Princípios: a cidade que sonhamos
“Quem vem de outro sonho feliz de cidade, aprende depressa a chamar-te de realidade; porque és o avesso do avesso, do avesso, do avesso”
Sampa, Caetano Veloso (1)
Princípio 1: ensinar / agir
Ensinar arquitetura, por se lidar no âmbito da academia com hipóteses, é sempre a construção de um sonho, o que revela um paradoxo em termos – sonho/construção. Não é a atividade plena de realização de projetos ou confecção concreta de obras – sejam edifícios, objetos ou trechos de cidade. Não por isso é utopia, algo sem lugar. Preferimos entender essa ação como um vir-a-ser, uma possibilidade a alcançar. Em nossa experiência acadêmica (2) é indissociável o engajamento real, como extensão voluntária complementar. O território – seus habitantes, o arcabouço construído ou cultivado, o ambiente natural – é considerado sujeito em ação compartilhada e não objeto de estudo, com o qual estabelecemos laços de compromissos realizáveis. A etapa final de formação dos estudantes é indicativa incontinenti das responsabilidades dos futuros arquitetos. Como método, a aproximação ao campo se estabelece a partir de encontros e alinhamento com lideranças e representantes comunitários, construindo vínculos de pertencimento e identificação. Os produtos finais de pesquisa, diretrizes, projeto urbano e projetos de arquitetura são apresentados e disponibilizados como conhecimento, para fortalecimento e entendimento de alternativas de estudo às demandas e prioridades da região.
Ações extra-disciplinares complementares, constituem contribuição do grupo de professores e alunos de forma voluntária, de acordo com emergências ou anseios manifestados. No caso aqui exposto, tivemos como polo representativo uma escola de ensino infantil (3) e os atos de extensão, ainda em curso, compreenderam a instalação de forro térmico no galpão da escola (4), o plantio de árvores da flora nativa para proteção ambiental e hídrica, a captação internacional (5) de recursos para provimento de insumos ao atelier de arte, emenda parlamentar de vereadora para esta mesma finalidade, processo junto ao Ministério Público para controle de invasão em terrenos públicos em torno da escola, colaboração em organização de Fórum temático dos “Amigos do Fundão” envolvendo autoridades, lideranças locais e a comunidade, produção de cartaz para tal evento e pesquisa/projeto para implantação de sistemas de tratamento de efluentes em território envoltório da EMEI, correspondente à micro-bacia hídrica, constituindo modelo piloto para autonomia de infraestrutura de saneamento local, por meio de sistemas mistos biológicos – wetlands, jardins filtrantes – associados a sistemas de pequena escala.
Princípio 2: urbano x rural x ambiental
Nossa eleição do território de intervenção parte de constantes, quais sejam, localização em bordas extremas de regiões periféricas metropolitanas de São Paulo, com profundas fragilidades sociais, contíguas a áreas rurais e ambientais de preservação e impactadas pela existência de infraestrutura metropolitana de grande porte, ensejando a busca por alternativas de pactos nas relações urbano x rural x ambiental, sistemas compreendidos como indissociáveis e complementares.
Princípio 3: homem x homem e homem x natureza
O ensaio de novos paradigmas nas relações homem x homem e homem x natureza, assume como urgência a flagrante situação de desequilíbrio ambiental e desigualdade social planetária, cuja necessidade de entendimento e proposição no campo da arquitetura e do urbanismo é premente e irreversível.
A cidade que temos
O Fundão do Jardim Ângela localiza-se na zona sul da cidade de São Paulo, com 313.015 habitantes (6), imerso em área de preservação de mananciais, às margens da represa Guarapiranga, alternando colinas de declividade acentuada e vales, cuja ocupação urbana é maciçamente irregular e precária, quase completamente desprovida de infraestrutura, saneamento básico, deficitário, sistema de transportes e equipamentos urbanos sofrível e com um dos maiores Índices Paulistas de Vulnerabilidade Social (7) da cidade. O método de análise para aproximação ao problema implica no entendimento das esferas metropolitana, regional e local, de um território típico do binômio perverso centro-periferia, nesse caso extremo, com o agravante de compreender ocupações habitacionais de caráter emergencial e precário sobre áreas estratégicas de proteção de mananciais metropolitanos. Tratados temas da geomorfologia, sistemas viário e transportes, tecidos urbanos, infraestruturas, equipamentos, marcos referenciais tangíveis e intangíveis, histórico, legislação, população, para diagnóstico e leitura da paisagem (8), aflora o drama humano e ambiental conflituoso que transcende ao caráter imediato do locus e revela-se como sistema planetário colapsado (9). Imensa extensão da cidade não é cidade – um amontoado despossuído e desprovido. Temos vasta proporção de natureza submetida, não preservada e a compressão e esparçamento de territórios agricultáveis ou cultiváveis.
Nesta contingência consideramos três hipóteses, duas delas extremadas:
Em um limite a restituição completa do território de Mata Atlântica, de proteção permanente, pela remoção de dois milhões de habitantes (10) na orla das represas Guarapiranga e Billings (11). No extremo oposto, entregar ao laissez-faire e às circunstâncias do mercado a estruturação das atuais ocupações irregulares ou clandestinas, sem provimento do Estado, ou seja, acordar do sonho e contemplar de chofre a única verdade efetiva, de fato – a realidade presente desse lugar, ela mesma. O “avesso, do avesso, do avesso, do avesso”.
Prognosticamos outra via, que pretende o congelamento das ocupações e manutenção de todos os espaços livres, em todas escalas, na tentativa de armistício entre duas urgências hoje antagônicas – a preservação ambiental e a pressão por moradia.
O todo e as partes
A estrutura do todo
Seis pactos – agentes de autonomia e independência – organizam diretrizes e estruturadores urbanos, buscando melhoria da qualidade de vida, participação social, valorização de cidadania, respeito às formas e tempos do território e uso racional de recursos.
Economia colaborativa: reinserção do sistema de trocas e de compartilhamento como modelo colaborativo autônomo, cujos produtos internos são articulados a uma moeda local, os Fundos, procurando minimizar o desperdício, aumentar a eficiência dos recursos e reduzir a desigualdade social.
Mobilidade intermodal: traçado de malhas superpostas e complementares de diferentes modais articulados, dos mais leves aos estruturadores regionais, conforme distâncias a percorrer, pontos a ligar, velocidades, inserção topográfica, energia para funcionamento e contingente a atender: ciclovias, serviço urbano de automóveis elétricos compartilhados, funiculares de pequeno trecho em encostas, teleféricos movidos a hélices eólicas unindo cumeeiras e vales, linhas de vans e ônibus locais, tramways/veículos elétricos leves sobre pneus, de velocidade reduzida no eixo viário principal – a Estrada M’Boi Mirim – pontes verdes para passagem de pedestres e corredor fauna/flora, tuktuks (12)para curtas distâncias locais e sistema de hidrovia e portos em três escalas diversas em toda represa Guarapiranga, tributário do Anel Hidroviário Metropolitano (13). Conjugados a esses portos constituem-se apoios para as vocações de uso correspondentes, pontuando o território de orla da represa. Ferroanel à margem externa do Rodoanel Metropolitano existente, nos trechos oeste, sul e leste, para transporte de cargas e passageiros, se articula às rodovias e ferrovias existentes, com associação, nos entroncamentos, a polos de logística e distribuição.
Geração de energia elétrica: Diferentes formas de energia limpa, desde o baixo custo, eficazes e testadas, são propostas conforme demandas e localizações estratégicas, como aquecimento solar de baixo custo e tecnologia elementar (14), hélices eólicas de execução doméstica a partir de resíduos, bicicletas ergométricas acopladas a gerador e conversor e sistema de balões de hélio, este último de caráter experimental.
Adensamento zero/controle de expansão: A remoção de construções em áreas de risco (15), quantificadas e localizadas, em terrenos com declividade acima de 20% ou às margens de córregos pretende que seja opcional a realocação das populações atingidas – na própria área; em regiões urbanas centrais infraestruturadas (16); ou no gradiente do cinturão agrícola, nas orlas prescritas como rurais, a sul do Fundão do Jardim Ângela, cujos índices urbanísticos, como diretriz, serão restritivos com respeito a coeficientes de aproveitamento, taxa de ocupação, taxa de permeabilidade e usos conforme se afastam dos limites urbanizados, garantindo a produção hortifrutigranjeira local, de subsistência, de geração de renda e trocas.
Valorização dos recursos hídricos: Constitui prioridade revelar, enaltecer e conectar as águas submersas e afloradas em múltiplas nascentes, córregos e ribeirões, características desta área de proteção de mananciais, onde a população local se tornaria guardiã. As margens da represa apoiam usos devidamente articulados à reconstituição e proteção de matas nativas, configurando sistema pulverizado de espaços de uso recreativo e educacional vegetalizado com formas alternativas autônomas de saneamento: micro-estações de tratamento associadas a fossas sépticas coletoras de gás, wetlands, jardins filtrantes por macrófitas, tanques de evapo-transpiração, reconstituição das matas ciliares e biomatrix para renaturalização dos rios, implicando em nova paisagem educadora e exemplar.
Vazios e micro infraestruturas: Todas as áreas não edificadas passam a ser consideradas públicas e destinadas à reposição da Mata Atlântica pelo sistema de Florestas de Bolso (17), hortas comunitárias ou micro granjas. As lajes de cobertura passam a ser entendidas como espaços públicos para pequenas praças equipadas ou hortas de cultivo comunitário, articuladas por passarelas, pequenas rampas ou escadas. As grandes áreas não edificadas são reconstituídas por maciços arbóreos, parques equipados ou ecovilas, configurando uma paisagem de estrutura verde ao longo da Estrada M’ Boi Mirim culminando com o Parque Ecológico Guarapiranga existente. Centros rotativos, espaços formados por infraestrutura mínima de instalação – banheiros, cozinha de apoio e cobertura – com distância máxima a pé entre si de 10 minutos, são passíveis de abrigar diferentes atividades organizadas e geridas pela própria população, como usos rotacionáveis em rede. Centros fixos para atender maior número de pessoas para atividades de maior duração relacionadas a lazer, cultura, educação e cidadania, pontuam o território em situações estratégicas, como estruturadores (18). O incremento de modos de transporte permite a liberação de garagens como espaços para a realização de atividades geradoras de renda, as quais denominamos ‘ofícios esquecidos’: habilidades, artesanatos, serviços locais e oficinas com máquinas de pequeno porte, comprometidas com a questão ambiental (19). Tendo como exemplo a relação forjada pelas ocupações de quilombos em Alcântara, no Rio Grande do Norte, predicamos a posse coletiva do território, dada a precariedade da situação de propriedade, posse esta com compromisso de uso associado à preservação.
Uma parte do todo
Reconhecidas as potencialidades de vazios intersticiais, a existência de um córrego longitudinal, as transposições de cotas em acentuado desnível, simétricas ao fundo de vale, as tipologias de moradias e usos locais diversos, um recorte de 20 hectares, cujo perímetro define uma situação exemplar, foi alvo de levantamento casa a casa, compreendendo o contato direto com seus moradores, o que fundamentou o desenho urbano pormenorizado que organiza um eixo ambiental e de espaços públicos em torno da escola infantil EMEI Chácara Sonho Azul, no horizonte de potencializar este polo articulador e catalisador de mudanças sociais na região.
As partes no todo e em si mesmas
Na escala da edificação, um programa geral de necessidades resultou na elaboração de dezesseis projetos de arquitetura associados e vinculados ao planejamento e desenho urbano propostos, cujos temas, localizações, escalas, soluções programáticas, técnicas e espacialidades constituem-se pela compreensão do papel da arquitetura como parte da cidade e a ela condicionada, cujo potencial de transformação é sempre socialmente necessário e agregador. Estes ensaios em projeto procuram enfoques, representações, registros e condensação de práticas sociais e memórias coletivas apontando para um posicionamento de resistência que possa ser capaz de costurar alternativas para relações no espaço construído e natural e fortalecimento da comunidade envolvida.
Casa das Letras
Associada à escola existente, tem a missão de fomentar o desenvolvimento local por meio de ações educativas em cooperação comunitária. O foco do programa é o universo de publicações independentes, artes gráficas e a criação de livros articulando os autores da região. É um exemplo de Centro Fixo, a partir de um módulo construtivo replicável de estrutura simples de madeira de bitolas padrão, de baixo custo e facilidade de confecção.
Eco
A Ladeira do Fundo do Morro articula, a partir da situação existente, pequenos espaços abertos ou cobertos como um palco/plateia defronte ao cenário maior do vale. Liga duas ruas em cotas com diferença de vinte metros, associadas a um funicular, juntando restos e formando lugares acessíveis e utilizáveis por qualquer um, com oficinas para elaboração de instrumentos musicais e cenários para dança ou outra forma de expressão.
Agora
Praça local que se baseia no conceito de cidade educadora configurando um espaço urbano compreendido como local de aprendizagem, um exemplo de Centro Rotativo cujo princípio não segregador se efetiva em um mínimo de infraestrutura de apoio e ambiências livres para qualquer uso, manifestação política, artística ou de interação social associado à vegetação e pisos de permanência.
Espaço Criar
Projeto interligando a estrada M’Boi Mirim a um circuito que engloba o curso do córrego como articulador espacial, cujo objetivo é resgatar a memória comunitária a partir da representação: pelo brincar e pela encenação. Três coberturas abrigam atividades para confecção de fantoches, marionetes, bonecos, cenários, figurinos, brinquedos e vídeos – sua edição e veiculação planetária via internet – cujo apoio material é uma central de triagem de resíduos recicláveis locais de porte local.
Projeto Suor
Equipamento para reabilitação de dependentes químicos buscando sua inserção social respeitosa desde a opção pela transparência das instalações e implantação articulada ao tecido urbano. O trabalho de cultivo da terra e plantio, produção dos próprios alimentos, os cheios e vazios em conexão com a natureza, a liberdade e acompanhamento são organizados por meio de um módulo multiplicável e conectável onde todos podem se observar, se apoiar, cuidar e ser cuidados com possibilidade de recolhimento assistido.
Lar
Agrega uma série de construções cuja tipologia remete à forma da casinha arquetípica, imagem simbólica finamente construída que intercala espaços de morar, conviver, ficar ao ar livre, com graus de intimidade e sociabilidade dosados para construir famílias não convencionais, passível de acolher as diversas condições de orfandade, solidão ou abandono de seres humanos carentes, de qualquer faixa etária.
Projeto Marias
Um ensaio projetual cujo desejo é o respeito à mulher e à vida; à gravidez, ao parto e ao nascimento. Cada novo nascimento tem valor cultural, de transformação, identidade e rito sagrado. Complexo eminentemente público e educador comunitário que busca transmitir uma gradativa mudança de consciência, se ancorando em dois programas de urgência: uma Casa de Parto e um Lar temporário, cujo raciocínio arquitetônico expansivo tem início de dentro para fora, assim como começa a vida.
Morar às margens
Opera com a questão da realocação de habitações em proximidade ao local de origem, restaurando margens de ribeirão para desfrute público e propondo um sistema construtivo engenhoso, simples e versátil – estrutura de madeira de bitolas comerciais e placas pré-moldadas de plástico reciclável passíveis de fabricação local nas oficinas de ‘ofícios esquecidos’ – para articular unidades em séries, com espaços flexíveis ricos de possibilidades e liberação do terreno, cuja solução para vencer desníveis de caráter urbano é pressuposto para acessibilidade doméstica, a saber, a rampa de acesso transversal à gleba também é acesso à unidade habitacional.
Centro de Atenção Psicossocial
Posicionamento político perante a saúde mental, na tradição da arte terapêutica de Nise da Silveira, materializada em uma delicada sequência de estruturas cobertas e livres em tijolo e madeira, configurando espaços para encontro e trabalho livres como uma ponte que possa conduzir à expressão através da arte ou afazeres e apaziguamento interior do sofrimento psíquico, indicando uma possibilidade de reinserção social, equilíbrio e autoestima.
Janela itinerante
Suporte, através de um mobiliário urbano - moldura plástica articulável, em série, passível de abrigar variados tímpanos –, ao reforço da ocupação efêmera de espaços do território para manifestações de festividades, identidade, pertencimento, resistência e afirmação coletiva.
Pier Guarapiranga
Hipótese de fruição da represa constituída por um píer de madeira, piscina flutuante acoplada e um mirante/trampolim; apoios em terra contém vestiários e uma base sombreada para lanchar, se espraiar, jogos ao ar livre, contemplação e convívio com a imensidão da paisagem das águas.
Porto de pedestres
Porto local de pequena envergadura e equipamento de apoio para guarda, manutenção de embarcações e aprendizado de esportes náuticos da população local, à escala bairro com acuidade no afinamento das proporções e sistemas construtivos: estrutura metálica, cobertura de placas articuladas de fibra de vidro, muros de arrimo de gabiões de entulho, decks de madeira.
Comunidade agrícola
Investigação construtiva e programática, com precisão poética, de uma hipótese de habitação comunitária rural nos lindes do urbano, com potência de restauração do cinturão agrícola objetivando o manejo agroflorestal exemplar.
Casa da Água
Edifício-paisagem em região onde o sistema hídrico permanece in natura pontuando este espaço com um edifício de contemplação; uma arquitetura que se pretende silenciosa, localizada, porém indutora sistêmica, potência de uma rede por todo o globo como rito de celebração da água.
Trans
Instalação de implantação local, mas como simulação de um sistema universalizável. Um túnel transparente realiza a travessia por submersão até ilha defronte a península na orla mais preservada da represa. Pretende inverter como uso e potência simbólica o eixo centro-periferia pela escolha em realizar esse equipamento em local inesperado e insólito.
Andarilho
Sistema de passarela e acontecimentos de arquitetura tênue, paulatinos, na longitude expressiva do percurso, cruzando a ilha dos Macacos, alcançada pela ponte/túnel. A ideia principal desta instalação é o convite à reconexão simbólica de qualquer ser humano que ali faça a travessia com a natureza primeira, anterior às nossas ocupações.
Tudo, todos e cada um
Projeto: Como ensinar a fazer algo que ainda não é. Método: como construir uma constante para esse processo de atingir o não figurado, quiçá vislumbrado.
O método: metá – meio, através de, reflexão, raciocínio, verdade; hodos – caminho, direção, sentido. No século 17, foi realizado por Descartes em Discurso construído pela razão como caminho científico capaz de conduzir ao entendimento dos segredos da Natureza – principia da phýsis. Acaba por definir, na constituição de passos para compreensão da ordem universal, a existência de Deus, como ser mais perfeito que nós. Segundo sua própria narrativa, parte de sonhos inspiradores sobre um método para encontrar a verdade. Belos tempos em que sonho e razão, divino e real podiam encontrar uma coerência comum. Se pensar é existir (cogito ergo sum), o que resta para nós?
Princípios e fins humanos cuja arrogância perante as leis da Natureza têm se evidenciado como inviáveis. Pensamentos que derivam em ações cujo alcance ameaça nossa própria sobrevivência como espécie. Pensar não garante a perenidade de nossa existência per si, pensar não é apenas verbo intransitivo, absoluto. Precisamos pensar em quê, para quê, para quem?
O meio e o fim não têm sentido sem um princípio.
Arquitetos pensam em atos.
Nesse caso propusemos: diversidade de escalas envolvidas, contínuas, entrelaçadas, simultâneas, pois assim se dão os fatos no mundo; programas de uso e fruição, técnicas, formas concretizadas; ações reais associadas, transcendentes ao escopo estrito de aprender e ensinar que apontam para um mesmo sentido: o de identificação.
Identificar é realizar o exercício de entendimento de algo ou alguém; encontrá-lo como parte reconhecível de um todo que se quer apreender.
Identificar-se é entender-se e entender ao outro como próximos, contínuos, o um e outro, o outro e eu, cada um e todos, tudo junto.
Não prescindindo do rigor da técnica, da sensibilidade da forma, do juízo das razões de ser e do vir-a-ser, este trabalho busca, no estrito campo da realização de artefatos no mundo – mister da arquitetura – promover a possibilidade de encontro: desvelar, descobrir, reconhecer e se tornar o mais próximo possível do outro a ponto de tê-lo como o mesmo. Difícil tarefa. Singelas aproximações.
notas
1
Trecho da canção Sampa, de Caetano Veloso.
2
Este texto se origina de documento apresentado no IV Seminário Internacional da AEAULP – Academia de Escolas de Arquitetura e Urbanismo de Língua Portuguesa sob denominação original: “Projeto e Ato no Fundão do Jardim Ângela: por uma relação urbano x rural x ambiental na metrópole” ao qual realizamos alterações para reflexão ora apresentada. Trata-se da manifestação de pontos de vista sobre experiências acadêmicas não desvinculáveis do compromisso real com os territórios e as comunidades envolvidas, entendendo-as como sujeito e não somente objeto de estudo e intervenção, considerando a relação ensino x pesquisa x extensão em continuidade, especialmente em TFGs – Trabalhos Finais de Graduação. A metodologia dos TFGs na FAUPUC de Campinas vêm de longa tradição e sua estrutura consiste na realização de Projeto Urbano como atividade em grupo e série de projetos de arquitetura articulados a este. Citamos professores que colaboraram mais diretamente para a constituição de hipóteses de âmbito metropolitano, particularmente na RMSP: Abilio Guerra, Luís Espallargas Gimenez, Olquídio Lopes Barney, Mirtes Luciani, Manuel da Silva Lemes Neto e Araken Martino.
3
Trata-se da EMEI Chácara Sonho Azul, referência nacional e internacional por suas atividades pautadas pela arte-educação e perspectiva de ação escola-comunidade, sob Direção do historiador Antonio Norberto Martins. Vice-Direção da educadora Shirlei do Carmo e Coordenação Pedagógica da educadora Kelly Batista.
4
Foram coletadas, a partir de campanha, sobras de isopor de maquetes na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo durante o ano letivo para confecção de forro térmico. Foi instalada base têxtil devidamente estruturada por cabeamentos de aço e acordoamento, em trabalho coletivo, sob responsabilidade técnica dos professores arquitetos.
5
A campanha foi realizada por iniciativa das alunas Laura Zura-Puntaroni e Matilde Valagussa, da Politécnica de Milão, as quais se engajaram nas iniciativas. Estas estudantes permaneceram alguns meses em São Paulo para atividades relativas ao seu Final Work Graduation: “São Paulo Cidade das Artes: inhabiting the limit through popular art” cujo tema envolveu urban boundaries, sob coorientação da professora autora deste texto, em regime de Bolsa de Estudos “Tesi All’Estero”, em cujas pesquisas também se inseriu o Fundão do Jardim Ângela.
6
Senso IBGE 2014 <https://www.ibge.gov.br>.
7
O IPVS é composto por 16 indicadores estruturados em três dimensões principais: infraestrutura urbana, capital humano e renda/trabalho <http://indices-ilp.al.sp.gov.br/view/index.php>; <www.fflch.usp.br/centrodametropole/upload/arquivos/Mapa_da_Vulnerabilidade_social_da_pop_da_cidade_de_Sao_Paulo_2004.pdf>
8
Paisagem compreendida como lugar urbano/cultivado/natural, constituído pelo enlace entre as vidas humanas e seus propósitos, os sistemas biológicos e sua diversidade ecológica, no universo dos fenômenos e ciclos geofísicos e metereológicos.
9
Para uma visão sistêmica da ocupação urbana em São Paulo ver ROLNIK, Raquel. A cidade e a lei: legislação, política urbana e territórios na cidade de São Paulo. São Paulo, Fapesp/StudioNobel, 1997. Para uma visão global do problema da habitação ver ROLNIK, Raquel. A guerra dos lugares: a colonização da terra e da moradia na era das finanças. São Paulo, Boitempo, 2016. Para uma discussão pioneira dos problemas de poluição e ocupação dos mananciais sul de São Paulo, as represas Billings e Guarapiranga, ver: GRONSTEIN, Marta Dora; SOCRATES, Jodete Rios; TANAKA, Marta M. Soban. A cidade invade as águas: qual a questão dos mananciais? Sinopses. Edição Especial, São Paulo, FAU USP, 1985.
10
Dados mais precisos ver estudos e publicações realizados pelo ISA – Instituto Socioambiental em <https://www.socioambiental.org/pt-br/o-isa/publicacoes/autor/marussia-whately-e-marcelo-hercowitz>; <https://www.socioambiental.org/sites/blog.socioambiental.org/files/publicacoes/10149.pdf>; <https://www.socioambiental.org/sites/blog.socioambiental.org/files/publicacoes/10288.pdf> e da rede Aliança Pela Água <https://www.aliancapelaagua.com.br/>.
11
Segundo cálculos preliminares realizados em proposta da aluna Iara Maria Lima, em 2014, os vazios urbanos e edifícios não ocupados na cidade de São Paulo em área dotada de infraestrutura seriam passíveis de receber todo este contingente.
12
Motocicleta com cabine acoplada.
13
Adota-se como base a proposta do Hidroanel Metropolitano realizada pelo Grupo Metrópole Fluvial. FAUUSP <www.metropolefluvial.fau.usp.br/hidroanel.php>.
14
Desenvolvido e disponibilizado como patente aberta por José Albino Elano em 2004 a partir de resíduos como embalagens tetrapak e garrafas PET.
15
Foram contabilizadas em cerca de 2190 residências.
16
Mediante, por exemplo, a Lei 16.377/16, de Consórcio Imobiliário de Interesse Social <http://documentacao.camara.sp.gov.br/iah/fulltext/leis/L16377.pdf>.
17
Metodologia engendrada pelo botânico Ricardo Cardim <https://www.facebook.com/florestasdebolso/?fref=ts>.
18
Citamos iniciativas análogas do INSTITUTO CIDADE EM MOVIMENTO/INSTITUT POUR LA VILLE EN MOVIMENT. Ver: Passagens Jardim Ângela, Relatório Final. São Paulo, dez. 2015. <http://cidadeemmovimento.org/wp-content/uploads/Passagens-Jardim-%C3%82ngela_relat%C3%B3rio-final-geral.pdf>.
19
A exemplo, ver iniciativas disponibilizadas voluntariamente na internet por Dave Hakkens com instruções para montagem de injetoras caseiras de termoplásticos reciclados para confecção de utilidades e geração de renda <https://davehakkens.nl/>.
sobre os autores
Vera Luz é arquiteta (FAU Mackenzie/1978), Doutora (FAUUSP/2004), professora da FAU PUC-Campinas e professora convidada da Fundação Vanzolini em Sustentabilidade. Conselheira e Coordenadora Adjunta da Comissão de Ensino e Formação do CAU/SP. Colaborou em projetos urbanos nos escritórios Joaquim Guedes e Ass., Urbe/Cândido Malta Campos Filho, co-autoria do projeto Ligação Leste-Oeste (EEP Mackenzie) e projetos certificados (AQUA-HQE) com a arq. Mirtes Luciani, três com pontuações máximas até hoje no Brasil (Programa e Concepção). Autora do livro Ordem e Origem em Lina Bo Bardi (Giostri, 2014).
Antonio Fabiano Junior é arquiteto (FAU PUC-Campinas/2001), Mestre (FAU USP/2010), professor da FAU PUC-Campinas e da FAU Mackenzie. Atua em projetos de arquitetura e de instalações museológicas, participa como cronista e ilustrador em publicações. Menção honrosa como Orientador de projeto no Ópera Prima 2016, menção honrosa no Human Trafficking – Tenancingo Square Mediascape em 2017, primeiro colocado no Venice – Artisan School em 2016 e primeiro colocado Projetar.org Brasil em Veneza em 2016.