A construção de edificações em madeira apresenta-se como uma alternativa habitacional viável no Brasil segundo vários autores que pesquisam sobre o assunto, em abordagens das mais diversas (1), havendo no entanto no país uma série de preconceitos acerca das casas em madeira, em maior ou menor grau e em diferentes partes do Brasil, como também em Santa Catarina.
Dentre estes preconceitos, podem-se destacar: “casa de madeira são casas antigas”, “casa de madeira é casa simples, de pobre”, “casa de madeira pega fogo fácil”, “casa de madeira não é durável”, “casa de madeira é cara”, “a casa de madeira é quente”, “na casa de madeira se ouve tudo”(falta isolamento acústico).
Na região Sul do Brasil, a utilização de habitações em madeira está incorporada à arquitetura de inúmeras populações urbanas e rurais, principalmente no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina. A utilização de habitações em madeira em Santa Catarina é originária ao período da colonização do estado pelos imigrantes europeus alemães, italianos, eslavos, entre outros, a partir de meados do século 19 e início do século 20, principalmente no Vale do Itajaí, Planalto Serrano (Sul e Norte), Meio-Oeste e Oeste catarinense, existindo ainda hoje no estado uma forte economia baseada na madeira. Também no litoral catarinense, de colonização açoriana, identifica-se a tipologia de casas em madeira em grande escala, sobretudo para atendimento as populações de baixa renda.
A utilização da madeira no período da colonização deveu-se à grande disponibilidade de matéria-prima de boa qualidade, que proporcionou ciclos econômicos resultantes da extração e beneficiamento da madeira que ainda hoje apresentam fortes reflexos na economia do estado, desde o reflorestamento, extração, beneficiamento e industrialização da madeira.
Economia com base florestal em Santa Catarina
A economia do setor florestal (que inclui a indústria madeireira) em Santa Catarina é muito forte, apresentando os seguintes números (2):
- 4º estado em área de florestas plantadas, com 646 mil hectares;
- 2º estado em área plantada de pinus, com 540 mil hectares;
- 4º produtor de toras, com 13% da produção brasileira de toras;
- 3º exportador de papéis com 10% da exportação brasileira;
- 2º exportador de madeira serrada com 38%;
- 2º exportador brasileiro de compensados com 27%;
- 4º exportador de painéis reconstituídos;
- 1° exportador de móveis de madeira brasileira;
- O maior exportador de portas de madeira com 75% da exportação brasileira;
- O maior exportador de móveis de madeira, com 37% e o 3º maior produtor nacional com mais de 1800 fábricas;
- São 5 mil empresas de base florestal, das quais 47% são indústrias madeireiras e 38% são indústria de móveis;
Sobre o uso da madeira nas habitações em Santa Catarina e no sul do Brasil, pode-se observar no quadro 1 adiante os números apresentados (3):
Nos três (3) estados do Sul do Brasil (PR,SC e RS), o percentual de domicílios de madeira supera em muito a média nacional de 9,10%, com os valores de 28,20 % em Santa Catarina.
Sobre uso da madeira em habitações no Brasil, dos 100 municípios com maior percentual de domicílios em madeira, a maior parte está na região norte da Brasil (79 municípios), pela grande disponibilidade deste material e baixo custo.
No entanto, 10 municípios estão localizadas em Santa Catarina (inclusive o primeiro), 5 no Paraná e 2 no Rio Grande do Sul.
Em Santa Catarina, nas regiões do Planalto Serrano Meio-Oeste, Planalto Norte e Oeste, com forte tradição madeireira até os dias atuais, temos os municípios com os maiores percentuais, como visto adiante no quadro 2:
Já dados do Censo Demográfico do IBGE, de 2010 (4), indicam que 26,64% dos domicílios particulares permanentes em Santa Catarina possuem como tipo de material das paredes externas a madeira aparelhada. Para o RS o percentual é de 21,50 e para o PR é de 22,61.
Adiante no quadro 3 é apresentado o percentual de domicílios de madeira para as 3 capitais de estados no Sul e demais cidades do RS e PR:
No entanto, já há algumas décadas os sistemas construtivos em madeira para edificações (paredes, pisos, forros) vêm perdendo espaço para os sistemas de construção em alvenaria (de diversos tipos) e de lajes pré-moldadas, e em algumas tipologias arquitetônicas, como no caso de edifícios para uso industrial, comercial, educacional, de lazer, institucional, praticamente desapareceu ou a madeira é utilizada em pequena escala, não mais sendo o material predominante nos fechamentos verticais e horizontais, como era anteriormente.
Dentre os motivos para esta “perda de espaço” estão os preconceitos antes citados, além do custo da madeira, a falta de mão de obra capacitada para trabalhar com madeira, a falta de prática de arquitetos e engenheiros para elaborar projetos que utilizem madeira, as restrições das legislações urbanas, código de obras e normas de prevenção de incêndio quando se tratam de obras em madeira.
A utilização da madeira como sistema construtivo no contexto atual no Brasil, precisa garantir no mínimo 3 questões básicas de exigência por parte dos moradores: segurança contra o fogo, durabilidade, adequação ao clima. O não atendimento a uma ou mais destas exigências básicas, limita sobremaneira a ampliação do mercado habitacional da arquitetura em madeira.
Atualmente, as principais tipologias de casas de madeira em Santa Catarina podem ser classificadas da seguinte forma:
1. Pequenas casas de madeira para a população de baixa renda, com piso de madeira, paredes simples de tábuas verticais mata-juntadas e cobertura de forro de madeira e telhas cerâmicas e/ou de fibrocimento, construídas em áreas rurais e urbanas das cidades, com origens desde o processo de colonização do interior do estado;
2. Casas de madeira para a população de renda média-baixa, construídas com piso em assoalho de madeira e paredes simples de tábuas verticais mata-juntadas ou duplas de tábuas horizontais com encaixe do tipo macho e fêmea, ambas com cobertura de forro de madeira e telha cerâmica, com origens desde o processo de colonização do interior do estado;
3. Casas pré-fabricadas de madeira para população de renda média-baixa, construídas com piso cerâmico ou assoalho de madeira e parede simples de tábuas horizontais com encaixe do tipo macho e fêmea, com cobertura de forro de madeira e telha cerâmica tipo francesa ou de fibrocimento;
4. Casas pré-fabricadas de madeira para população de renda média, construídas com piso cerâmico, paredes simples ou paredes duplas de tábuas horizontais com encaixe do tipo macho e fêmea e cobertura de forro de madeira e telha cerâmica (romana, australiana, entre outras), muitas vezes com isolamento térmico, edificadas em 1 ou 2 pavimentos, como casas de praia ou de campo.
Atualmente, além da habitação em madeira ser uma alternativa efetiva para a habitação de baixa renda, com tradição histórica no estado, existe apoio oficial por parte da Companhia de Habitação do Estado de Santa Catarina – Cohab-SC (5), com financiamento e fornecimento de projetos e memorial construtivo, como forma de incentivo a esta modalidade construtiva. A Cohab-SC fornece o projeto de habitação popular para download, com áreas respectivas de 36,43 m², 42,34 m², 49,80 m² e 54,23 m².
No entanto, para a madeira continuar a ser um material de construção utilizado em grande escala e para se inserir dentro das tecnologias modernas, existe a necessidade de incorporação de tecnologia, como no caso do uso da madeira laminada colada, tanto para uso em estruturas como para uso em painéis de fachadas e de lajes entrepisos e de cobertura.
Adiante é apresentado um conjunto de imagens do patrimônio histórico-arquitetônico da arquitetura em madeira em Santa Catarina, em diferentes tipologias edilícias, além da residencial unifamiliar de casas. Boa parte deste patrimônio já desapareceu (demolido ou desmontado) ou está em processo de substituição por edificações novas, “modernas”, com sistemas construtivos “melhores”, atuais.
O trabalho de Anderson Claro (6), documentou parte deste patrimônio, com um rico e variado registro fotográfico das edificações em madeira em Santa Catarina, como adiante apresentado.
Patrimônio histórico-arquitetônico: amostra em processo de desaparecimento
No Distrito de Marcílio Dias, município de Canoinhas (Planalto Norte), existe um conjunto de edificações em madeira de notável qualidade e singularidade, em parte preservado pela ausência de pressão imobiliária sobre o local. As fotos anteriores mostrando o Bar e Salão Deca, a Estação Ferroviária, a Casa na Rua da Estação e a Casa em Marcílio Dias ilustram esta situação.
Uso da madeira em outros estilos arquitetônicos
As próprias casas em enxaimel (ícones da arquitetura de colonização alemã em Santa Catarina), possuem significativo uso da madeira em toda a sua estrutura de sustentação das paredes, como visto na imagem abaixo:
Panorama atual da tipologia habitacional da arquitetura em madeira em Santa Catarina
Conclusões
O patrimônio histórico-arquitetônico em madeira em Santa Catarina ainda é pouco conhecido, divulgado e pouco protegido. Na lista de edificações, conjuntos e núcleos tombadas em nível federal pelo Iphan em Santa Catarina, poucas são de edificações em madeira, apenas quatro (4) (igrejas, casas, casa comercial) localizadas em 2 municípios (Itaiópolis – Alto Paraguaçu; Vargem), de um total de sessenta e seis (66). Em nível de tombamento estadual, das duzentas e setenta e sete (277) edificações, conjuntos e núcleos existentes, somente seis (6) são construídas em madeira, sendo que 4 delas em cidades com tradição e economia madeireira até hoje. No entanto, com uso intenso da madeira, temos em Santa Catarina a arquitetura enxaimel, com trinta e seis (36) tombamentos em nível estadual.
Dos dez (10) municípios de Santa Catarina com maior percentual de domicílios de madeira (ver Quadro 2 da página 3), somente um (1), Videira, em nono (9º) lugar da lista, possui uma edificação em madeira tombada em nível estadual, identificando que a preocupação quanto a preservação do patrimônio histórico-arquitetônico não se voltou ainda para esta tipologia arquitetônica-construtiva.
Devido as características próprias da madeira, que requer constante manutenção, grande parte das edificações antigas de maior porte em madeira foram abandonadas (visando degradação final) ou já demolidas, num processo de “modernização” das formas de viver e morar, mais intenso no estado a partir da década de 1970.
Deste modo, nas áreas centrais de muitas cidades pólos de Santa Catarina, os antigos conjuntos de edificações em madeira existentes para diferentes uso foi sendo substituído passo a passo, e muitas vezes, praticamente não existem mais.
No entanto, para boa parte da população catarinense, morar em casas de madeira continuou a ser uma constante, pela base econômica madeireira existente em muitas regiões do estado e pelo menor custo de aquisição, fator este decisivo para as populações de baixa renda. Para esta população, mesmo nas casas em madeira, ao longo do tempo, foram introduzidas modificações, com uso de banheiros, lavanderias em alvenaria de blocos ou de tijolos cerâmicos rebocados, assim como pisos sobre base em concreto ao invés dos antigos assoalhos sobre barrotes acima do chão.
Em treze municípios pólos de Santa Catarina, existe um percentual de domicílios de madeira acima de 20%, localizadas nas regiões do Planalto Serrano, Meio-Oeste, Planalto Norte, Oeste e Litoral Sul, as quatro (4) primeiras de tradição e economia madeireira até os dias atuais. Em termos gerais no Estado de Santa Catarina, 28,2% das habitações são construídas em madeira, revelando a importância do uso deste material na construção civil.
Ao mesmo tempo, para uma outra faixa de renda mais elevada, existe um mercado de comercialização de casas pré-fabricadas em madeira para uso como residência secundária de praia (na região de Florianópolis) ou campo (na região de Rancho Queimado, Alfredo Wagner), com tipologias das mais diversas e custo normalmente acima das casas em alvenaria. Em muitas situações, moradias permanentes são também desta tipologia de casas pré-fabricadas em madeira, principalmente em bairros de cidades do litoral de Santa Catarina, caracterizando uma alternativa de moradia.
Para a madeira ampliar sua participação como material usual de construção em outras tipologias edilícias (além de casas simples para a população de baixa renda e de casas de praia e de campo), existe a necessidade de incorporação de novas tecnologia, trocando as antigas tábuas mata-juntadas ou de encaixe tipo macho e fêmea em paredes simples ou duplas sobre montantes verticais, por painéis de vedação vertical (paredes) e horizontal (lajes, coberturas) como do tipo madeira laminada cruzada (X-Lam) ou do tipo wood frame, já adotados em outros países com maior grau de desenvolvimento tecnológico.
As exigências mínimas dos usuários quanto a segurança contra o fogo, durabilidade e adequação ao clima, podem ser resolvidas adequadamente, dependendo dos tipos de tecnologia em madeira adotados, garantindo padrões de desempenho mínimos e as vezes superiores ao de outras tecnologias construtivas.
Em termos de pesquisa científica sobre o uso da madeira no Brasil, desde 1982 se realiza (primeiro trienalmente e depois bienalmente a partir de 1998) o Ebramem – Encontro Brasileiro em Madeiras e em Estruturas de Madeira, evento científico que reúne pesquisadores sobre o tema, já com quinze edições realizadas.
notas
1
Dentre outros, ver: SHIMBO, Ioshiaqui; INO, Akemi. A madeira de reflorestamento como alternativa sustentável para produção de habitação social. In: Anais do Encontro Brasileiro em madeiras e em estruturas de madeira, 6. Florianópolis, 1998; LAROCA, Christine. Habitação social em madeira: uma alternativa viável. Dissertação de mestrado. Curitiba, Universidade Federal do Paraná, 2002; CESAR, Sandro Fabio. Chapas de madeira para vedação vertical de edificações produzidas industrialmente: projeto conceitual. Tese de doutorado. Florianópolis, Engenharia de Produção UFSC, 2002; SZÜCS, Carolina Palermo; SZÜCS, Carlos Alberto; BARTH, Fernando; SOUZA, Marina Ester Fialho de. Sistema Stella-UFSC: avaliação e desenvolvimento de sistema construtivo em madeira de reflorestamento voltado para programas de habitação social. Florianópolis, UFSC, set. 2004; MOLINA, Julio Cesar; JUNIOR, Carlito Calil. Sistema construtivo em" wood frame" para casas de madeira. Semina: Ciências Exatas e Tecnológicas, v. 31, n. 2, 2010, p. 143-156; KRAMBECK, Thaís Inês. Revisão de sistema construtivo em madeira de floresta plantada para habitação popular. Dissertação de mestrado. Florianópolis, Arquitetura e Urbanismo UFSC, 2006; MELLO, Roberto Lecomte de. Projetar em madeira: uma nova abordagem. Dissertação de mestrado. Brasília, FAU UNB, 2007; LAROCA, Christine. Desenvolvimento de protótipo de habitação social em madeira de reflorestamento e avaliação de desempenho termo-acústico. Tese de doutorado. Curitiba, Engenharia Florestal, Universidade Federal do Paraná, 2007; MEIRELLES, Célia Regina Moretti; SEGALL, Mario Lasar Segall; RAIA, Fabio; MESQUITA, Jéssica Alves; FERREIRA, Henrique Ferrarini. O potencial sustentável dos sistemas leves na produção da habitação social. Revista de Arquitetura IMED, v. 1, n. 2, 2013, p. 164-173; AZAMBUJA, Maximiliano dos Anjos; CARREIRA, Marcelo Rodrigo; DIAS, Antônio Alves; FIORELLI, Juliano; CARRASCO, Edgar Vladimiro Mantilla; DUARTE, Renata de Souza; DIAS, Gustavo Lacerda; SZÜCS, Carlos Alberto; VALLE, Ângela. Proposta de normalização para Madeira Laminada Colada (MLC). Madeira: Arquitetura e Engenharia, v. 5, n. 13, 2013; SZÜCS, Carlos Alberto; BATISTA, Fábio Domingos. Arquitetura de madeira na região de Curitiba: estudo comparativo entre a casa tradicional e contemporânea. IV Encontro Nacional e II Encontro Latino-Americano sobre Edificações e Comunidades Sustentáveis, 12-14 nov. 2007. Campo Grande, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, 2013 <www.elecs2013.ufpr.br/wp-content/uploads/anais/2007/2007_artigo_030.pdf>; GANDINI, João Marcelo Danza; BARATA, Tomás Queiroz Ferreira; PABLOS, Javier Mazariegos. Sistemas construtivos em madeira certificada – experiências desenvolvidas: uma abordagem sobre projeto de interfaces e processo de racionalização de componentes. Mix Sustentável, Florianópolis, v. 1, n. 1, Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, 2016, p. 53-63.
2
ACR. Anuário Estatístico Base Florestal para o Estado de Santa Catarina 2014 ano base 2013. Lages, Associação Catarinense de Empresas Florestais, 2014.
3
MINISTÉRIO DA SAÚDE. Datasus – Situação de Saneamento oriundos do Sistema de Informação da Atenção Básica – SIAB. Brasília, 2013.
4
IBGE. Censo Demográfico. Rio de Janeiro, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2010.
5
COHAB-SC. Casa de madeira. Florianópolis, Companhia de Habitação do Estado de Santa Catarina, 2015.
6
CLARO, Anderson. A produção de casas de madeira em Santa Catarina. Dissertação de mestrado. São Paulo, FAU USP, 1991.
sobre o autor
Amilcar J. Bogo é arquiteto e urbanista (1990) pela Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC e Mestre (1996) e Doutor (2007) em Engenharia Civil – Conforto Ambiental também pela UFSC. É professor e pesquisador na Universidade Regional de Blumenau – FURB desde 1995, com experiência na área de Arquitetura e Sustentabilidade Ambiental, como: Arquitetura Bioclimática e Sustentável; Conforto Ambiental; Qualidade no Projeto de Arquitetura e Urbanismo.