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architexts ISSN 1809-6298


abstracts

português
São apresentados e discutidos os conteúdos do design biofílico, que enfoca no bem-estar humano e que, ao valorizar imagens e memórias da natureza acaba negligenciando esforços de preservação, redução e reutilização de recursos.

english
The contents of biophilic design are presented and planned, which focuses on human well-being and which, by valuing images and memories of nature, ends up neglecting efforts to preserve, reduce and reuse resources.

español
Se presentan y planifican los contenidos de diseño biofílico, que se centra en el bienestar humano y que, al valorar imágenes y recuerdos de la naturaleza, acaba descuidando los esfuerzos por preservar, reducir y reutilizar los recursos.


how to quote

SAKATA, Francine. Design biofílico aplicado à arquitetura e ao paisagismo. A estética da sustentabilidade e suas limitações. Arquitextos, São Paulo, ano 24, n. 290.00, Vitruvius, jul. 2024 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/24.290/9012>.

Biofilia e design biofílico é uma linha de pensamento que foi estruturada e nos trouxe lições que tratam da incorporação de padrões ou processos da natureza na organização dos espaços com o objetivo de torná-los mais saudáveis para os seres humanos e mais eficientes para os processos produtivos. Há o pressuposto comum entre os textos sobre o tema de que se estabelece um efeito biofílico a partir do modo como sentimos e nos relacionamos com a natureza no ambiente construído, um efeito restaurativo e saudável no qual as pessoas podem se desenvolver.

No despertar para as questões ambientais, envolver a natureza no cotidiano não é apenas bem-vindo como é ansiosamente esperado. Ansiamos soluções e receitas que nos digam como reverter a destruição do planeta, de forma prática e conveniente. A preocupação com a natureza e com o bem-estar do ser humano e dos não-humanos é o caminho correto, indiscutivelmente. Entretanto, à medida que a construção civil e as empresas abraçam o design biofílico no seu aspecto mais cenográfico, o discurso de melhorar a relação das pessoas com a natureza se esvazia.

A Bauhaus, primeira escola de design do mundo, criada em 1919, promoveu as adaptações necessárias dos produtos para a produção industrial, fundindo conhecimentos da arquitetura, do artesanato e das artes. Como produto da Revolução Industrial e da economia capitalista, é inerente ao design a dificuldade de ser sustentável. Isto é apontado no artigo de Priscilla Ramalho Lepre e Aguinaldo dos Santos, “a sustentabilidade se apresenta como um paradoxo aos resultados finais da atividade profissional do designer” (1).

Para que o design seja assumido como agente colaborador e promotor do consumo e da produção sustentáveis, o processo de produção deve considerar uma abordagem holística, da concepção aos estágios do ciclo de vida do produto. Ou seja, todas as atividades necessárias para produzir os materiais e depois o produto, distribuí-lo, usá-lo e finalmente descartá-lo devem ser consideradas. Deve-se pensar, por exemplo, no uso de tecnologias mais limpas para evitar a poluição; na intervenção para desfazer danos causados pelo processo (por exemplo, a limpeza da água que foi poluída) e nos padrões de consumo, compreendendo quais exigem menos produtos com processos que possam poluir (2).

O projeto deve considerar menos o produto do que o serviço/resultado adquirido pelo produto. A pesquisa em design também abriu a discussão sobre seu papel ético e social. A sustentabilidade inclui melhoria nas condições de trabalho e mais igualdade e justiça entre os atores do sistema, fortalecendo e valorizando recursos locais e grupos marginalizados.

A proposta deste artigo é discutir os conteúdos do design biofílico, buscando identificar em que ocasiões o discurso se corrompe em relação ao objetivo de ser benéfico à natureza. E também identificar aquilo que é valioso e deve ser aproveitado por arquitetos e construtores de modo geral.

De onde surge e do que trata

Nem biofilia nem design biofílico foram abraçados como disciplinas acadêmicas no Brasil. Nas escolas de arquitetura o tema tem sido discutido com reservas, mas foi abraçado com entusiasmo pelo mercado de arquitetura de interiores e paisagismo. O design biofílico aparece em pesquisas comportamentais que relacionam o efeito do ambiente construído sobre o indivíduo na área da saúde, recursos humanos, biologia e mesmo da arquitetura. Já Infraestrutura verde, que também trata da incorporação de lições da natureza, especialmente nos espaços externos, esta se tornou tema de grupos de pesquisas pelo mundo todo, congregando profissionais da paisagem: paisagistas, geógrafos, urbanistas e arquitetos. A Infraestrutura verde, em inglês, green infrastructure, e “G.I.”, na abreviação carinhosa, tem como principal obra de referência o livro de Ian Mc Harg de 1960, Design with Nature.

Uma vez que os colegas da academia não tratavam sistematicamente de biofilia e design biofílico, a primeira fonte de informação foram os jornalistas e blogueiros do mundo, que apresentam o tema de forma muito sintética, comumente reproduzindo um o texto do outro, às vezes sem mudar as palavras. Estes textos explicam que a palavra biofilia significa “o amor pela vida”, que é uma ciência que visa conectar as pessoas com a natureza para promover bem-estar e conforto emocional. Que o termo biofilia foi usado pela primeira vez nos anos 1960, mas começou a se popularizar nos anos 1980, pelas mãos do biólogo Edward O. Wilson e outros autores. Depois desta breve apresentação, os textos frequentemente continuam com receitas sobre como incorporar a biofilia na arquitetura de interiores acompanhados por imagens de grandes janelas envidraçadas para o céu e para jardins, de painéis de madeira, de jardins verticais, plantas pendentes, terrários e lonas tensionadas.

Tales Costa, em artigos do portal Clique Arquitetura, traz pesquisa sobre o tema e sintetiza o que seriam os elementos do design biofílico a partir dos autores mais citados: Stephen Kellert e Calabrese; por Browing, Ryan e Clancy (do grupo Terrapin Bright Green) e por Nikos Salingaros.

Biophilia, o livro de 1986 do biólogo norte-americano Edward O. Wilson (1929–2021) trata do vínculo dos humanos com outras espécies. Wilson foi professor de Harvard e tem uma obra vasta em ecologia, evolução e sociobiologia. No livro, Wilson fala da organização das formigas, da forma das serpentes e da evolução das plumagens de pássaros entre outras muitas observações de campo. Ele trouxe o termo biofilia como a tendência inata de focar na vida e nos processos com vida. Nós nos concentramos felizes em nós mesmos e nos outros organismos.

Stephen Kellert (1943–2016) foi professor de Social Ecology na Universidade de Yale e co-autor, com Wilson, da obra The Biophilia Hypothesis (1993). A hipótese biofílica é a de que os seres humanos possuem a tendência inata de buscar conexões com a natureza e outras formas de vida. Kellert tem mais de 150 publicações e desenvolveu o tema da biofilia, relacionando natureza a ciência, religião, espiritualidade, psicologia, infância etc. A partir de 2007, Kellert publica artigos sobre design biofílico sempre bastante objetivos, nos quais ele vai refinando os pilares do que seria uma disciplina que visa melhorar a saúde e o bem-estar humano ao promover conexões entre as pessoas e a natureza no ambiente construído.

Kellert elenca os elementos do design biofílico: os elementos naturais (inclusive plantas, animais, luz do sol, cores, vistas e aromas); formas da natureza (como motivos botânicos, conchas, ovais e arcos etc); padrões e processos da natureza (como variação de temperatura e umidade, a passagem do tempo, pontos centrais); luz e espaço; relações com o lugar (de natureza ecológica, cultural, de orientação e de memória); e as experiências homem-natureza.

As experiências homem-natureza foram apresentada em doze sentidos: 1. de domínio visual e de refúgio; 2. ordem e complexidade; 3. curiosidade e estímulo da imaginação; 4. mudança e metamorfose; 5. segurança e proteção; 6. mistério e controle; 7. afeição e vínculo; 8. atração e beleza; 9. oportunidades de exploração e descoberta; 10. estímulo cognitivo (através, por exemplo, do uso criativo da ornamentação); 11. mistério e perigo; e 12. reverência e espiritualidade.

Kellert também postula que o design biofílico atende a um imperativo ético: o de reimaginar a relação entre homem e natureza. O objetivo final do design biofílico seria o de enriquecer tanto a natureza quanto o ser humano em uma mútua relação de integridade e adaptação e não mais de degradação e subjugação.

William Browing, Catherine Ryan e Joseph Clancy publicaram 14 Patterns of Biophilic Design através da empresa Terrapin Bright Green. A Terrapin foi fundada em 2006 por Browing, um estrategista ambiental e pelos arquitetos Rick Cook e Bob Fox da Cookfox Architects e é uma empresa de consultoria ambiental e planejamento estratégico que tem escritórios na cidade de Nova York e Washington e trabalha com empresas privadas, instituições públicas e agências governamentais em uma variedade de projetos tipos.

Browning, Ryan e Clancy, em 2014, reorganizam os padrões do Design Biofílico e fazem uma publicação ilustrada que embasa sua atividade prática de projeto para grandes empreendimentos. Eles classificam a origem do efeito biofílico de três formas: 1. natureza no espaço; 2. análogos à natureza; e 3. natureza do espaço. Análogos à natureza seria a percepção da natureza através de formas, materiais e composições que remetem ao natural, ainda que não sejam. E natureza do espaço são os espaços arranjados de forma que evoquem sensações e memórias de refúgio, domínio, mistério e risco.

Nikos Salingaros (1952–) é matemático australiano, professor da Universidade do Texas, conhecido por seu trabalho em teoria urbana, teoria arquitetônica, teoria da complexidade e filosofia do design. Em parceria com o arquiteto Christopher Alexander, Salingaros tem sido crítico da arquitetura moderna convencional.

Salingaros defende que o efeito biofílico tem origem em duas experiências da natureza: a proximidade com a vida e a resposta do indivíduo (3). Stalingaros é defensor da biomimética, do uso de fractais e formas ricas e de representações da natureza. Ele propôs o Biophilic Building Index, que consiste em dez elementos de verificação sendo atribuídos a cada um deles o valor de zero a dois resultando em um índice geral do edifício.

Alto desempenho: a novidade

Não é nova a ideia de que os edifícios devem ser salubres, que devem ser iluminados e integrados aos espaços externos. Não é de hoje que a luz modela os espaços da arquitetura. Também a ideia de que a natureza é restauradora não é nova. Frederick Law Olmsted (1822–1903), o grande paisagista norte-americano escreve, em 1865, sobre o Parque Yosemite, citação que consta da introdução da publicação da Terrapin:

“O prazer do cenário ocupa a mente sem fadiga e, no entanto, a exercita, a tranquiliza e ainda a anima; e assim, pela influência da mente sobre o corpo, dá o efeito de descanso revigorante e revigoramento a todo o organismo” (4).

Na escola paisagística inglesa, os projetos envolviam a criação de sensações de mistério, surpresa, vistas mais abertas e refúgios. A principal diretriz era a recriação de uma paisagem não natural mas naturalizada. Essa tradição, por sua vez, tem origem nos jardins orientais, com ambientes ricos em surpresas, vistas inesperadas e continuamente diversas, com lagos, ornamentos e a miniaturização de paisagens.

O que a teoria proposta por Kellert traz de novo é a sistematização do que seriam os elementos da natureza com foco nos espaços construídos; a valorização da natureza visando bem-estar humano; e tratar elementos artificiais com valor similar aos naturais caso invoquem memórias e sensações próprias da natureza.

A sistematização dos elementos, padrões e das lições da natureza para arquitetos e designers é uma grande fonte de inspiração para projetos. O sentido da visão é sempre lembrado mas o tato e o olfato são comumente esquecidos. A luz é uma preocupação constante mas a incorporação de luzes tênues, bamboleantes e filtradas já não é tão comum. A indução da sensação de surpresa, de refúgio ou de risco são muitas vezes evitadas e as lições do design biofílico nos lembram que elas enriquecem os espaços e os conectam a emoções primitivas e valiosas.

Nas imagens do restaurante Notiê, em São Paulo SP, projeto da cenógrafa Patrícia Sobral, dois exemplos de design biofílico: a escultura de inox com tronco e folhas e as sombras no teto multiplicando estes elementos; e a luz que vem de cima no backlight de lona tensionada que traz a sensação da luz do sol, e a impressão de figuras botânicas.

A valorização da natureza é necessária no atual contexto de crise ambiental. À medida que propõe o olhar para a natureza e suas lições, o design biofílico vem de encontro à necessidade do setor da construção civil, de se reinventar. É um setor que gera grandes impactos e está até última laje afundado na questão ambiental. Kellert também afirma que é na aproximação com a natureza que reside o luxo, pois a expressão deste é o bem-estar físico e mental das pessoas que por sua vez depende do contato com a natureza.

O terceiro item que entendemos por novo no design biofílico é tratar memórias e sensações da natureza igualmente valiosas sejam elas originadas por elementos naturais ou por simulações, fotografias, composições. A natureza pode estar representada. A biomimética é a criação de formas e estratégias a partir de princípios da natureza, para a soluções de problemas atuais, extrapolando funcionalidades e estéticas naturais para outros campos, com outros materiais. Os fractais são representações computacionais dos padrões de repetição na natureza.

A publicação da Terrapin foi além, buscando fechar uma lacuna entre a a pesquisa e a implementação do design biofílico. Eles também se preocuparam com a medição dos benefícios através de ferramentas para julgar a eficácia dos impactos do design biofílico, fortalecendo as evidências empíricas, o que chamaram de economia da biofilia.

A Terrapin se apresenta como uma empresa para moldar o resultado de projetos de planejamento e design em larga escala em todo o mundo, melhorando o ambiente humano por meio de alto desempenho das edificações. E é neste ponto, do excessivo foco no humano e no alto desempenho da economia de recursos, energia, materiais e tempo, que o design biofílico se torna muito interessante para grandes empreendimentos imobiliários, mas é também onde aumentamos o risco de perder aquele imperativo ético para o Design Biofílico de melhorar a relação com a natureza, com mais adaptação e mais integridade e menos degradação e subjugação.

Considerações finais

Quando se faz um projeto sustentável, deve-se buscar que ele também seja econômico em recursos, energia, materiais e tempo. É a forma de torná-lo viável. Entretanto, ser econômico e ter foco na saúde humana não quer dizer que o projeto é sustentável. Um edifício, por exemplo, construído sobre uma duna ou que não tenha buscado aproveitar estruturas preexistentes não terá causado menos impacto se trouxer imagens de florestas ou tiver a forma das penas das aves.

No interior de um grande hospital, evocar o fundo do mar através de pinturas, para fazer relaxar os pacientes, pode ser muito valioso. No aeroporto, criar morros de grama sintética pode realmente fazer bem para as pessoas. São tipologias criadas para muito distantes da natureza, são ambientes excessivamente artificiais. Nos shoppings e nas grandes torres corporativas, as pessoas podem se beneficiar de cenarizações e plantas artificiais mas estas tipologias precisam realmente ser tão apartadas da natureza? Se a resposta for sim, vamos lá, vamos tentar diminuir o desconforto das pessoas mas o amor à vida, neste caso, não é amor verdadeiro.

Os padrões, características e métricas de design biofílico consideram o que é sensorial e sensível do ser humano na presença com elementos da natureza. Talvez devamos incorporar também às lições de Design Biofílico aquelas de reduzir, reutilizar, reciclar, conter desperdícios, preocupar-se com a procedência dos produtos, usar mais materiais locais e entender que, às vezes, o que parece “ecológico” não é de fato o mais ecológico. Tenho certeza que Edward Wilson, o que primeiro usou o termo biofilia, e que era apaixonado observador das formigas tinha em mente, que nós observássemos nosso meio, os recursos disponíveis e, em nossas respostas, amássemos e protegêssemos a natureza.

Priscilla Ramalho Lepre e Aguinaldo Santos (5) afirmam que epistemologia ortodoxa do design não é suficiente para contemplar os novos papéis do designer na sociedade. Da mesma forma, os princípios do design biofílico, da forma como estão postulados, não são suficientes para muda a relação dos profissionais e dos usuários com a natureza. Convergimos à conclusão de que a revisão da epistemologia de maneira que inclua todas as dimensões da sustentabilidade é fundamental e implica na mudança do propósito do profissional de design e de arquitetura. Mudanças no comportamento de consumo da sociedade precisam estar relacionadas à ética do desenvolvimento sustentável e à busca de igualdade social.

E, quanto ao design biofílico ser nominalmente incorporado ao projeto pedagógico das escolas de arquitetura e de design, isto é fetiche. As tradicionais disciplinas de arquitetura, paisagem, design, urbanismo e tecnologia evoluem, se transformam e podem incorporar cada vez mais a questão ambiental. Importante é que isto seja feito com crítica e com qualidade.

notas

1
LEPRE, Priscilla Ramalho; SANTOS, Aguinaldo dos. Implicações da sustentabilidade no escopo de atuação do design. Revista Estudos em Design, v. 16, n. 2, Rio de Janeiro, 2008. p. 6.

2
VEZZOLI, Carlo et al. Product-Service System Design for Sustainability. Sheffield, Greenleaf Publishing Limited, 2014. p. 4.

3
SALINGAROS, Nikos. The Biophilic Index Predicts Healing Effects of the Built Environment. JBU, Journal of Biourbanism, v. 8, n. 1, International Society of Biourbanism, Feb. 2019, p. 13-34.

4
BROWNING, William.; RYAN, Catherine; CLANCY, Joseph. 14 Patterns of Biophilic Design. New York, Terrapin Bright Green, LLC, 2014.

5
LEPRE, Priscilla Ramalho; SANTOS, Aguinaldo dos. Op. cit., p. 10.

sobre o autor

Francine Gramacho Sakata é arquiteta e urbanista (1997), mestre em estruturas ambientais urbanas (2008) e doutora em arquitetura e urbanismo (2017) pela FAU USP, onde é professora de paisagismo e pesquisadora associada ao Laboratório Quapá. Desenvolve projetos através da RGM Arquitetos e publicou os livros Paisagismo ubano: requalificação ou criação de imagens e Parques Urbanos no Brasil, junto com Silvio Macedo.

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