fachada voltada para o lado norte, está o edifico anexo, que segue uma forma retangular e longilínea.

O volume dos plenários seria coroado por uma cúpula. O edifício anexo comparece como o mais vertical de todo o conjunto arquitetônico da praça e deveria ser o mais alto da cidade.

A frente da fachada do edifício dos plenários, voltada para o lado oeste, comparece com uma forma quadrada, o que pode ser interpretado como um segundo espelho d’água (imagem 2).

O renque de palmeiras imperiais é mais um elemento que imprime verticalidade ao conjunto. O seu uso, uma sugestão de Le Corbusier, como demonstra o memorial do Plano-Piloto, acaba por assumir um importante caráter simbólico. A palmeira Imperial é uma espécie oriunda de regiões estrangeiras com características climáticas tropicais muito similares a do Brasil, importada por ordem de D. João VI, no início do século XIX, para ser utilizada no paisagismo do Jardim Botânico, no Rio de Janeiro. Desde então, essa espécie passou a ser usada em outras obras importantes, como por exemplo, o jardim do Palácio do Catete, no Rio de Janeiro (1836), a Praça da República, em Recife (1875) e a Praça da Liberdade, em Belo Horizonte (1920). A palmeira Imperial já havia sido utilizada por Lucio Costa na ideia para o campus da Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro (obra não construída), na década de trinta. Sobre o uso de palmeiras Imperiais no Brasil, ele comentou em entrevista a Matheus Gorovitz:

“o próprio emprego das palmeiras imperiais sugerido por Corbusier também dá uma conotação, embora a palmeira seja uma coisa importada, Dom João VI plantou a palmeira trazida lá das Antilhas, mas ficou tão bem integrada no Rio de Janeiro que hoje em dia tanto a palmeira como a mangueira também são árvores que ficaram integradas na paisagem carioca (sic).” (7)

Quando se toma o segundo croqui feito por Lucio Costa (imagem 6), assim como no primeiro, o espaço é estruturado por intermédio de dois grandes retângulos virtuais que se relacionam com o triângulo, onde a praça é o ponto de interseção. (imagem 7)

Os edifícios dos poderes Executivo e Judiciário assumem nessa segunda versão formas diferenciadas. O que ficaria posicionado na posição ao sul do espaço da praça, tem uma forma que tende para a retangular. O palácio, no lado oposto, permaneceria com uma forma quadrada.

Nas duas praças autônomas comparecem mais detalhes em relação a sua ocupação. Os esboços insinuam elementos que ocupariam o piso. Como no primeiro desenho, comparecem mais uma vez, nos dois edifícios, formas que interceptam perpendicularmente a fachada voltada para a praça, reforçando mais uma vez, a hipótese de que eles estariam sobre uma base e que tais elementos seriam rampas de acesso.

Considerando o edifício dos plenários, outra diferença pode ser percebida: ele passa a assumir uma forma a quadrada diferentemente do que acontece no primeiro desenho analisado. A cúpula é menor. Considerando a fachada voltada para a praça comparece uma continuidade do edifício, levando à duas interpretações: a primeira seria de que há um outro grande espelho d´água; a segunda, seria a de que esse espaço é um terraço, pensado para ser usado como local de contemplação da paisagem, no sentido leste, em direção ao lago – um miradouro.

Outro desenho que representa a sede do Congresso Nacional, demonstra uma terceira intenção que reforça a suposição de que, de fato, o edifício dos plenários contaria comum terraço. Assim como nos outros palácios, o edifício dos plenários estaria elevado do chão, cujo acesso seria feito por uma rampa.

O posicionamento imposto aos palácios, nos dois principais desenhos, estabelece características contraditórias e fundamentais à morfologia do espaço. A primeira corresponderia a uma “força centrípeta”, resultante dos eixos oriundos dos edifícios que convergem para um ponto focal imaginário, que está no centro da praça. A segunda seria a “força centrífuga”, que está direcionada para a base do triângulo – sem bloqueios visuais, excetuando a vegetação a frente. O espaço aberto da praça, portanto, expandir-se-ia em relação à paisagem. A natureza e o horizonte passariam a ser, portanto, importantes elementos compositivos da obra. (imagem 8)

De acordo com a análise das duas situações imaginadas, a locação dos três edifícios está em consonância com uma malha modulada. A interpretação é de que Lucio Costa lançou mão de alguma relação matemática determinada com o intuito de reforçar a harmonia do conjunto arquitetônico (imagem 9 e 10). Em entrevista ao autor, ao ser questionado sobre essa hipótese, Oscar Niemeyer asseverou:

“entendi na ocasião que a disposição dos palácios daquela maneira foi simplesmente a forma que o Lucio Costa encontrou para dar elegância à obra. Conversamos sobre outros aspectos do projeto, mas não chegamos a conversar sobre isso... tínhamos um prazo muito curto para o desenvolvimento dos projetos.” (8)

A Praça do Comércio, em Lisboa (imagens 12), a Praça XV de Novembro, no Rio de Janeiro (imagens 13), e a de Porto Seguro (imagens 14) foram importantes referências para a ideia de Lucio Costa. São praças que da mesma forma assumem um posição na cidade, por assim dizer, excêntrica em relação ao tecido urbano, voltando-se para a paisagem. Outra relação com a arquitetura antiga comparece quando consideramos a implantação da praça feita sobre um terrapleno. Lucio Costa admitiu em um dos seus escritos que essa técnica construtiva oriental fora extraída de fotografias tiradas no oriente por um amigo. De acordo com as palavras de Lucio Costa: “a aplicação, em termos atuais, dessa técnica oriental milenar dos terraplenos garante a coesão do conjunto e lhe confere uma ênfase monumental imprevista”. (9)

A praça interpretada e construída em 1960

“Os dois arquitetos não pensaram em construir a beleza,seria fácil: eles ergueram o espanto inexplicado” (Clarice Lispector)

A praça dos Três Poderes construída e inaugurada, em 1960, de acordo com o que foi interpretado, respeita as intenções morfológicas imaginadas por Lucio Costa, mantendo ainda as medidas determinadas para o triângulo eqüilátero (imagem 13). Os edifícios foram posicionados próximos a cada um dos seus vértices.

O triângulo eqüilátero foi construído quase que totalmente sobre um terrapleno com um arrimo em concreto aparente, ao invés das pedras, como imaginara Lúcio Costa.

Assim como Lucio Costa, Oscar Niemeyer uitlizou o recurso dois grandes retângulos virtuais que se relacionam com o triângulo, servindo como elementos ordenadores e estruturadores do espaço para reforçar a ligação entre os edifícios e imprimir o sentido de unidade ao conjunto arquitetônico. (imagem 14)

A praça propriamente dita é um grande retângulo que se estende até o Supremo Tribunal Federal e o palácio do Planalto. A via que liga uma via do Eixo Monumental do lado sul para o lado norte não mais penetra na praça. Pedestres e automóveis são apartados.

Os três edifícios têm uma planta-baixa, cuja estrutura é organizada através de um ritmo determinado, mais uma maneira de proporcionar unidade ao conjunto arquitetônico.

O Palácio do Planalto (imagem 15) volta-se para a praça em sua maior dimensão. A percepção que se tem é de que o edifício tem o mesmo tamanho do limite do plano da praça a sua praça. Contudo, observações in loco demonstram que, de fato, há um sensível deslocamento.

O Supremo Tribunal Federal, o edifício, o menor de todos, assume a mesma tipologia do Palácio do Planalto, voltando-se para a praça em sua menor dimensão. (imagem 16)

O conjunto arquitetônico do Congresso Nacional é formado pelo edifício dos plenários e os dois edifícios anexos. A cobertura do primeiro é circunscrito por um retângulo. Uma pequena porção desse plano encontra-se fora do triângulo. A rampa de acesso volta-se para o lado oeste do Eixo Monumental, reforçando a ligação do conjunto com a Esplanada dos Ministérios. Sobre o plano da cobertura estão os círculos que representam as duas cúpulas. A primeira corresponde à Câmara dos Deputados – a mesma dimensão da cúpula imaginada por Lúcio Costa –, enquanto a que correspondente ao Senado Federal tem um diâmetro menor. A forma retangular da planta- baixa estende-se aos dos dois edifícios anexos. (imagem 17)

Tomando-se os eixos que dividem ao meio os edifícios dos Palácios do Planalto e STF, no sentido transversal, apreende-se que eles não coincidem com o eixo que divide a praça ao meio. Oscar Niemeyer, ao contrário, de Lucio Costa deixa de utilizar o recurso da modulação ou de um determinado ritmo de medidas para a locação dos edifícios. (imagem 18)

O volume do Palácio do Planalto é um paralelepípedo com uma altura de 15 metros, caracterizado por sua horizontalidade. As colunas aparentes e posicionadas na periferia do edifício imprimem a percepção de que o volume estaria elevado do chão, ligado ao piso apenas por essa estrutura. Há, de fato, uma base que é o pavimento térreo. A rampa imprime a percepção de que o edifício faz parte do espaço aberto da praça. Em pontos de observação mais distantes, a impressão é de que o plano da praça estende-se até o Palácio do Planalto, em função da impercepitibilidade da via do Eixo Monumental.

As colunas do Supremo Tribunal Federal, ao contrário do Palácio do Planalto, comparecem nas fachadas laterais. O avanço do piso elevado e da laje da cobertura dão a sensação de que o edifício é delimitado nas suas laterais por grandes alpendres. Mais uma vez, o volume parece estar elevado do chão, mas, desta feita, com um desnível bem menos acentuado do que acontece no Palácio do Planalto – cerca de um metro. A base é parte do subsolo.

O desenho das colunas do Supremo Tribunal Federal e do Palácio do Planalto, uma derivação da coluna do palácio da Alvorada, proporcionam uma variedade de perspectivas. Sobre a concepção estrutural dos palácios, Oscar Niemeyer assim justificou: “as afastei das fachadas criando um espaço vazio pelo qual, debruçado na prancheta, eu caminhava mentalmente, imaginando suas formas e os pontos de vista variados provocariam” (10). Em outro momento ele afirmou:

“nos Palácios do Planalto, do Supremo e da Alvorada, limitei-me a especular sobre a forma dos suportes ou das colunas propriamente ditas. Não desejava adotar as seções usuais, colunas cilíndricas ou retangulares – muito mais simples e econômicas –, mas procurar outras formas que, mesmo contrariando certas exigências funcionalistas, caracterizassem os edifícios, dando-lhes maior leveza, situando-os como que soltos ou apenas suavemente pousados no solo” (11)

O conjunto arquitetônico do Congresso Nacional, com sua forma retangular recortada nos limites que interceptam as vias do Eixo Monumental, está no mesmo nível da Esplanada dos Ministérios. Como resultado do aproveitamento da diferença do nível natural do terreno, a fachada voltada para a praça é visível da praça.

Quando observamos o conjunto arquitetônico do Congresso Nacional de pontos mais distantes da Esplanada dos Ministérios, a percepção que se tem é que as cúpulas estão sobre um traço grácil – a cobertura do edifício dos plenários –, com o volume dos edifícios anexos em segundo plano. O conjunto comparece como uma escultura faustosa disposta no horizonte. (imagem 19)

As colunas do edifício dos Plenários, desta feita, assumem uma forma mais particular: retangulares com terminações curvas. A cobertura é um grande espaço de contemplação, tanto para a cidade, como para a praça e a paisagem. A cúpula imaginada pro Lucio Costa, na interpretação de Oscar Niemeyer, foi duplicada que, assim como os dois edifícios anexos, representando a estrutura bicameral do Poder Legislativo.

Os dois edifícios anexos são os mais verticais do conjunto arquitetônico da Praça dos Três Poderes, com uma altura aproximada de 92 metros. Passarelas ligam os dois volumes em um ponto intermediário. O grande espelho d´água imprime um belo efeito de duplicação tanto dos edifícios anexos como do edifício dos Plenários. Nas palavras de Oscar Niemeyer:

“no Palácio do Congresso, por exemplo, a composição se formulou em função desse critério, das conveniências da arquitetura e do urbanismo, dos volumes, dos espaços livres, da profundidade visual e das perspectivas e, especialmente, da intenção de lhe dar um caráter de alta monumentalidade, com a simplificação de seus elementos e a adoção de formas puras geométricas.

Daí decorreu todo o projeto do Palácio e o aproveitamento da conformação local, de maneira a criar no nível das avenidas que o ladeiam uma esplanada monumental e sobre ela fixas as cúpulas que deviam hierarquicamente caracterizá-lo”. (12)

À frente do STF, a sua esquerda, está a escultura “A justiça”, de autoria de Alfredo Ceschiatti (imagem 20). É um elemento robusto com uma altura aproximada de 3,30 metros. A forma é bastante regular. A escultura foi colocada sobre uma base em concreto, o que imprime elegância e a formalidade que o tema exigia. Mais do que um referencial da praça, o trabalho de Ceschiatti contribui para dar identidade ao STF, ao representar o símbolo principal da justiça. Sua obra é uma clara referência à estátua que representa Quéfren, no Antigo Egito.

Na direção norte do plano da praça está a escultura “Candangos”, em bronze, de Bruno Giorgi, que inicialmente tinha o nome de “Guerreiros” (imagem 21). É uma obra como uma altura de altura de aproximadamente 7 metros, caracterizada pela forma esbelta, onde se misturam linhas flexuosas e traços que se encontram em ângulos, cujos limites nos afiguram um retângulo, mimetizando assim a forma que predomina em todo conjunto arquitetônico. A obra é caracterizada ainda pela simetria dos elementos: duas figuras humanas com formas idênticas. O eixo que a divide é o mesmo eixo de uma das colunas do palácio do Planalto. É o elemento no plano da praça que tem a tonalidade mais escura. Apesar da escultura “Candangos” e o parlatório estarem posicionados em eixos diferentes, a impressão que se apreende, quando avistados de longe, é de que os dois elementos compartilham um mesmo eixo. As figuras humanas representadas na obra estão voltadas para o Palácio Planalto, o que nos leva à interpretação de que a escultura foi pensada para ser um elemento compositivo do edifício, assim como o que acontece com o STF, foi um artifício utilizado para reforçar a ligação do Palácio do Planalto com o plano da praça, compensando, nesse caso, a supressão de uma praça autônoma, em função da existência da via do Eixo Monumental.

O Museu Histórico de Brasília (imagem 22) comparece em uma posição mais ao meio do limite do plano da praça contíguo à via que liga um lado ao outro do Eixo Monumental. Ele é composto por dois volumes com uma altura de aproximadamente 7 metros. Na fachada voltada para a praça – o elemento de apoio – está o busto em bronze de Juscelino Kubitschek. O paralelepípedo alongado apoiado correspondente ao espaço do museu. O projeto para o Museu Histórico de Brasília é uma clara referência à ideia de Le Corbusier para o monumento em homenagem a Paul Vaillant.

No limite do plano da praça, próximo à base do triângulo, comparece a Casa de Chá (imagem 23). É uma construção semi-enterrada retangular que reproduz o grande retângulo do espaço aberto. A distância entre a cobertura e o piso da praça tem cerca de um metro e meio. O volume é revestido por uma pele de vidro, dando a percepção de que ela “flutua”, como se fosse uma subtração do plano da praça.

A cor branca predomina em todo o conjunto e nos remete á aquitetura portuguesa, mais precisamente, às construções da região norte de Portugal. A alvura dos elementos, por intermédio do jogo de luz e sombra contribue para reforçar a articulação das formas e proporciona o contraste entre os edifícios e a paisagem. Sobre a referência à arquitetura portuguesa nos desenhos dos palácios, Oscar Nimeyer asseverou:

“agrada-me sentir que essas formas garantiram aos palácios, por modestas que sejam, características próprias e inéditas e – o que é importante para mim – uma ligação com a velha arquitetura do Brasil colonial. Não como utilização simplista de elementos daquela época, mas exprimindo a mesma intenção plástica, o mesmo amor pela curva e pelas formas ricas e apuradas que tão bem a caracterizam”. (13)

A praça modificada 

“Nada conheço mais ao mesmo tempo falso e significativo que aquele dito de Leonardo da Vinci de que se não pode amar ou odiar uma coisa senão depois de compreendê-la”. (Fernando Pessoa)

A partir da inauguração, a Praça dos Três Poderes passou por várias intervenções. No plano aberto da praça foram construídos: o pombal (imagem 24) e um pequeno palanque, no sentido sul; o busto em homenagem ao Engenheiro Israel Pinheiro (imagem 25) – imediatamente próximo ao Museu; o marco comemorativo do tombamento do Plano-Piloto (imagem 26), no sentido norte; e o Espaço Lucio Costa (imagem 27), no sentido oeste. Na parte posterior do edifício do Supremo Tribunal Federal estão os seus dois anexos (imagem 28). Sendo que um deles encontra-se praticamente fora do triângulo. Imediatamente após a sua base, criando o que pode ser entendido como a continuidade do maior dos retângulos, relacionando-se com o triângulo, estão: o mastro da bandeira (imagem 29) e o Panteão da Pátria Tancredo Neves (imagem 30). São duas construções que se encontram fora da praça, mas que foram projetadas para compor com restante do conjunto arquitetônico. Algumas dessas intervenções acabaram por interferir de forma significativa na concepção imaginada para a morfologia deste espaço.

Bem distante da praça, embora muito presente visualmente no horizonte, está uma construção recente que merece citação: a sede da Procuradoria Geral da República (imagem 31). Sua presença interfere na visão da paisagem.

O Pombal (1961) é a primeira construção erguida após a inauguração, mais precisamente, durante o governo do presidente Jânio Quadros. É o elemento mais vertical dos que estão no grande espaço aberto – uma obra em concreto aparente, que incorpora a simetria e a forma quadrada. No topo, assim como na base, o volume termina em ângulos, formando vazios com formas triangulares, que imprimem certa leveza à obra. A construção do pombal é resultado de um pedido pessoal da primeira-dama, esposa do então, presidente Jânio Quadros, por entender que toda a praça deveria ter pombos – fato que incita uma discussão do ponto de vista ético, pois satisfaz o desejo de uma cidadã sem a investidura de um cargo público.

Ainda nesta parte da praça, entre o pombal e a Casa de Chá, está localizado um piso com uma forma retangular, que está elevado do chão 60 centímetros. É uma construção em concreto aparente caracterizada pela extrema simplicidade, cuja função é a de servir como palanque. (imagem 32)

Na década de oitenta foi construído o busto em homenagem ao Engenheiro Israel Pinheiro. É um elemento retangular de pequenas dimensões, que em nada interfere no conjunto.

Na mesma década, foi erguido o marco comemorativo ao tombamento do Plano-Piloto (1988), de autoria de Oscar Niemeyer, uma escultura que toca o chão com uma pequena área. É mais um elemento em concreto aparente, com esbelteza e pouca verticalidade, caracterizado pela irregularidade e composta de forma predominante por linhas sinuosas, assumindo uma expressão plástica bastante distinta dos outros elementos localizados na praça.

Na década de noventa mais três intervenções foram feitas. Em 1992, foi inaugurado o Espaço Lúcio Costa, construído em subsolo. Uma construção em concreto aparente, onde parte do seu contorno serve como banco. Apenas o acesso comparece: a escada.

Outra intervenção feita nesse período é o espelho d´água de formas irregulares a frente do Palácio do Planalto, construído por motivo relacionado à segurança. Sua forma bastante irregular é formada por uma continuidade de linhas em ângulo. Tomando o centro do espaço aberto, como ponto de observação, ele é um elemento imperceptível.

O segundo espelho d´água, executado em 1999, a frente da fachada principal do edifício dos plenários (imagem 33), é uma composição de quatro áreas: duas com formas retangulares e duas configuradas por linhas sinuosas – parte dele está fora do triângulo virtual. A construção desse conjunto de espelhos d´água acabou por reproduzir a ideia de Costa representada em um de seus croquis, que previa o mesmo elemento a frente do edifício dos plenários. Foi construído, assim como no caso do Palácio do Planalto, por uma questão de segurança, com a pretensão de torná-lo um obstáculo para dificultar a aproximação de manifestantes.

O anexo do STF, dentro do triângulo, executado em 1966, é composto por dois edifícios, de frente para a fachada posterior do Palácio do STF. Os dois paralelepípedos têm as fachadas revestidas por brises, cuja altura tem aproximadamente 12 metros. Em função da existência de uma massa de vegetação suficientemente densa entre eles, sua presença é pouco perceptível. Ademais, os brises metálicos utilizados têm a cor verde.

Em 1998 foi inaugurado o segundo anexo do Supremo Tribunal Federal (imagem 32). O edifício principal assume no desenho em planta baixa uma forma curva. Cerca de 3% de sua área está dentro do triângulo. Esse anexo é composto por dois volumes. Contudo, somente o de maior dimensão, pode ser visto do plano da praça.

O mastro da bandeira, projeto pelo arquiteto Sérgio Bernardes, foi erguido em 1972, durante o governo militar. O mastro e os dois edifícios anexos do Congresso Nacional compartilham o mesmo eixo. Das intervenções feitas, ele é a construção mais vertical, com uma altura de 100 metros. Em função da diferença de nível entre o piso da praça e o local onde ele foi implantado, cerca de 6 metros, a percepção é de que tomados pontos mais distantes na cidade, o mastro e as dos torres dos anexos têm a mesma a altura. O seu volume como um grande triângulo alongado, está coroado por um elemento metálico vertical, para a colocação da bandeira. A estrutura tubular metálica, que representa o número de estados da federação na época da sua construção, é disposta radialmente, proporcionando certa permeabilidade ao volume. A ausência de uma pintura para o acabamento imprime à obra uma tonalidade escura – um contraponto à alvura do conjunto arquitetônico da praça. O mastro ainda hoje é motivo de polêmica e provoca uma discussão que toca tanto o aspecto ideológico como o estético.

Na década de oitenta, foi erguido o Panteão (1986): uma composição de cinco elementos. O que se encontra mais próximo ao mastro tem uma planta retangular que mede, servindo de base a uma pira. O Panteão propriamente dito é um edifício em três níveis, com pisos de tamanhos variados. É um volume irregular de grande robustez conformado por linhas sinuosas e oblíquas. O acesso, em ponto intermediário, encontra-se no mesmo do plano da praça. Entre o Panteão e o mastro, estão três grandes paredes que em planta baixa são linhas, em parte, curvas, posicionadas em eixos e ângulos diferentes, formando uma composição dinâmica. Oscar Niemeyer assim justificou a intenção plástica para a obra:

“situado diante da Praça dos Três Poderes, num local onde estava previsto o Museu Tiradentes que vai substituir, ele deveria se integrar plasticamente nos palácios que a compõem. Daí a minha preocupação de estudá-lo dentro desse critério, imaginando-o como se da Praça o estivesse olhando ou vendo-o de longe cercado pelos palácios do Congresso, do Planalto e do Supremo [...] não queria o Panteão retangular, por exemplo, acompanhando paralelamente a Praça dos Três Poderes, nem que a contrariasse perpendicularmente [...] uma escultura que nasce e se expande para os céus de Brasília [...] o interior do Panteão é bonito, que ele se insere harmoniosamente nos palácios da Praça e que ela se enriquecerá e terá mais vida como se impõe”. (14)

O segundo anexo do STF, apesar de não ser uma construção que faz parte do triângulo, em função de sua dimensão e localização, acaba por imprimir um novo resultado de acabamento mais vívido – totalmente diferenciado do restante do conjunto arquitetônico.

Na visão em direção ao do Lago Paranoá, no sentido sudeste, comparece a sede da Procuradoria Geral da República. A percepção, em função da perspectiva, é de que um dos seus volumes e o segundo anexo do STF formam um só conjunto. Ademais os dois edifícios recebem o mesmo acabamento na fachada, o que acaba por potencializar a danosa presença dessas obras na paisagem, desrespeitando o sentido de escala pensado por Lucio Costa para cidade, relacionada à topografia.

À guisa de conclusão

Como foi demonstrado, tanto a praça imaginada como a interpretada têm filiação europeia. Lucio Costa, como no caso do eixo parisiense, utiliza a praça como um dos elementos que marcam e criam um ritmo no Eixo Monumental. Ao contrário da Praça da Concórdia, a Praça dos Três Poderes não chega a assumir o papel de um Carrefour.

O edifício anexo do Congresso Nacional, como o elemento mais vertical da Praça dos Três Poderes, é outra comprovação da filiação europeia da ideia de Lucio Costa, quando tomamos as praças de outras localidades na Europa. O volume anexo reproduz, a sua maneira, a presença das torres nas praças medievais européias como a Piazza del Campo, em Siena, com seu campanário.

Oscar Niemeyer ao contrário de Lúcio Costa cria um grande plano retangular, limitado ao uso de pedestres. A única possibilidade de acesso é a via estreita que permite o acesso ao edifício do STF e que recebe o mesmo revestimento da praça. A Praça de São Marco, em Veneza, é uma clara referência utilizada por Oscar Niemeyer. As suas palavras abaixo, registradas na obra ”Minha experiência em Brasília”, confirmam tal suposição:

“preocupava-me, fundamentalmente, que esses prédios constituíssem qualquer coisa de novo e diferente, que fugisse à rotina em que a arquitetura atual vai melancolicamente se estagnando, de modo a proporcionar aos futuros visitantes da Nova Capital uma sensação de surpresa e emoção que a engrandecesse e caracterizasse. Lembrava-me da Praça de São Marco na Itália, com o palácio dos Doges, da Catedral de Chartres, de todos esses monumentos que acabava de conhecer, obras que causam um impacto indescritível pela beleza e audácia com que foram realizadas, sem contribuírem para a emoção razões técnicas ou funcionais. É a beleza plástica apenas que atua e domina, como uma mensagem permanente de graça e poesia”. (15)

A cúpula imaginada Lucio Costa para coroar o edifício dos plenários, faz referência ao que se transformou em um importante arquétipo da arquitetura desde a antiguidade. Tomando como referência o pensamento de Plutarco que afirmou que Roma teria sido demarcada por um círculo, a cúpula de Lucio Costa pode ser interpretada, de maneira simbólica, a sua maneira, a demarcação do novo território, nesta parte do sertão.

Na idéia de Oscar Niemeyer o plano aberto, como assim imaginou Lucio Costa, assumiu o aspecto de uma “praça seca”. A forma assumida, entretanto, passou a ser a retangular. Um observador posicionado ao centro da praça tem a impressão de que o plano aberto compreende também os espaços ocupados pelos palácios do poderes Judiciário e Executivo. (imagem 34)

As esculturas e os outros elementos dispostos no plano aberto da praça acabam por assumir o papel de referenciais dentro do seu espaço, enriquecendo-o.

O projeto para edifício dos plenários é o que exprime uma maior sensibilidade em relação ao que tinha sido imaginado. A cobertura pode servir como um miradouro, de onde é possível contemplar todo o espaço conformado pelo triângulo, o horizonte e a Esplanada dos Ministérios, interpretando parte de uma das intenções esboçadas por Lucio Costa. Sobre a interpretação de Oscar Niemeyer, Lucio Costa assim se pronunciou:

“não se trata de procura arbitrária da originalidade por si mesma, ou da preocupação alvar de soluções “audaciosas” – o que seria o avesso da arte –, mas do legítimo propósito de, atingindo as possibilidades virtuais da nova técnica, com a sagrada obsessão, própria dos artistas criadores verdadeiramente criadores, de desvendar o mundo formal ainda não relevado”. (16)

Oscar Niemeyer utilizou a mesma tipologia nas sedes dos poderes Judiciário e Executivo, sem deixar de imprimir características próprias a cada um deles.

Levando-se em consideração a semelhança entre o desenho representando uma das sedes dos poderes, feito por Lúcio Costa – onde comparece a forma tendendo para a elíptica – e o projeto de Oscar Niemeyer para o Palácio do Planalto, constata-se que houve, de fato, uma inversão das posições dos edifícios dos poderes Executivo e Judiciário, de forma a preservar a segurança.

Nos volumes do Supremo Tribunal Federal e do Palácio do Planalto as colunas surgem como resultado de um belíssimo trabalhado de “subtração” da ”caixa moderna”. Utilizo mais uma vez as palavras de Lucio Costa ao referir-se à interpretação de Oscar Niemeyer:

“Oscar Niemeyer, tendo assimilado os princípios fundamentais e a técnica de planejamento formulados por Le Corbusier, foi capaz de enriquecer de maneira imprevista essa experiência adquirida. Imprimindo às formas básicas um novo e surpreendente significado, ele criou variantes e novas soluções, cuja graça e requinte eram inovadores; repentinamente, os arquitetos de todo o mundo viram-se obrigados a tomar conhecimento da obra desse brasileiro anônimo que era capaz de transformar, sem nenhum esforço aparente –como que por um passe de mágica – qualquer programa estritamente utilitário num expressão plástica de puro refinamento [....] o seu trabalho pode parecer individualista no sentido de não corresponder exatamente às condições particulares locais, ou no de não expressar fielmente o grau de cultura de uma determinada sociedade. Este é, entretanto, o tipo de individualismo que se deve considerar produtivo e fecundo, pois representa um salto à frente e revela o que a arquitetura pode significar para a sociedade do futuro”. (17)

A presença do Museu, apesar de não bloquear de forma a absoluta a visão do edifício dos plenários, de fato, dificulta, a sua integração com o restante do conjunto, quando observado em posições mais ao centro da praça. O volume do museu cria a sensação de subdivisão do espaço. O conjunto do Congresso Nacional deixa de integrar-se totalmente à praça. A “força centrípeta”, na morfologia da praça imaginada por Lucio Costa, perde a sua força. As outras intervenções posicionadas no plano da praça não chegam a causar algum prejuízo à morfologia imaginada. A maior delas, o primeiro anexo do STF, em função de sua altura comedida e a presença de uma massa de vegetação suficientemente densa a sua frente, é quase imperceptível de qualquer ponto do plano aberto da praça.

O Panteão da Pátria imprime um sentido de “fechamento” ao espaço da praça, dificultando a percepção da paisagem. A “força centrífuga” que havia na ideia original foi irremediavelmente eliminada, assim como, o aspecto simbólico: a capital por intermédio da praça, abrindo-se para o coração do país . O Panteão com sua forma “escultórica” é um contra-ponto à ortogonalidade e à clareza do ritmo estrutural comum dos principais edifícios. Ele interfere na harmonia do conjunto arquitetônico.

As grandes paredes que fazem parte do conjunto do Panteão em uma de suas fachadas laterais, apesar de criarem um limite ente este e o mastro, buscam através da intercalação entre elas, uma forma de integração entre as duas obras (imagem 35).

O mastro da bandeira desvirtua um dos conceitos mais importantes contidos na interpretação feita por Oscar Niemeyer: a existência de um eixo oriundo do espaço entre os dois edifícios anexos em direção ao horizonte, sem que houvesse qualquer forma de obstrução.

Após a redemocratização do país, quando Brasília foi governada por José Aparecido, Oscar Niemeyer recebeu o convite para fazer algumas intervenções nos palácios. Uma de suas propostas era de que o mastro da bandeira fosse retirado da praça e transferido para outro lugar da cidade o que contou com o apoio de muito, por considerarem que a obra de Sérgio Bernardes é um símbolo do período do regime militar. Entretanto, por questões técnicas, que não permitiam a desmontagem e remontagem da estrutura, somadas à pressão popular que entendia ser o mastro uma obra incorporada à imagem da cidade, a ideia foi abandonada.

As discussões sobre o mastro da bandeira são muito mais de natureza ideológica, colocando, muitas vezes, em segundo plano as opiniões sobre o grau da interferência nos aspectos plástico-espaciais da obra em seu conjunto. O posicionamento de parte da população contrário à retirada do mastro, demonstra a capacidade que a história tem de imprimir à obra de arte o redimensionamento do sua função simbólico, como resultado de sua suscetibilidade à temporalidade da percepção coletiva. O mastro, com efeito, carrega um símbolo nacional que não foi criado pelos militares.

O segundo anexo do STF, em função da sua posição contígua à base da praça e da sua altura, constitui outra agressão aos conceitos primordiais plástico-espaciais imaginados para a praça, que determinavam a baixa altura dos palácios próximos à base do triângulo, com o intuito de preservar a visão do horizonte. Em um plano mais ao fundo os dois volumes cilíndricos da sede da Procuradoria Geral da República, que desrespeitam a escala pensada para a cidade, são mais um obstáculo para a visualização da paisagem, de alguns pontos da praça.

Cabe citar uma das últimas obras de Oscar Niemeyer no Eixo Monumental: o Museu Nacional Honestino Guimarães (2006) (imagem 36). Mais uma vez a cúpula foi utilizada. Ao consideramos que o trecho que compreende a Esplanada dos Ministérios e a praça é, com efeito, um espaço único, a construção de uma terceira cúpula acabou, por assim dizer, banalizando as do edifício dos plenários. Sua primeira ideia publicada na Revista Módulo tem uma maior coerência com o contexto urbano. (imagem 37)

O deslocamento do Plano-piloto em direção ao Lago Paranoá, fez com que a Praça dos Três Poderes deixasse de ser o “segundo centro”, gerando a percepção de que ela é um “apêndice” da cidade. Sem ter se transformado na “Versalhes do povo”, como imaginara Lúcio Costa, a praça está longe de ser um espaço desprovido do uso cotidiano. Além da constante visita de turistas, ela tem sido o local de manifestações políticas e de outras naturezas. A existência do mastro da bandeira acabou por produzir uma das tradições da cidade: a cerimônia da troca da bandeira, que é realizada todos os meses.

A Praça dos Três Poderes cumpre o importante papel de principal marco do Plano-piloto, contribuindo para a legibilidade do espaço urbano. Ela atua, portanto, de forma fundamental na construção da expressividade da cidade.

A localização da Praça dos Três Poderes em um nível abaixo da Esplanada dos Ministérios, quando avistada da outra margem do lago – no sentido leste – é percebida em uma posição consideravelmente acima do nível do Lago Paranoá. A cidade parece, de fato, debruçar-se sobre a paisagem, como imaginou Lucio Costa. (imagem 38)

A Praça dos Três Poderes é a síntese da inelutável expressividade plástica que a ideia para o Plano-piloto, de Lucio Costa impunha, característica decisiva para que ela fosse escolhida como a vencedora no concurso. Quando perguntado o que representa Brasília para a arquitetura e o urbanismo, Lucio Costa respondeu: “representa uma experiência válida, um passo decisivo pra o estabelecimento de uma linguagem arquitetônica comum, como aconteceu em outras épocas” (18). A construção de Brasília agregou não apenas a capacidade do esforço coletivo de nosso povo em construir uma cidade, mas também, a vontade de formar uma nova sociedade baseada em valores sociais e éticos sólidos, direcionando o país para uma mais realidade de mais justiça social e econômica. Como declarou Lucio Costa, Brasília: “foi concebida e construída com decisão e com fé num Brasil diferente e num mundo melhor – a sua arquitetura e o seu urbanismo exprimem essa confiança – e isto, no final das contas, é o que importa” (19). (imagem 39)

notas

1
Os croquis, após o processo de digitalização, foram transformados em arquivos de extensão jpeg e exportados para o programa Autocad, onde serviram de base para os desenhos analisados. em escala. Foi utilizado ainda, como instrumento de análise, o programa Googleearth.

2
ADORNO, Theodor. Teoria estética. Lisboa, Edições 70, 2008, p. 70.

3
COSTA, Lúcio. Memorial do Plano-piloto. Rio de Janeiro, Módulo, S.d., p. 9.

4
DUARTE, Fábio. Crise das matrizes espaciais: arquitetura, cidades geopolítica, tecnocultura. São Paulo, Perspectiva, 2002, p. 76-77.

5
Apud GOROVITZ, Matheus. Brasília uma questão de escala. São Paulo, Projeto, 1985, p. 39.

6
WISNIK, Guilherme. Lúcio Costa. São Paulo, Cosac Naify, 2001, p. 28.

7
Apud GOROVITZ, Matheus. Os riscos do projeto: contribuição à análise do juízo estético na arquitetura. Entrevista concedida a Matheus Gorovitz. Brasília, Edunb, 1993, p. 93.

8
Entrevista concedida ao autor.

9
COSTA, Lúcio. Arquitetura. Organização de Maria Elisa Costa. 4ª edição. Rio de Janeiro, José Olympio, 2006, p.123-125.

10
MÓDULO. Edição especial “Oscar Niemeyer”. Rio de Janeiro, 1983.

11
NIEMEYER, Oscar. Minha experiência em Brasília. 4ª edição. Rio de Janeiro, Revan, 2006, p. 28.

12
Idem, ibidem, p. 28.

13
Idem, ibidem, p. 28.

14
MÓDULO. “Brasília, 26 anos”. Rio de Janeiro, n. 89/90, 1986.

15
NIEMEYER, Oscar. Op. cit., p. 10.

16
COSTA, Maria Elisa (org.). Com a palavra, Lúcio Costa. Textos de Lúcio Costa. Rio de Janeiro, Aeroplano, 2001, p. 37.

17
COSTA, Lúcio. Registro de uma vivência. São Paulo, Empresa das Artes, 1995, p. 196.

18
XAVIER, Alberto (org). Lúcio Costa: sôbre arquitetura. Textos de Lúcio Costa. 2ª edição coordenada por Anna Paula Canez. Porto Alegre, 2007, p. 345.

19
Idem, ibidem, p. 345.

sobre o autor

Francisco Lauande é arquiteto pela Universidade de Brasília, pós-graduado pela Universidade Metropolitana de Tóquio, Mestre em Teoria e História pela Universidade de Brasília e Professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UNIPLAN, campus de Águas Claras, Brasília DF

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