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architexts ISSN 1809-6298


abstracts

português
A aplicação do conceito vazio urbano aos territórios que se caracterizam pela ausência de construções ou pela deterioração das existentes, significa restringir por demais o olhar, desse excluindo um número expressivo de variadas arquiteturas da cidade.

english
The application of urban void concept only in the territories which are characterized by the absence and abandonment of the existing buildings, restricts too much the view, this excludes a significant number of varied architectures of de city.

español
La aplicación del concepto vacio urbano aquellos territorios que se caracterizam por el deterioro y abandono de los edifícios existentes, restringe demasiado la mirada, excluyendo um número expressivo de variadas arquitecturas de la ciudad.


how to quote

BICCA, Paulo. Arquiteturas do vazio. Arquitextos, São Paulo, ano 17, n. 201.02, Vitruvius, fev. 2017 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/17.201/6432>.

No ano de 2007, a Ordem dos Arquitetos Portugueses realizou a Primeira Trienal de Arquitetura de Lisboa, intitulada Vazios Urbanos. Para os seus organizadores, entre os motivos para a realização da mesma, destaca-se o fato de que “assistimos à deterioração do patrimônio, ao abandono dos centros históricos, ao crescimento desordenado das cidades, à degradação do território e à destruição da paisagem”. Ademais, diziam eles, “nesse período de mudança das formas de habitar e de trabalhar, da facilidade de comunicação e de mobilidade, e neste cenário de grande transformação do território e de construção demasiado rápida, propomos olhar para os vazios urbanos. Pensar no que ficou, porque ficou, o que poderá ser” (1).

Essa Primeira Trienal era igualmente apresentada como evento que ocorria “em tempo oportuno enquanto tempo de celebração, festejando a importância da arquitetura para o habitar na terra e no mundo, para a cidadania e civilidade, para quotidianos mais felizes (e mais belos) das pessoas[...] Oportuno, de igual modo, enquanto tempo de reflexão sobre as cidades, esses lugares impares e extraordinários[...]que são, cada vez mais, o principal – senão mesmo o último – destino da aventura humana” (2).

Sublinhe-se que os vazios urbanos não foram vistos então apenas como problemas, mas também como áreas que reúnem grandes potenciais a serem explorados, em ações visando requalificar a arquitetura da cidade. Nesse sentido, o arquiteto José Mateus, Curador Geral da Trienal, destacava: “na cidade contemporânea um dos maiores recursos para a sua reavaliação reside nos lugares degradados, ‘obsoletos’, ou marginais, que encontramos disseminados desde o tecido urbano consolidado às periferias. Formam uma verdadeira rede de hipóteses que, quando avaliadas em conjunto, podem produzir um profundo impulso reformador da cidade. Vazios Urbanos, Brownfields, Terrain Vague ou Espaços Banais são designações comuns para estes lugares que deveriam estar presentes, de forma consciente e concertada, nos planos estratégicos da cidade” (3). E às suas afirmações, acrescenta as do arquiteto espanhol Ignasi de Solá-Morales, também concernentes a esse tipo de espaços urbanos: “uma área sem limites claros, sem uso atual, vaga, de difícil compreensão na percepção coletiva dos cidadãos, constituindo normalmente um rompimento no tecido urbano. Mas é também uma área disponível, cheia de expectativas, de forte memória urbana, com potencial original: o espaço do possível, do futuro” (4).

E se entendermos a cidade como um texto, diz o arquiteto Mateus, “os vazios urbanos são vocábulos em falta ou que, temporariamente, parecem desajustados do texto global. Nesse sentido, estes vazios não devem ser avaliados isoladamente, pois é com a sua clarificação que o texto global, a cidade, ganha consistência, uma nova dimensão” (5). Ademais, diz ele “a memória desses locais, por vezes de grande importância no imaginário coletivo, leva-nos a encarar os vazios urbanos muito para além de uma visão meramente pragmática. O seu valor não decorre apenas da sua disponibilidade como território para a transformação física ou infraestrutural, ou da sua localização estratégica na cidade” (6).

Mas se a cidade pode ser vista como um texto, e os vazios urbanos como vocábulos que nele estariam faltando, é preciso igualmente reconhecer que não é qualquer vocábulo que completará o texto, dando-lhe sentido; não é qualquer vocábulo que clarificará o texto global. Para tanto não basta a simples transformação física de uma área desocupada, por meio da localização de um ou mais prédios, pois um certo tipo de vazio urbano não desapareceria como decorrência tão somente da construção de edifícios num espaço antes vago. Aliás, com grande frequência e num número crescente de casos, o resultado de certas intervenções na arquitetura da cidade são vazios urbanos de outra natureza do que aqueles que encontramos nos terrenos ou áreas vagas. E eles igualmente não reconstituem o tecido ou o texto urbano, antes pelo contrário; e, pior ainda, trata-se então de vazios muito mais difíceis de serem eliminados. Aliás, a cidade de Lisboa, infelizmente, é pródiga em casos como esses; e entre eles, por exemplo, estão partes significativas da arquitetura urbana da Expo e do conjunto chamado Torres do Restelo. E se é verdade, conforme sublinha Francisco de Gracia, que hoje temos certeza de que nem as grandes diretrizes do planejamento urbano, nem sequer a correta disposição dos traçados viários, são garantias suficientes da qualidade urbana, e que esta será dada, em última instância, pela arquitetura da cidade” (7), é preciso igualmente ter consciência de que não será qualquer arquitetura que cumprirá esse papel.

Torres do Restelo, Lisboa
Foto Paulo Bicca

E dada a inegável relevância do tema, vale a pena debruçar-se sobre ele, começando por destacar que na narrativa da referida trienal observa-se uma significativa lacuna. Refiro-me ao fato de que nesse evento não foram tratados esses vazios decorrentes não da ausência, mas sim da presença de certas arquiteturas urbanas. Como aquelas, por exemplo, protagonizadas pelo movimento modernista, e que ainda hoje, em vários dos seus principais aspectos, proliferam em muitas cidades por meio de obras contemporâneas.

Mas se o modernismo arquitetônico teve papel importante na história dos vazios urbanos, essa, entretanto, não começa com ele. Trata-se de uma história bastante mais antiga, remontando ao Renascimento e às suas cidades ideais, das quais, aliás, o modernismo urbanístico é um herdeiro. Nesse sentido, recorde-se que Françoise Choay, argumentando que na arquitetura urbana toda a parte não construída não é um elemento menos significante, destaca igualmente as diferenças entre os conceitos espaço e lugar, observando: “somente quando o sistema construído deixa de ser para o indivíduo um referente, é que se produz a passagem do lugar ao espaço. A cidade clássica, a partir do renascimento italiano, pode ser considerada como uma primeira etapa nessa transformação. Sua organização é contaminada por aquela do espaço pictórico, ela corresponde a uma análise do olhar. Em se estetizando, tornando-se espetáculo, a cidade começa [...]a ser vivida numa relação de distância” (8). Discurso que se vê reforçado por aquele de Pedro Azara: “As imagens renascentistas de cidades ideais mostram ruas retilíneas vazias, planas, praças imensas e desertas pelas quais ninguém passou, monumentos da antiguidade dedicados aos mortos (arcos do triunfo, obeliscos e estátuas póstumas) e casas com os postigos fechados sob um sol inclementemente luminoso. Nada existe, salvo o corpo mineral dos monumentos em meio a um vazio gélido. Por elas não passa uma alma. Só passa um anjo que suspende o tempo” (9). Aliás, com já advertiu Jean Baudrillard, “não nos esqueçamos que a Cittá Ideale é uma cidade deserta” (10). O que não é de causar espanto, pois segundo o imaginário associado a essa Cittá, ela significa aquilo que é ideal, no sentido de superior ou o melhor que se pode conceber. Ela seria a expressão da perfeição, palavra corrente e intrínseca ao vocabulário da ideologia do classicismo. E, salvo engano, foi o poeta português Fernando Pessoa quem disse: “se tudo o que é humano é imperfeito, tudo o que é perfeito é anti-humano“. Dai resulta, então como condição necessária, a cidade deserta, tanto quanto possível sem a presença das pessoas, sem a presença da vida.

Cidade ideal, pintura atribuída Piero della Francesca (1420–1492) ou Francesco di Giorgio (1439–1501), têmpera sobre painel, c.1470
Imagem divulgação [Galleria Nazionale delle Marche, Urbino]

Cidade ideal, Fra Carnevale, óleo e têmpera sobre painel, c.1480-1484
Imagem divulgação

Recorde-se igualmente que, entre tantos outros, Giulio Carlo Argan, ao tratar da criação da urbanística enquanto disciplina durante o Renascimento, destaca que as consequências disso foram imediatas e importantes: “torna-se possível imaginar e projetar uma cidade inteira, como forma unitária [...] os tratados de arquitetura dos séculos 15 e 16 estão repletos de cidades ideais, ou seja, cidades projetadas ex novo, segundo critérios puramente racionais e geométricos” (11). E às consequências apontadas por Argan, some-se aquelas destacadas por Bruno Zevi: “Quando nas histórias tradicionais da arquitetura passa-se do gótico europeu ao quattrocento florentino, até mesmo o estilo literário sofre uma transformação radical traumatizante: a prosa inspirada e sensível torna-se um discurso compassado, rebuscado, seguidamente estereotipado. Enquanto caminha-se livremente na idade média, e mesmo com os calçados embarrados, a renascença exige que se avance em terno de gala – em todo o caso sobre as pontas dos pés. Nós entramos num mundo de ‘ideias’, de ‘pontos de vista’, de ‘pontos de fuga’, de objetos e relações fixas entre objetos, no império abstrato da ‘medida’, do espaço euclidiano, da perspectiva, da proporção, da cidade ‘ideal’, enfim do jardim ‘à italiana’- isto é, contra natura, com árvores reduzidas a cubos. É o humanismo como superestrutura, radicalmente oposto ao humano” (12).

Espaço euclidiano, abstrato e lógico, oposto ao espaço sensível, fisiológico e antropológico. E como já destacou Ernst Cassirer, “é bem conhecido que o espaço da percepção, o espaço tátil e visual longe de coincidir com o espaço das matemáticas puras, é separado desse último por uma divergência geral. Não se pode ler as determinações desse último naquelas do primeiro, nem mesmo lhes deduzir pelo pensamento: é necessário sobretudo alterar radicalmente a maneira de ver e eliminar o que aparece imediatamente dado na intuição sensível para chegar ao “espaço lógico” das matemáticas puras. Uma comparação entre o espaço “fisiológico” e o espaço “métrico” sobre o qual a geometria euclidiano fundamenta as suas construções põe em evidência essas relações de oposição” (13).

Michelangelo, Campidoglio, Roma [Wikimedia Commons]

E se a relação de distância à qual se refere Choay, iniciou com o Renascimento, isto não seu deu então por acaso. Ela fez parte das transformações práticas e mentais então ocorridas na sociedade europeia, a partir da Itália. Transformações às quais estava associada a nascente figura do arquiteto, distinto e oposto ao mestre-de-obras medieval. E o arquiteto, já disse São Tomas de Aquino, é aquele que concebe a forma do edifício sem no entanto ele próprio manipular a matéria. A sua relação com a coisa arquitetura, dá-se de forma não direta, não de maneira sensível, mas sim à distância, por meio do projeto ou desenho; razão pela qual Giorgio Vasari, ao se referir ao tipo de atividade ou trabalho realizados pelo arquiteto, os coloca entre as por ele chamadas arti del disegno. E recorde-se que a perspectiva, tal como hoje a conhecemos, foi igualmente uma invenção renascentista, devida a Brunelleschi, o decano dos arquitetos. E o espaço “construído” pela perspectiva não é concebido como o entorno imediato do corpo sólido; entre ambos estabelece-se uma relação de distancia. Na perspectiva o espaço é tido como uma extensão abstrata, dentro da qual as figuras são colocadas conforme ditam as regras desse espaço. Razão pela qual esse existe antes que o corpo nele colocado, e, por isso, deve ser antes rigorosamente – leia-se, matematicamente – desenhado. É isso que está presente nas imagens que, elaboradas segundo as regras da perspectiva, representam as cidades ideais renascentistas. E a transformação do Campidoglio de Roma, resultante do projeto de Michelangelo, é igualmente um bom exemplo das inovações introduzidas na arquitetura da cidade pelo Renascimento. Mudança que produziram uma nova relação entre o espaço e a matéria, inimaginável na arquitetura da cidade medieval. Vide as praças de San Gimignano, por exemplo.

Praça em San Gimignano, Itália
Foto Paulo Bicca

Aliás, quando comparamos as imagens das cidades renascentistas, com aquelas das cidades medievais, produzidas durantes o século XVIII e XIX pelos gravuristas do romantismo medievalista, as diferenças se revelam marcantes. Nas primeiras, o representado são cidades não existentes, compostas, como já frisou Azar, somente por sólidos arquitetônicos rodeados de espaços vazios, com a ausência total de pessoas e atividades humanas. Nas segundas, ao contrário, o representado são as cidades reais e a exaltação do espaço público enquanto lugar antropológico; espaço complexo, arquitetônica e socialmente, ocupado densamente pela presença da vida. É o que se observa, por exemplo, nas gravuras de Adrien Dauzats, constantes dos vários volumes das Voyages Pittoresques et Romantiques dans l'Ancienne France du baron Taylor.

Capa de um dos volumes das Voyages Pittoresques du Baron Taiylor
Gravura de Adrien Dauzat

Aproximando-se no tempo, e no que concerne às críticas às cidades ideais de Le Corbusier e dos demais modernistas, já em parte presentes nos últimos CIAMS, mas que se aprofundam e ganham corpo sobretudo a partir dos anos sessenta, muitas começam a construir uma linha em boa parte posteriormente adotada por diversos historiadores e críticos, entre eles os autores do livro Formas Urbanas. Para esses, o projeto da Ville Radieuse deve ser visto como uma proposta contra a cidade. A Ville Radieuse é um mito, dizem eles. E assim como as cidades ideais do renascimento europeu expressavam o repúdio às cidades da idade média, que consideravam desordenadas, a cidade radiante expressa o repúdio à cidade. Por isso, sublinham, a cidade radiante não tem nome nem lugar – ela não existe, é um esquema. [Ela representa] [...] o ponto culminante do processo de desintegração do tecido urbano (14). Mas não apenas a cidade radiante e todos os demais projetos urbanos de Le Corbusier propunham essa desintegração, pois bem antes deles outros projetos modernistas já encarnavam esse desígnio. A começar pela Cidade Industrial de Tony Garnier, na qual a dissolução da quadra e a eliminação da rua corredor comparecem como algumas das suas principais e então inovadoras características. E não se pode esquecer a futurista cidade-usina – uma exceção, é verdade –, concebida por Antonio Sant`Elia como uma gigantesca “máquina de morar”, na qual a presença humana está totalmente eliminada dos espaços vazios externos aos edifícios aos quais a “cidade” foi então reduzida.

Antonio Sant’Elia, Projeto da Cidade Futurista (Cittá Nuova ), 1912 [Wikimedia Commons]

Tem razão Francisco de Gracia ao afirmar que “as propostas urbanas introduzidas pela modernidade nunca pareciam referir-se à cidade concreta sobre a qual interviam. Pareciam dedicadas “a busca de modelos ideais para oferecer uma contrapartida à cidade real. Um ilustrativo exemplo disso é o projeto para um bairro comercial em Paris apresentado por Cornelis van Eesteren e George Pineau em 1926; uma proposta fundamentalmente abstrata, estabelecida em um espaço euclidiano que não informa sobre lugar algum da capital francesa” (15). E Juhani Pallasmaa, tratando das relações entre a arquitetura e os sentidos, sublinha que “o paradigma visual é a condição prevalente no planejamento urbano, das cidades ideais da Renascença aos princípios funcionalistas do zoneamento e planejamento que refletem a ‘higiene do ótico’. Em particular, a cidade contemporânea é cada vez mais a cidade dos olhos, desvinculada do corpo pelo movimento motorizado rápido ou pela efêmera imagem que temos de um avião. Os processos de planejamento têm favorecido a idealização e a descorporificação dada pelos olhos cartesianos que controlam e isolam; os planos urbanísticos são visões extremamente idealizadas e esquematizadas vistas por meio do le regar surplombant (a vista de cima), como definiu Jean Starobinski, ou pelo ‘olho da mente’ de Platão” (16).

Cornelis van Eesteren e George Pineau, Bairro comercial em Paris, 1926 [Wikimedia Commons]

Recorde-se que Ludovico Quaroni, na epígrafe de seu livro intitulado Torre de Babel, afirma: “o arquiteto tende, por sua própria natureza, e por deformação profissional, ao controle total da cidade, com se fosse um único edifício” (17). Afirmações que se comprovam plenamente quando olhamos os projetos das cidades modernistas. Mas esse grave equívoco – é o mínimo que se pode dizer a respeito – não se restringe ao dito por Quaroni, pois o tratamento idêntico dado à arquitetura do edifício e à arquitetura da cidade, pelos arquitetos modernistas, teve também outras consequências nefastas. Sobre isso, mesmo aparentemente afastando-se do foco desse artigo, recorde-se que esses arquitetos condenaram o ecletismo como uma das mais desprezíveis características das arquiteturas acadêmicas e historicistas. Ponto de vista com o qual, por várias razões, pode-se estar de acordo, desde que se entenda por ecletismo a prevalência da reunião indiscriminada em um mesmo edifício de elementos de vários estilos de distintas épocas e/ou lugares; pois se estaria então professando um historicismo anti-histórico. O que não significa, entretanto, excluir, por princípio, o uso de elementos ou soluções arquitetônicas de uma ou várias arquiteturas do passado submetidos à uma releitura ou a um aggiornamento. Trata-se, nesse caso, de uma consciente e saudável – mesmo indispensável – apropriação do enorme acervo constituinte da variada cultura arquitetônica já produzida. Dispensá-lo, julgá-lo irrelevante e desnecessário, seria dar provas de uma pretensiosa autossuficiência ou de um desmesurado narcisismo.

Mas se ausência do ecletismo estilístico – tal como foi descrito – é admissível em uma edificação, enquanto objeto possível de ser projetado e construído integral e sincronicamente, o mesmo não pode ser aceito em relação à arquitetura da cidade real, a não ser às custas da sua total negação pela pretendida cidade ideal, projetada sempre como um único e grande edifício. Mas a arquitetura da cidade real será sempre, inevitável e felizmente, eclética. Enquanto cidade histórica, constituída diacronicamente, ele será formada por edificações e lugares de épocas distintas, e que não estão apenas fisicamente próximos uns dos outro, mas sim conformando, metaforicamente, um complexo canto coral polifônico. Uma “cidade colagem”, para usarmos as expressões de Colin Rowe e Fred Koetter. E mesmo cidades cartesianas como Brasília, tornar-se-ão eclética com o passar do tempo; a não ser que esse seja dela eliminado, eliminando-se assim a própria história. O que, de fato, felizmente jamais será possível. Muito embora esse fosse um dos principais desígnios do urbanismo modernista, conforme corretamente sublinha Richard Sennett : “O ritmo da criação e a negação na obra de Le Corbusier é muito significativo [...], precisamente por aquilo que se propõe e que é o mesmo objetivo de muitos outros que também se sentiram motivados por um idêntico desejo de liberdade. Le Corbusier esperava poder erigir uma nova consciência do tempo, um novo sentido do agora. É preciso lutar contra o peso morto do passado, e derrotá-lo, como uma pessoa jovem que têm que se sobrepor à presença de um pai autoritário. [...] Harold Bloom, crítico e teórico da literatura, descreve esse sentido do tempo como resultado da ‘angústia das influências’. No urbanismo, o resultado dessa angústia em torno do passado e do presente, tal como fica representado nas primeiras obras de Le Corbusier, apoia-se na destruição das diferenças que foram se acumulando no espaço com o único propósito de afirmar essas diferenças no tempo. É precisamente nesse ponto, creio eu, que se deve contestar Le Corbusier: nessa visão forçosamente destrutiva do tempo no espaço” (18).

Aparentemente, essas questões concernentes ao ecletismo na arquitetura da cidade, não teriam significativas relações com o objeto desse artigo. Porém, não é isso o que se constata, quando se relaciona a presença da história na cidade com o seu maior ou menor grau de urbanidade. Considere-se para tanto, a guisa de exemplo, aquilo que já foi destacado pelo arquiteto e professor Carlos Garcia Vasques, no seu livro intitulado Antípolis (19). O título, por si só, diz muito; e trata-se de uma obra na qual ele faz um relato sobre as cidades localizadas no chamado Cinturão do Sol, na região sul dos Estados Unidos, relativamente próximas à fronteira com o México. Cidades entre as quais estão Dallas, Los Angeles, Houston, Atlanta, Miami, todas elas expressões de um estilo de vida marcado pelo conservadorismo político e pelo ultraliberalismo econômico, expressando igualmente o que seria o futuro das cidades norte americanas. E ao falar sobre elas, Vasques se refere ao que chama de “desvanecimiento de lo urbano”, isto é, ao que ocorre nessas cidades ou anticidades, como decorrência da ausência da permanência, da não diversidade e negação da memória.

E recorde-se que Jane Jacobs inicia a introdução do seu livro Morte e vida de grandes cidades – publicado pela primeira vez no Estados Unidos, em 1961 – com as seguintes afirmações: “esse livro é um ataque aos fundamentos do planejamento urbano e da reurbanização ora vigentes. É também, e principalmente, uma tentativa de introduzir novos princípios no planejamento urbano e na reurbanização, diferentes daqueles que hoje são ensinados em todos os lugares, de escolas de arquitetura e urbanismo a suplementos dominicais e revistas femininas, e até mesmo conflitantes em relação a eles. Meu ataque não se baseia em tergiversações sobre métodos de reurbanização ou minúcias sobre modismos em projetos. Mais que isso, é uma ofensiva contra os princípios e os objetivos que moldaram o planejamento urbano e a reurbanização modernos e ortodoxos” (20).

E mesmo não se utilizando da expressão ecletismo, como uma positiva e até mesmo indispensável característica da boa arquitetura urbana, Jane Jacobs sublinha, como parte da sua crítica e dos novos princípios que defende, a importância que tem, para uma cidade viva, a presença nela de arquiteturas de épocas e estilos distintos, enfatizando também como saudável a mudança de usos que neles acontecem com o passar do tempo. Discorrendo sobre o que ela chama de “condições para a diversidade urbana”, entre essas destaca “a necessidade de prédios antigos”: “As cidades precisam tanto de prédios antigos, que talvez seja impossível obter ruas e distritos vivos sem eles. Ao falar em prédios antigos refiro-me não aos edifícios que sejam peças de museu, nem aos prédios antigos que passaram por reformas excelentes e dispendiosas – embora esses sejam ótimos ingredientes –, mas a uma boa porção de prédios antigos simples, comuns, de baixo valor, incluindo alguns prédios antigos deteriorados” (21). Ademais, diz Jacobs, “uma das coisas mais admiráveis e agradáveis que podem ser vistas ao longo das calçadas das grandes cidades são as engenhosas adaptações de velhos espaços para novos usos [...] São desse tipo as pequenas transformações que estão sempre ocorrendo nos distritos em que há vitalidade e que atendem as necessidades humanas” (22). O oposto, diz ela, ao que ocorre “quando um conjunto de construções de várias épocas é substituído pelo rigor mortis econômico dos prédios de uma mesma época, com sua ineficiência natural” (23).

E Gordon Cullem, ao falar sobre a paisagem urbana – título do seu livro – destaca, como variáveis importantes da sua arquitetura, a cor, a escala, o estilo, o caráter, a personalidade e a unicidade. Ademais, diz ele, posto “que a maioria das cidades são de fundação remota, sua forma de estar construídas evidencia a presença de distintos períodos arquitetônicos, assim como também a intervenção, em sua edificação, de diferentes equipes de construtores. Em muitos casos, essa mescla de estilos, materiais e proporções, constitui o seu principal encanto. Porém existe no fundo de nossas mentes a sensação de que poderíamos fazer desparecer ditas misturas e voltar a fazer de novo, mais adequado e perfeito. Nos agradaria criar um novo cenário, com ruas e avenidas de traçado linear e edifícios similares todos eles em altura e estilo. Dê-se a qualquer um de nós carta branca e o que faremos será...criar simetria, equilíbrio, perfeição, concordância e conformismo. Em realidade, esse é o conceito popular do que deve ser uma cidade planificada” (24).

Todavia, não se esgotam nas questões concernentes ao ecletismo, os “equívocos” modernistas relativos à maneira como os seus arquitetos tornam idênticas a arquitetura da edificação e a arquitetura da cidade. Recorde-se, por exemplo, que um dos princípios basilares da arquitetura neoplasticista do De Stjil, encontra-se na dissolução do prisma e na valorização dos planos e linhas soltos no espaço; resultando daí a substituição do fechamento pela espacialidade, isto é, a substituição dos espaços compartimentados, bem configurados, pelos espaços fluidos, não delimitados e sem configuração precisa. Lembre-se igualmente que a planta livre está entre os famosos cinco pontos defendidos por Le Corbusier. E não se pode esquecer que significativas arquiteturas de Mies van der Rohe, seja a do seu pavilhão de Barcelona, seja a de suas residências, tais como a Farnsworth, são todas constituídas por planos materiais que quase nunca se tocam, deixando o espaço fluir indefinidamente, inclusive no que tange à relação interior e exterior. Algo de natureza muito semelhante encontra-se na arquitetura da cidade modernista, pois nesta a relação entre espaço e matéria obedece os mesmos pressupostos preconizados então para as arquiteturas dos edifícios. Como exemplo veja-se as cidades projetadas por Ludwig Hilberseimer, não por acaso o urbanista da Bauhaus, tendo nela ingressado no período em que, após a saída de Gropius, Mies tornou-se o seu diretor. Mas, a bem da verdade, é preciso não ignorar que, numa atitude digna e rara, Hilberseimer, nos últimos anos da sua vida, fez uma significativa autocrítica concernente as suas propostas urbanas: “no seu conjunto, disse ele, esse projeto da cidade das torres era um erro de princípio. O resultado parecia muito mais uma necrópole do que uma metrópole, era uma paisagem de asfalto e de cimento completamente estéril, sob todos os aspectos humanos” (25). Destaque-se que Hilberseimer refere-se a “um erro de principio”, a algo essencial ao tipo de projeto que propunha, transcendente, portanto, às especificidades de cada uma de suas possíveis versões.

Ludwig Hilberseimer, projeto da Cidade Vertical, 1927 [Wikimedia Commons]

E se observarmos a planta de uma edificação pré-moderna, criticada por Le Corbusier quando propugnava a sua substituição pela planta livre, comparando-a com as críticas que ele fez às plantas das cidades de Paris, Nova York e Buenos Aires, tornam-se explícitas algumas importantes semelhanças entre aquela e essas. Na primeira, os espaços dos cômodos, bem delimitados e configurados pela materialidade das paredes, são interconectados pelos espaços do corredores. Algo muito parecido ocorre nas plantas das três cidades escolhidas por Le Corbusier como exemplos da cidade tradicional. Ao invés dos cômodos temos as quadras, com suas formas e limites bem definidos pela materialidade das edificações que configuram igualmente os espaços internos às quadras, nitidamente separados dos espaços externos às mesmas. Construções que constituem as paredes das chamadas, por Le Corbusier, e não por acaso, ruas-corredor, pelas quais as quadras se interconectam. Segundo ele, a negação da planta da edificação tradicional deve ser acompanhada pela eliminação da planta da cidade tradicional, aplicando-se à arquitetura da cidade os mesmos princípios aplicáveis à arquitetura dos edifícios. E para tanto, nos seus projetos de cidades, Le Corbusier recorre aos volumes ou plano soltos, separados entre si por imensos espaços literalmente vazios. Veja-se, como exemplo, o seu projeto para Meaux (1957); ou as suas absurdas propostas constantes do L´Urbanisme des Trois Établissements Humains (1959), em boa parte antes apresentadas no livro La Maison des Hommes, escrito em 1942, durante o governo colaboracionista do Marechal Philippe Pétain, em parceria com o engenheiro François de Pierrefeu, seu companheiro político de organizações fascistas francesas, conforme fartamente comprovado por Xavier de Jarcy, no seu livro Le Corbusier um Fascime Français (26).

Le Corbusier, projeto para a cidade de Meaux, 1954 [Wikimedia Commons]

E se as cidades projetadas por Le Corbusier, à exceção de Chandigarh, tivessem sido construídas, constituir-se-iam de imensos vazios urbanos nos quais, a exemplo das cidades ideais renascentistas, não se veria viva alma, mas, no caso, somente veículos circulando em alta velocidade, sem nenhum “empecilho” decorrente da presença humana. É o que teria ocorrido, por exemplo, se, às custas da total destruição do seu centro histórico, a cidade de Bogotá tivesse levado a termo o plano que ele fez para ela. Mas os projetos urbanos que Le Corbusier não conseguiu realizar, em parte foram feitos por seus discípulos. Tome-se como exemplo disso o que ocorreu na Esplanada de Santo Antônio, área central da cidade do Rio de Janeiro, para a qual Affonso Eduardo Reidy projetou um Centro Cívico (1948), provavelmente inspirado no projeto Saint-Dié (1945) de Le Corbusier. O projeto de Reidy não foi realizado, é verdade, mas o que lá hoje se encontra, com a nova catedral, com os prédios de grandes empresas estatais e as vias expressas, obedece, no essencial, aos mesmos princípios urbanísticos.

Le Corbusier, projeto para o Centro Cívico da Cidade de Bogotá, 1947 [Wikimedia Commons]

Le Corbusier, projeto de Saint-Dié, 1945 [Wikimedia Commons]

Affonso Eduardo Reidy, projeto do Centro Cívico da Cidade do Rio de Janeiro, 1948 [NPD FAU UFRJ]

É admissível, e por vezes recomendável, tratar uma edificação como um volume isolado, em destaque, adquirindo proeminência diante dos demais, dado o papel que desempenha na estrutura da arquitetura da cidade. Mas pensar essa arquitetura, no seu conjunto, como “o jogo sábio, correto e magnífico dos volumes reunidos sob a luz”, é, no mínimo, cometer um grave erro de principio, que destrói o tecido urbano e elimina os lugares verdadeiramente públicos, isto é, lugares passíveis de apropriação pelas pessoas, de maneira integral, numa relação que não é apenas visual. Com as edificações soltas e distantes uma das outras, cria-se então uma nefasta inversão na relação figura-fundo. As construções ai comparecem como verdadeiras mônadas arquitetônicas auto suficientes, uma não tendo relações articuladas com as outras, pois estão separadas entre si, via de regra, por enormes espaço residuais, indiferentes a qualquer escala e a qualquer uso verdadeiramente humanos. É o que se observa, por exemplo, no Plan Voisin de Le Corbusier, segundo o qual, após a destruição do existente na região de Paris para a qual era proposto, apenas 5% da superfície do solo seria ocupado com as suas torres cruciformes, de 200 à 250 metros de altura, destinadas aos escritórios do centro de negócios reservado às grandes empresas multinacionais. Enquanto que os 95% restantes eram oferecidos integralmente à circulação de veículos. As mesmas torres que antes já haviam comparecido de maneira semelhante no seu projeto da Cidade Contemporânea, e que, depois, voltarão a aparecer na sua proposta para Buenos Aires, no caso localizadas numa imensa ilha artificial de concreto a ser construída sobre o Prata.

Le Corbusier, Plan Voisin para Paris, 1925 [Wikimedia Commons]

Le Corbusier, croqui do projeto para Buenos Aires, 1929 [Wikimedia Commons]

Ademais, da cidade não devem estar excluídos, por princípio, os espaços verdes de média e grande dimensões. Mas daí a transformar a cidade em um imenso parque no qual as edificações estariam simplesmente colocadas, vai uma enorme e essencial diferença. Aliás, sobre isso recorde-se o que observou Jane Jacobs ao criticar a Ville Radieuse imaginada por Le Corbusier nos anos 20, uma “cidade” constituída de arranha-céus distantes entre si, e literalmente soltos numa imensa aérea verde, dando livre curso à circulação de automóveis. E na sua crítica, Jacobs cita o próprio Le Corbusier: “Imagine que estamos entrando na cidade pelo Grande Parque. Nosso carro veloz toma a rodovia elevada especial entre os majestosos arranha-céus; ao chegar mais perto, vemos contra o céu a sucessão de vinte e quatro arranha-céus; à esquerda e à direita, no centro de cada área específica, ficam os edifícios municipais e administrativos; e circundando esse espaço, os prédios universitários e os museus. A cidade inteira é um parque” (27). E recorde-se que Lucio Costa conclui o seu famoso Relatório do Plano Piloto de Brasília, com a seguinte afirmação: “Brasília, capital aérea e rodoviária, cidade parque”.

Por outro lado, as cidades comportam e por vezes até mesmo exigem espaços com expressivas dimensões; mas assim como os parques e a chamada arquitetura objeto – aquela dos prédios isolados – eles deveriam ser a exceção, não a regra. Paris, por exemplo, é pródiga em grandes arquiteturas urbanas com essas características, tais como as Esplanadas dos Inválidos e da Escola Militar. E a Piazza Navona, em Roma; a Praça Mauá no Rio de Janeiro – hoje redesenhada –; a Praça da Alfândega, em Porto Alegre; a Avenida Nove de Julho, em Buenos Aires, são todos eventos urbanos significativos. Mas são eventos, isto é, acontecem eventualmente. São fatos excepcionais que, como tal, não se repetem sucessivamente. E o que seria dessas cidades se cada uma delas fosse constituída pelo somatório dos seus espaços excepcionais? O que significaria sair de uma Piazza Navona e penetrar em uma outra igual, que por sua vez nos conduziria a uma terceira, e assim sequencialmente. E mesmo que na arquitetura urbana de Le Corbusier admitíssemos alguém caminhando, nela não encontramos, por mínimo que seja, as qualidades e características arquitetônicas de uma Piaza Navona. Aliás, na estrutura da arquitetura das cidades modernistas torna-se impossível imaginar um percurso ou uma visão serial, tal como eles comparecem nos estudos de Gordon Cullen (28). Estes pressupõem estruturas espaciais de natureza oposta àquela; pressupõem, antes de mais nada, a existência de lugares diferenciados, caminháveis, que se relacionam sequencialmente numa estrutura arquitetônica que não descura da escala humana, antes pelo contrário.

Aliás, sobre isso recorde-se o que o designer gráfico Joaquim Fonseca e o escritor Luiz Fernando Veríssimo disseram sobre Nova York, em discursos mais prosaicos, sem pretensões teóricas, mas nem por isso menos profundos, e que no essencial valem para todas as cidades: “Nova York, diz Joaquim, é ideal para ser vista caminhando. Acredito que esta é a melhor maneira de se conhecer uma cidade: a pé, compartilhando de seus ruídos, sentindo os seus cheiros, vendo de perto as suas luzes, tocando as suas cores, convivendo com seus nativos”. “O espetáculo mais barato, e talvez o melhor de Nova York, diz Veríssimo, é a própria cidade e os seus habitantes [...] E está claro que só caminhar pelas ruas, olhando caras, vitrines e fachadas é um divertimento fascinante” (29).

Mas, infelizmente, conforme já sublinhou Jan Gehl , “por décadas, a dimensão humana tem sido um tópico do planejamento urbano esquecido e tratado a esmo, enquanto várias outras questões ganham mais força, com a acomodação do vertiginoso aumento do tráfego de automóveis. Além disso, as ideologias dominantes do planejamento – em especial o modernismo – deram baixa prioridade ao espaço público, às áreas de pedestres e ao papel do espaço urbano como local de encontro dos moradores da cidade. Por fim, gradativamente, as forças do mercado e as tendências arquitetônicas afins mudaram seu foco, saindo das inter-relações e espaços comuns da cidade para edifícios individuais, os quais, durante o processo, tornaram-se cada vez mais isolados, autossuficientes e indiferentes” (30). E, certamente, são situações como essas que autorizam Francisco de Gracia a fazer a seguinte afirmação: “hoje vemos que qualquer gênero de cidade moderna formulada no século passado, em certos casos com a etiqueta de funcionalista, careceu de atributos suficientes como para oferecer verdadeiros lugares cívicos alternativos ao da cidade histórica” (31). E em contraponto a atitude modernista – que se encontra igualmente em projetos pós-modernos – ele nos convida “a resgatar o conceito germânico städtebau ( construção da cidade ), por meio de projetos urbanos que se apoiem na criação de espaços públicos positivos, distintos “do chamado espaço livre urbano próprio da cidade avalizada pela modernidade. Esse é um espaço intersticial obtido como consequência da pura presença física dos edifícios; isto é, um espaço negativo que com frequência alcança a condição de residual” (32).

E as alternativas à arquitetura da cidade modernista não estão, por exemplo, em projetos como La Defense, nos arredores de Paris, ou naqueles feitos em cidades como Dubai. Nem tampouco no do Fórum de Barcelona. Nesse, conforme sublinha Josep Maria Montaner, o que prevalece “é um urbanismo fragmentado, configurado por objetos urbanos isolados sem nenhuma relação entre si e, muito menos, com o entorno. Neles se destaca mais a assinatura do arquiteto do que a relação dos edifícios com a cidade” (33). Alternativas que também não serão encontradas nessas arquiteturas midiáticas da sociedade do espetáculo que, parafraseando Zevi, podem ter vários predicados, menos urbanidade. Aliás, conforme destaca Pallasmaa, “a predileção pelos olhos nunca foi tão evidente na arte da arquitetura como nos últimos 30 anos, nos quais tem predominado um tipo de obra que busca imagens visuais surpreendentes e memoráveis. Em vez de uma experiência plástica e espacial embasada na existência humana, a arquitetura tem adotado a estratégia psicológica da publicidade e da persuasão instantânea; as edificações se tornaram produtos visuais desconectados [...]. David Harvey relaciona ‘a perda da temporalidade e o desejo de impacto instantâneo’ na expressão contemporânea à perda da profundidade existencial. Frederic Jameson usa a noção de ‘superficialidade planejada’ para descrever a condição cultural contemporânea e ‘sua fixação nas aparências, nas superfícies e nos impactos instantâneos que não têm poder de retenção ao longo do tempo’“ (34). E sobre essa arquitetura midiática, parte intrínseca do imaginário espetacular, representada, entre outras, pelas obras de Frank Gehry, Zaha Hadid, Peter Eisenman , Rem Koolhaas, recomendo a indispensável leitura do livro de Pedro Fiori Arantes, sugestivamente intitulado Arquitetura na era digital-financeira

E se Paul Valéry (35), há quase um século, observou que existem edifícios que são mudos, outros apenas falam, e alguns, os mais raros, cantam, a isso é preciso acrescentar que a arquitetura da cidade deve ser vista, sobretudo, com um canto coral, no qual os valores decorrem do conjunto e não de cada uma das vozes isoladamente. Como defendia Ernesto Nathan Roger, a dimensão da atividade arquitetônica deve “transcender cada vez mais o objeto arquitetônico isolado, porque sua voz deve se refletir sobre o coro urbanístico e deste recolher, necessariamente, o eco” (36). Porém, em um número cada vez maior de projetos, estes pressupostos foram totalmente ignorados, em favor de uma arquitetura narcísica, reforçando a falaciosa ideia de que “o que aparece é bom, o que é bom aparece” (37). E todo o narciso, já disse Caetano Veloso, “acha feio o que não é espelho”. Aliás, na teoria psicanalítica freudiana, os atos narcísicos não aceitam a alteridade, não reconhecem qualidade positivas no que é outro, no que não é a sua imagem e semelhança. E seguramente o narcisismo encontra-se melhor acolhido nessas arquiteturas do star system, conforme expressões antes empregadas por Paolo Portoghesi (38) ao referir-se aos expoentes da arquitetura modernista, e que hoje se aplicam igualmente – e ainda mais – às obras das vedetes de uma dada arquitetura pós-moderna. Uma arquitetura de grife, totalmente compatível e indispensável à uma sociedade na qual artigos com grifes são hoje cultuados e consumidos internacionalmente, associados à prestigio e status social. E diante disso, torna-se ainda mais imperioso reafirmar que somente projetos urbanos de outra natureza poderão produzir obras que, retomando as expressões de Roger, “mereçam o nome de arquitetura, que não é nem escultura nem máquina”.

Ademais, vive-se hoje, e não apenas no Brasil, a síndrome dos condomínios; síndrome que não se restringe aos residenciais, mas que abarca também aqueles constituídos por edifícios de órgãos governamentais ou empresariais. Verdadeiros guetos contemporâneos. E todos eles têm em comum a ruptura com o espaço público; a negação ou o não relacionamento com a rua. São arquiteturas urbanas – ou antiurbanas – que se fundamentam na segregação. Como se se recusassem a integrar a cidade. Com se nessa estivessem apenas fisicamente; e a contra gosto. E por isso, com muita frequência e de maneira crescente, são cercados por grades ou muros. São testemunhos explícitos de um certo tipo de apartheid sócio-espacial. É o que acontece, por exemplo, na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro; decorrente também, precisa ser dito, do projeto original elaborado por Lucio Costa, constituído por um conjunto de torres dispersas, dispostas aleatoriamente e rodeadas de espaços verdes vazios, numa arquitetura urbana completamente desestruturada. Como sublinha Richard Sennett, “os arquitetos que concebem os arranha-céus e outros edifícios do gênero, estão entre os profissionais que são obrigados de trabalhar a partir das concepções modernas da vida pública; eles exprimem e revelam esses códigos a outras pessoas“ (39). E ao que já tinha sido feito na Barra da Tijuca, soma-se agora mais um atentado à urbanidade. Refiro-me, no caso, à Vila dos Atletas Olímpicos que, após as Olimpíadas, se transformará em mais um condomínio, com sua medíocre arquitetura urbana, constituída por torres de edifícios rodeadas de vias para automóveis. Há gosto para tudo.

Condomínio na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro
Foto Paulo Bicca

Sublinhe-se que os condomínios residenciais no Brasil têm merecido a atenção de vários estudiosos de distintas áreas. O psicanalista Christian Dunker (40), por exemplo, no seu livro Mal estar, sofrimento e sintoma : uma psicopatologia do Brasil entre muros, publicou recentemente um importante estudo a respeito, no qual reforça a ideia de que essa forma de morar significa, do ponto de vista sócio-espacial, “a expropriação do território que funda o condomínio como espaço apartado do espaço público”. E, no caso, o muro é o símbolo da suposta unidade que nele teria sido reencontrada; “como se ele instituísse uma nova comunidade, que recusa e substitui a anterior [...] composta em contraste com a anomia que é deixada em seu exterior”. O mesmo é destacado por Tereza Caldeira, no seu livro sugestivamente intitulado Cidade de muros (41), particularmente na sua Parte III, nomeada Segregação, enclaves fortificados e espaço público, onde aborda o que considera um novo padrão de segregação. Como tantos outros já o fizeram, ela reafirma: “a segregação – tanto social quanto espacial – é uma característica importante das cidades. As regras que organizam o espaço urbano são basicamente padrões de diferenciação social e separação. Essas regras variam cultural e historicamente, revelam os princípios que estruturam a vida pública e indicam como os grupos sociais se inter-relacionam no espaço da cidade [...] Sobrepostas ao padrão centro-periferia, as transformações recentes estão gerando espaços nos quais os diferentes grupos sociais estão muitas vezes próximos, mas estão separados por muros e tecnologias de segurança, e tendem a não circular ou interagir em áreas comuns. O principal instrumento desse novo padrão de segregação espacial é o que chamo de ‘enclaves fortificados’. Trata-se de espaços privatizados, fechados e monitorados para residência, consumo, lazer e trabalho...“ (42).

Diante disso, observa-se então, no mínimo, dois paradoxos, estranhos como todos os demais. O primeiro revela-se quando observamos que esse microcosmo existente sob a forma de “enclave fortificado”, forma laica e contemporânea de habitar e organizar o espaço, reproduz, de maneira inconsciente, ancestrais imaginários religiosos, nos quais o território é divido em dois espaços distintos e opostos: o espaço sagrado e o espaço profano. No imaginário religioso, diz Mircea Eliade, “o espaço considerado sagrado [...] tem como consequência destacar um território do meio que o circunda, tornando-o assim qualitativamente diferente [...] Trata-se da construção, ao mesmo tempo material e imaginária, de um território habitado, ordenado, distinto de um outro, desconhecido e indeterminado. O primeiro significa o mundo, o cosmos; o segundo é uma espécie de espaço estrangeiro, caótico. De um lado o espaço sagrado, de outro o espaço profano” (43). E para que essa separação ocorra, material e simbolicamente, faz-se então necessária a construção do muro, tal como comparece nos rituais de fundação das cidades antigas, conforme, entre outros, nos mostram Fustel de Coulanges (44) e Joseph Rykwert (45). O segundo paradoxo é aquele já há muito apontado por Guy Debord, e que se torna ainda mais evidente na época que estamos vivendo, aquela da chamada globalização: “Essa sociedade que suprime a distância geográfica, recolhe interiormente a distância enquanto separação espetacular” (46).

Recorde-se que Fustel de Coulanges, na sua obra La Cité Antique, sublinha que que cité e ville não eram palavras sinônimos entre os antigos. A cité era a associação religiosa e política das famílias e das tribos; a ville o lugar de reunião, o domicílio e, sobretudo, o santuário dessa associação. Mas, destaque-se, nem todos os moradores da ville eram membros da cité. As mulheres, os escravos, os artesãos estavam excluídos dessa associação, reservada, no caso romano, ao patriciado ou clássicus, os únicos considerados cidadãos, ou seja, pertencentes à cité; cidadãos distintos e opostos à plebe. E também eram marcadamente distintos os lugares ocupados na ville, por essas duas grandes categorias sociais. Em termo habitacionais, por exemplo, a aristocracia habitava o domus e a plebe a insulae. E um Inventário feito na cidade Roma, entre os anos 312 e 315 DC, “registra 1790 domi, ou casas grandes unifamiliares, e 46.602 insulae, ou blocos de casas constituídos basicamente por grandes casas de aluguel cujos moradores se abrigavam em condições infra-humanas” (47).

Mas as muralhas que nascem com a cidade antiga, e em muitos casos perduram até o século 19, eram o resultado da crença – ou verdade – de que o principal inimigo estava do lado de fora da ville. Essas muralhas, como se sabe, foram derrubadas ou perderam totalmente o seu significado original; e a cidade deixou de ser cercada. Mas recentemente os muros renascem, agora como realidades internas a própria ville, separando social e materialmente elementos que estão no seu interior. Como se o inimigo estivesse dentro da ville, e não mais fora dela. Dessa maneira, a milenar segregação sócio-espacial não desparece, mas sim vê-se acrescida e reforçada por novos elementos. E some-se a isso uma nova e relevante situação: em uma mesma área da cidade nas quais vários condomínios foram construídos, observa-se que, mesmo sendo habitados por grupos sociais semelhantes, a separação entre eles é notória. É como se também entre os iguais o convívio fosse nocivo ou, no mínimo, dispensável. Não se constitui mais uma relação de vizinhança, como aquela que se encontrava nos bairros tradicionais. Realidade contemporânea que nos remete aquilo que, já no século 19, afirmava Alex Tocqueville: “Cada pessoa, mergulhada em si mesma, comporta-se como se fosse estranha ao destino de todas as demais. Seus filhos e seus amigos constituem para ela a totalidade da espécie humana. Em suas transações com seus concidadãos, pode misturar-se a eles, sem no entanto vê-los; toca-os, mas não os sente; existe apenas em si mesma e para si mesma. E se, nessas condições, um certo sentido de família ainda permanecer em sua mente, já não lhe resta sentido de sociedade” (48).

Os condomínios expressam, de forma cabal, mesmo que por vezes de maneira não consciente por aqueles que neles habitam, o comportamento individualista e egoísta tão presente em nossa sociedade, tal como retratado em um cartum mostrando várias homens, todos iguais entre si, em pleno mar, destruindo o navio em que se encontram, para, cada um deles, construir o seu pequeno e exclusivo barco, todos iguais em forma e tamanho. Com os condomínios não é diferente. Eles resultam da falsa crença de que a alternativa aos problemas da cidade real está em destruir ou negar a cidade de todos, em favor das micro “cidades” de poucos. E o que se pode deduzir dessas nefastas circunstâncias, é que a exacerbação da privacidade nos priva da cidade.

Cartum [Incrível-Club]

Tudo se passa como se o contato e o compartilhamento devesse ser evitado, sobretudo com os estrangeiros, isto é, com aqueles que vivem fuora muri. E como decorrência cria-se o enorme ermo que caracteriza o entorno de cada um desses enclaves fortificados; desoladores desertos, vinte e quatro horas por dia, durante o ano todo. As vias circundantes – que recebem o nome de vias porque deixaram de ser ruas – não são pensadas para acolherem atividades, tais como pequenos comércios; nem tampouco para que pessoas que por elas naturalmente caminhem e nelas se encontrem. São concebidas tão somente para que os carros circulem, então por áreas despovoadas, embora com muitos edifícios. Por isso, não se está mais construindo uma uma cidade amuralhada, mas sim, e retomando as expressões de Tereza Caldeira, uma cidade de muros, sem urbanidade e, portanto, com todos os vazios urbanos dai decorrentes; contribuindo, de forma significativa, com o aumento da insegurança. E se aplicássemos às áreas nas quais estão localizados esses enclaves, os mesmo termos empregados pelos organizadores da Trienal de Lisboa, poderíamos afirmar, com toda a ênfase, que elas também se caracterizam enquanto espaços banais que produzem um rompimento no tecido urbano.

Estamos, portanto, diante de uma arquitetura da cidade que, no que tange às questões aqui tratadas, tem com um dos seus fundamentos a ojeriza à mistura, ao diferente. E os que a promovem, buscam, num número expressivo de casos, legitimá-la apoiados no medo em relação à cidade real. Aliás, medo inculcado há décadas pelos discursos dos modernistas que não encontram nenhuma virtude, por menor que seja, na cidade tradicional. Essa, invariavelmente, era então apresentada como um organismo doente, como caótica, desumana e perigosa; como algo que precisava ser inteiramente negado, seja pela sua destruição física, seja dela afastando-se. Não esqueçamos que no seu texto intitulado O espírito da arquitetura contemporânea, escrito em 1930, Theo van Doesbourg referia-se “à catástrofe ameaçadora [que] se produz pela antiga forma de nossas cidades” (49). E para superar essa suposta ameaça, a arquitetura da cidade modernista sempre se apoiou na ideia da exclusão, ao invés da integração – o zoneamento rígido não é outra coisa do que o resultado desse princípio. Os seus arquitetos sempre defenderam a ideia do exclusivo, do único, no lugar do inclusivo que aceita e assume a diversidade. Reafirmavam sempre, mesmo que por vezes de forma não explícita, o primado do isso ou aquilo sobre o primado do isso e aquilo.

E os “enclaves” são porções da cidade que se enquadram integralmente na categoria dos territórios “puros” e excludentes. Exclusão, frise-se, já presente também nas superquadras de Brasília. A única diferença – importante é verdade – é que essas não estão cercadas por muros de alvenaria ou cercas metálicas. Mas a ideia de cercamento, de isolamento, de afastamento, de separação, obtida, no caso, pela massa da vegetação que as circundam, estavam na gênesis de um território que, conforme o projeto, não deveria se misturar com o restante da cidade. Um território formatado geometricamente, com medidas e contornos bem definidos. Pressupostos que estão na base do próprio conceito superquadra, essencialmente distinto do conceito quadra das cidades tradicionais, conforme se pode facilmente deduzir do que diz Maria Elisa Costa : “cada superquadra é delimitada por um cinturão verde arborizado com 20m de largura, tendo apenas uma entrada para veículos [...] a presença da faixa verde envoltória criou um ambiente aconchegado para o dia a dia dos moradores. A superquadra é uma espécie de ‘pátio interno’, cercado por arvoredo em lugar de muros ou paredes” (50). E Edgar Graeff, ao referir-se às singularidades da superquadras, sublinha que elas garantem “maior isolamento e tranquilidade para as habitações. A faixa contínua de parque arborizado filtra os ruídos e a poeira, protegendo as superquadras” (51). Portanto, as superquadras, segundo a concepção das mesmas, criam um ambiente aconchegante, isolam, dão tranquilidade, protegem. Ou seja: nelas encontram-se os mesmos predicados e as principais “virtudes” constitutivas dos condomínios residenciais. E o croqui da superquadra feito por Lucio Costa, parte integrante do Relatório do Plano Piloto, é muito expressivo no que tange ao cercamento da mesma, reforçando a ideia da sua separação daquilo que lhe é exterior, garantindo a pretendida intimidade aos seus moradores. O que faz lembrar Richard Sennett: “A visão ‘íntima’ do mundo se acresce na proporção em que o domínio público é abandonado e deixado vago. No nível o mais físico, o meio ambiente leva as pessoas a pensar que o domínio público é desprovido de sentido. E isso na própria organização do espaço da cidade” (52).

Croqui da Superquadra de Brasília, elaborado por Lucio Costa e constante do Relatório do Plano Piloto [Arquivo Público do Distrito Federal]

Quanto aos “enclaves” constituídos por prédios governamentais, no caso da cidade de Porto Alegre, um dos seus mais significativos exemplos é aquele formado pelas edificações que abrigam órgãos da administração federal, e que, não por acaso, situam-se na primeira região dessa cidade que, do ponto de vista urbanístico, pode e deve ser chamada de modernista. Trata-se de um conjunto de prédios soltos no espaço, sem nenhuma conexão arquitetônica entre si, rodeados por áreas vazias, na maior parte destinadas a estacionamentos de automóveis; todo o conjunto separado do espaço público por uma cerca que envolve integralmente o enorme quarteirão onde se situa. E no que concerne aos “enclaves” destinados às atividades comerciais e serviços, e tomando-se igualmente como exemplos casos de Porto Alegre, destaque-se aqueles, cada vez mais recorrentes, constituídos por grandes shoppings centers associados à torres de serviços. Shoppings voltados integralmente para o seu interior, evitando toda e qualquer relação positiva com o lugar onde se encontram. E aos shoppings somam-se os prédios de escritórios, igualmente distantes e afastados do espaço extramuros, seja pelas inóspitas áreas ocupadas pelos estacionamentos de automóveis, seja pela cerca que os circundam.

Centro Administrativo Federal, Porto Alegre
Foto Paulo Bicca

O que se constata, portanto, é que de forma crescente e de maneiras as mais diversas, proliferam arquiteturas da cidade geradoras de expressivos vazios urbanos, com todas as suas nefastas consequências. Motivo pelo qual deve-se fazer coro com Saskia Sassen, quando ela afirma: Os espaços públicos continuam a ser uma característica fundamental das cidades. Sem eles, o terreno apenas denso e altamente construído não é uma cidade. Podemos ver isso quando há uma vasta faixa de edifícios residenciais ou comerciais altos – esses espaços não são cidades, são apenas um terreno densamente construído. E isso acontece mais e mais, é uma tendência que ajuda a desurbanizar as cidades...” (53).

E se diante de um cenário que os organizadores da Primeira Trienal de Arquitetura de Lisboa identificam como de grande transformação do território, deve-se então, com decorrência, olhar com muita ênfase para os vazios urbanos, faz-se entretanto necessário alargar esse olhar, incluindo no seu campo de visão aqueles tipos de vazios que essa trienal, apesar dos seu inegáveis méritos, lamentavelmente não incluiu, ignorou. E se estamos em tempo de celebração, festejando a importância da arquitetura para o habitar na terra, para a cidadania, a civilidade e quotidianos mais felizes, é preciso repetir, insistindo, que nem toda a arquitetura produzirá esses desejáveis resultados. Não se pode transformar a arquitetura num fetiche, dando-lhe predicados sempre veneráveis e positivos, e que lhes seriam naturalmente intrínsecos, quando de fato muitas vezes ela não os têm.

Torres de serviços, associadas ao Barra Shopping, Porto Alegre
Foto Paulo Bicca

notas

1
GOMES, Leonor Cintra. A primeira Trienal de Arquitectura de Lisboa. In Vazios urbanos. Catálogo. Lisboa, Trienal de Arquitetura De Lisboa, 2007, p.12.

2
RODEIA, João Belo. Em tempo oportuno. In Vazios urbanos (op. cit.), p.16.

3
MATEUS, José. Spreebogen 33-91-07. In Vazios urbanos (op. cit.), p. 13.

4
Idem, ibidem, p. 13.

5
Idem, ibidem, p. 13.

6
Idem, ibidem, p. 14.

7
GRACIA, Francisco de. Pensar / componer / construir. San Sebastian, Nerea, 2012, p. 208.

8
CHOAY, Françoise. Semiologia et Urbanisme. Le Sens de la Ville. Paris, Éditions du Seuil, 1972, p. 19.

9
AZARA, Pedro. Castillos en el aire: mito y arquitectura en Occidente. Barcelona, Gustavo Gili, 2005, p. 140.

10
BAUDRILLARD, Jean. Conjuntos artificiais – a Biosfera 2 ou: da conjuração do mal à gestão dos dejetos. Homem, cidade, natureza. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1994, p. 37.

11
ARGAN, Giulio Carlo. Clássico anticlássico. São Paulo, Companhia das Letras, 1999, p. 57.

12
ZEVI, Bruno. Brunelleschi Anti-classique e Anti-renaissance. Filippo Brunelleschi 13337-1446. Paris, Centre d´Etudes et des Recherches Architecturales, s/d, p. 12.

13
CASSIRER, Ernst. La philosophie des formes symboliques 2. La pensée mythique. Paris, Les Éditions de Minuit, 1972, p. 109.

14
PANERAI, Philippe; CASTEX, Jean; DEPAULE, Jean-Charles. Formas urbanas – a dissolução da quadra. Porto Alegre, Bookman, 2009.

15
GRACIA, Francisco de. Op. cit., p. 203.

16
PALLASMAA, Juhani. Os olhos da pele. Porto Alegre, Bookman, 2011, p. 28.

17
QUARONI, Ludovico. La Torre de Babel. Barcelona, Gustavo Gili, 1970, p. 1.

18
SENNETT, Richard. La conciencia del ojo. Barcelona, Versal, 1991, p. 212.

19
VÁZQUEZ, Carlos Garcia. Antípolis. Barcelona, Gustavo Gili, 2011.

20
JACOBS, Jane. Morte e vida de grandes cidades. São Paulo, Martins Fontes, 2014, p. 1.

21
Idem, ibidem, p. 207.

22
Idem, ibidem, p. 215.

23
Idem, ibidem, p. 216.

24
CULLEN, Gordon. El paisaje urbano, Barcelona, Editorial Blume,1974, p.11

25
HILBERSEIMER, Ludwig. Entfaltung einer Planungsidee, Berlim, 1963, p. 22. Apud LAMPUGNANI, Vittorio Magnano. Ludwig Hilberseimer, naissance d`un architecte. La ville, arte et architecture enEurope, 1870-1993. Paris, Éditions du Centre Pompidou, 1994, p. 304.

26
JARCY, Xavier de. Le Corbusier um fascisme français. Paris, Albin Michel, 2015.

27
JACOBS, Jane. Op. cit., p.21.

28
CULLEN, Gordon. El Paisaje Urbano, Barcelona, Editorial Blume, 1974.

29
Essas duas citações foram retiradas de: FONSECA, Joaquim; VERÍSSIMO, Luiz Fernando. Traçando New York. Porto Alegre, Artes e Ofícios, 1993.

30
GEHL, Jan. Cidade para pessoas. São Paulo, Perspectiva, 2013, p. 3.

31
GRACIA, Francisco de. Op. cit., p. 207.

32
Idem, ibidem, p. 208.

33
MONTANER, Josep Maria. Os modelos Barcelona: da acupuntura à prótese. Arquitectura Viva n. 84, Madri, 2002. Apud COSTA, Marcos O. Forum de Bracelona 2004. O mais belo deserto jamais construído.

34
PALLASMAA, Juhani. Op. cit., p.29

35
VALÉRY, Paul. Eupalinos o el arquitecto, Murcia, Galeria-Libreria Yerba, 1982.

36
ROGERS, Ernesto Nathan. Necessitá dell`imagine. Casabella-Continuitá, n. 282, 1963. Apud REUS, Eugenia Lópes. Ernesto Rogers y la arquitectura de la Continuitá. Navarra, Eunsa, 2002, p. 73.

37
Cf. DEBORD, Guy. Op. cit., p. 12.

38
PORTOGHESI, Paolo. Depois da arquitetura moderna. São Paulo, Martins Fontes, 1998.

39
SENNETT, Richard. La menace du tribalisme. Penser la Ville. Bruxelles, AAM Editions, 1989, p. 280.

40
DUNKER, Christian. Mal-estar, sofrimento e sintoma. São Paulo, Boitempo, 2015.

41
CALDEIRA, Tereza. Cidade de muros. São Paulo, Editora 34, 2000.

42
Idem, ibidem.

43
ELIADE, Mircea. Le sacré et le profane. Paris, Gallimard, 1965.

44
COULANGES, Fustel de. La cité antique. Paris, Librarie Hachette.

45
RYKWERT, Joseph. A ideia de cidade. São Paulo, Perspectiva, 2006.

46
DEBORD, Guy. Op. cit., p. 161.

47
BRAUNFELDS, Wolfgang. Urbanismo occidental. Madri, Alianza, 1983, p. 279.

48.TOCQUEVILLE, Alex. Apud Sennett, Richard. O declínio do homem público. Rio de Janeiro, Record, 2014.

49
DOESBOURG, Theo van. Espíritu de la arquitectura contemporânea, in La Arquitectura del siglo Xx-Textos, Madrid, Alberto Editor, 1974, p.145.

50
COSTA, Maria Elisa. A superquadra em número e texto. In XAVIER, Alberto; KATINSKI, Julio (org.). Brasília, antologia crítica. São Paulo, Cosac Naify, 2012, p. 249 e 251.

51
GRAEFF, Edgard. Unidade de vizinhança. In XAVIER, Alberto; KATINSKI, Julio. Op. cit., p. 244.

52
SENNETT, Richard. Op. cit., p. 280.

53
SASSEN, Sakia. Entrevista. Zero Hora, Porto Alegre, 2015.

sobre o autor

Paulo Bicca é arquiteto (UFRGS, 1968). Professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UnB (1971-1996). Professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da PUCRS (2001-2015). Doutor em Urbanisation e Amenagement (Université des Sciences Sociales, Grenoble, França, 1979). Pós-Doutorado (École d`Architecture de Grenoble, 1989-1990).

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São Paulo Railway 150 anos

Patrimônio industrial ferroviário ameaçado

Cecília Rodrigues dos Santos, Claudia Lage and Gustavo Secco

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