O design urbano é uma disciplina que pode ser frequentemente mal compreendida, uma vez que é um campo composto por arquitetura, paisagismo, planejamento urbano, engenharia civil, entre outros. Ele também é muitas vezes superficial, visto que a forma estética é considerada mais importante do que o real significado: melhoria da qualidade de vida (1). Para compreender adequadamente, é necessário analisar rigorosamente os fatores que compõem o urbano.
Gordon Cullen (2) argumenta que um lugar é inicialmente composto por um local, e nesse local, os primeiros elementos são incorporados em sua topografia e morfologia. O autor também acrescenta que caminhos, vegetação, edificações e espaços públicos devem surgir para tornar esse lugar um espaço funcional. O design urbano não está apenas preocupado com forma e design, mas também com cultura, política, assim como as funções descritas por Le Corbusier e o Congresso Internacional de Arquitetura Moderna na Carta de Atenas (3). Da mesma forma, o design urbano significa a vivência, a experiência da cidade, os usuários, bem como fatores como a vida pública e a identidade dos usuários.
Nesse sentido, Aseem Inam (4) propôs o design urbano como sendo teleológico, catalítico e relevante. Teleológico pode ser compreendido como um processo que leva em consideração as esferas social, econômica e sustentável, proporcionando não apenas uma nova morfologia para uma área urbana, mas melhorando sua qualidade de vida. Como catalítico, supõe-se que uma intervenção deve abordar um estudo aprofundado da área e, como resultado, a intervenção deve atuar como um estímulo para o desenvolvimento cultural, econômico e sensível de uma região. Como relevante, pode ser visto como um projeto que deve abordar questões urbanas críticas, sendo fundamentado no comportamento humano e nas condições naturais do local.
Assim, as configurações espaciais das cidades são determinadas pela paisagem, pela forma, pelas funções, pelo uso e ocupação do solo, incluindo as práticas sociais. O comportamento experiencial que surge da mobilidade da informação digital também configura a cidade contemporânea, ou seja, a evolução e popularização da computação móvel têm permitido aos usuários uma variedade de novos modos de comunicação e ação em suas vidas cotidianas (5). Por meio dessas tecnologias, ocorre a disseminação das novas mídias que podem ser compreendidas como objetos culturais, os quais utilizam um dispositivo tecnológico e computacional para sua operação (6).
É importante ressaltar que o significado social das novas mídias não surge de sua criação inicial, mas sim pela incorporação desses artefatos nas práticas sociais da população (7). Essas mídias se manifestam no cotidiano e possibilitam a expansão das experiências do usuário, modificando consequentemente a dinâmica da vida urbana. Dessa forma, o paradigma das mídias direciona para novos conceitos do espaço urbano, assim como novas representações do lugar no espaço físico (8).
Este artigo traça análises e conceitos sobre a produção espacial contemporânea por intermédio das mídias digitais, fazendo-se uso da leitura de Meaningful Urban Design: Teleological/ Catalytic/ Relevant de Aseem Inam (9). Este trabalho é explorado com o objetivo de apresentar e relatar ideias e pontos de vista para reflexões sobre a produção espacial a partir das mídias móveis, com foco em inovação e tecnologia, buscando reinterpretar e transformar aspectos da disciplina tradicional do planejamento urbano. Para isso, o texto está dividido em quatro seções. Primeiramente, explora brevemente como as mídias móveis se apresentam como agentes capazes de estender, produzir e disseminar a vida cotidiana em suas várias dimensões de realidade. Em seguida, a cultura de mídias móveis é analisada como parte do urbanismo contemporâneo. A terceira seção explora o conceito de design urbano denotativo. E por fim, investiga-se as mídias móveis a partir da noção de design urbano significativo, sendo teoricamente analisadas como teleológico, catalítico e relevante.
Entre a tela e a cidade
A concepção do teatro introduziu a ilusão do que, no futuro, seria considerado uma tela (10). Essa estrutura retangular evoluiu para a televisão, que foi disseminada nos lares domésticos após a Segunda Guerra Mundial (11), remediando a sensação causada pelos teatros. Na década de 1930, a invenção do computador por Turing proporcionou uma nova transformação histórica e cultural da sociedade. Observa-se que os computadores, além de terem a tela como elemento de contato, também introduziram a interação por meio do teclado (12). Em 1969, a criação do protótipo da internet causou um novo avanço na computação (13). Através da conexão à internet, a tela do computador transformou-se em uma plataforma de emoções (14), tornando-se uma interface de interação entre corpos e espaços virtuais e modificando as experiências subjetivas e perceptivas dos seres humanos.
Manovich define a tela como: "uma superfície que enquadra um mundo virtual e que existe dentro do mundo físico de um espectador sem bloquear completamente seu campo visual" (15). A tela também se tornou uma janela para um espaço ilusório, carregado de informações textuais e gráficas (16). Assim, observa-se que a tela, em diferentes tamanhos e formatos, foi transformada em uma interface que permite às pessoas entrar em outro universo, gerado por mídias digitais, proporcionando uma diversidade de novas interações entre humanos e máquinas. Com isso, a cidade está se adaptando a uma nova estrutura cultural, com um caráter dinâmico e em tempo real (17), qualificando a tela como o principal instrumento de conexão entre as diversas camadas ao longo da cidade.
Deste modo, a combinação de materialidade física, ferramentas de informação e comunicação, relações sociais, econômicas e culturais, e as fronteiras espaciais estão se fundindo em um espaço social (18), transformando a sociedade em uma sociedade da informação (19). O espaço social também pode ser compreendido com base na tríade dialética proposta por Henri Lefebvre (20). A tríade é composta pela prática espacial, caracterizada pela materialidade das atividades sociais e práticas, enfatizando a simultaneidade das dinâmicas sociais, econômicas e culturais; pela representação do espaço, que consiste na criação mental da imagem do espaço; e pelo espaço de representação, que está relacionado à perspectiva simbólica. Ou seja, o espaço consciente é aquele em que o sujeito se apropria de seus sentidos. O espaço concebido resulta da capacidade do ser humano de compreender, assimilar e descrever o espaço, e o espaço vivido é dado através das experiências da vida cotidiana.
As mídias digitais tornaram-se condutores de ações que possibilitam novos movimentos experienciais. Como resultado, os cidadãos estão se tornando habitantes de espaços virtuais e não apenas usuários de dispositivos eletrônicos (21), e todas as ações do ser humano no espaço físico geram rastros e reflexos nas realidades da cidade. O avanço das tecnologias móveis e seu uso como mídias diárias proporciona o surgimento de novos fenômenos espaciais na cidade, estimulando o urbanismo inteligente e inserindo-se como uma referência para pensar a trajetória contemporânea do design urbano.
Mídias digitais e dinâmicas urbanas
Entende-se que a vida urbana é configurada pela inter-relação entre as três dimensões propostas por Lefebvre (22) — prática espacial, representação do espaço e espaço de representação. Isso pode ser complementado com o discurso de Martin Coward (23), que afirma que a vida urbana também é constituída pela produção de subjetividades, entre elementos humanos e não humanos, físicos e não físicos, e essas subjetividades se manifestam com habilidades cognitivas, afetivas e ativas do usuário dentro de um contexto espacial e temporal.
Diversos autores têm debatido o significado do espaço. Jiayi Jin (24) apresenta que o termo espaço se refere à extensão abstrata, à geometria e à localização, enquanto lugar representa um ambiente físico impregnado de significado, memória e sentimento. Além disso, o significado do espaço é impregnado por influências culturais, assim como pela percepção dos seres humanos sobre ele. Milton Santos (25) argumenta que o espaço é um conjunto de sistemas de objetos e ações, onde a ação é seu elemento fundador e fundamental. Esse argumento corrobora com Jin (26), que diz que a ação e a possibilidade de agir são princípios importantes para redefinir o espaço.
Susana Gastal (27) argumenta que as tecnologias de informação e comunicação — TICs utilizam o fenômeno urbano como instrumento para sua manifestação. A autora complementa que as imagens e visibilidades fornecidas pelos espaços urbanos são virtualizadas, reduzindo a imagem da cidade à imagem da tela. Dessa forma, é necessário entender que as TICs não podem ser consideradas como uma cidade, mas podem ser entendidas como complementos sensoriais das experiências urbanas. Esse contexto reforça que tecnologias e mídias, especialmente as mídias móveis, estão "implicadas na produção da espacialidade e da experiência espacial. Nossas ideias sobre como os espaços estão organizados são mediadas por tecnologias e pelas representações que elas produzem" (28).
Por isso, as experiências humanas são capazes de transfigurar a espacialidade, provando que as três dimensões propostas por Lefebvre estão em uma tríade dialética, em que essas dimensões não podem ser imaginadas como absolutas, uma vez que o espaço é inacabado e é continuamente produzido de acordo com a esfera temporal (29). Para mais, a espacialidade pode ser impregnada na experiência subjetiva, mas também pode ser aprimorada por tecnologias digitais e mídias.
Consequentemente, é possível observar que a sociedade está passando por um processo de adaptação a uma nova esfera relacional, na qual a ubiquidade das redes se manifesta de diferentes formas na vida cotidiana. Essa manifestação é aprimorada devido à combinação de informações digitais no espaço físico, proporcionando novas formas de interações humanas com os espaços real e virtual (30). Nota-se também que a proliferação de tecnologias e mídias móveis tem facilitado a criação de vínculos entre pessoas e lugares, promovendo conexão, aprendizado e inovação (31).
O urbano se manifesta como um espaço vivo e dinâmico, considerando a disciplina da arquitetura como produtora de lugares. O design arquitetônico e/ou urbano não deve ser visto como uma organização abstrata do espaço. Deve ser encarado como o resultado da espacialidade alcançada a partir de sua implantação, trazendo a paisagem habitada iminente aos seres humanos, que é o objetivo último da arquitetura: habitar o espaço, poeticamente (32). Por essa razão, a combinação de mídias móveis dentro da disciplina de arquitetura e design urbano pode proporcionar novas maneiras de habitar o mundo, promovendo interações entre indivíduos e espaços — reais e virtuais —, apoiando uma vida ativa e pública na cidade contemporânea.
O design urbano denotativo de Inam
Existem várias críticas ao design urbano contemporâneo, especialmente em relação à forma como é ensinado, pesquisado e praticado. Além disso, a morfologia é vista como o papel principal nessa disciplina, convergindo o design estético e formal como foco para atrair a atenção dos cidadãos (33). Essa abordagem estabelece a cidade em imagens, direcionando estudantes e profissionais a pensar em intervenções urbanas e arquitetônicas como um design final, e não como um meio de alcançar qualidade de vida.
O autor critica o design urbano contemporâneo, argumentando que ele tem repetido as deficiências do passado:
“Um foco na estética superficial e nos aspectos pitorescos das cidades (em vez de qual papel a estética desempenha, por exemplo, nos processos de desenvolvimento comunitário), uma ênfase excessiva no arquiteto como designer urbano e uma obsessão com o design (em vez de uma abordagem interdisciplinar mais profunda que aborde causas fundamentais), uma compreensão do design urbano principalmente como um produto acabado (em vez de um processo contínuo a longo prazo entrelaçado com mecanismos sociais e políticos) e um processo pedagógico confortavelmente enraizado na arquitetura e no design (em vez das experiências, processos e evolução rica das cidades)” (34).
Inam (35) argumenta que o propósito do design urbano deve ser o empoderamento e a integração social, revitalização urbana, colaboração intercultural, sustentabilidade do uso da terra e segurança. Assim, o autor propõe que o design urbano deve ser orientado por uma abordagem que seja teleológica, catalítica e relevante.
O enfoque teleológico pode ser definido como um processo contínuo, voltado para o desenvolvimento social, incluindo comunidade, aspectos econômicos, internacionais, sustentabilidade e ambientes urbanos férteis (36). Em outras palavras, a abordagem teleológica deve ser orientada por "um propósito e não por uma morfologia […] envolvendo […] eficiência econômica, políticas públicas, comportamento social, compreensão cultural e processos políticos" (37).
No aspecto catalítico, o design urbano é dividido em desenvolvimento comunitário, desenvolvimento econômico e desenvolvimento internacional (38). O desenvolvimento comunitário baseia-se na participação ativa da comunidade no processo de design, parcerias público-privadas, incorporação da identidade cultural em atividades, eventos e espaços construídos. O desenvolvimento econômico pode ser visto como projetos que visam resultados de longo prazo, fortalecendo a relação de emprego em áreas específicas e permitindo maior variabilidade nas atividades econômicas. Por fim, o desenvolvimento internacional busca inserir elementos que contribuam para a globalização e a aprendizagem intercultural em comunidades locais.
No que diz respeito a relevante, o design urbano deve ser visto como uma evolução potencial das comunidades com base em questões urbanas reais, respeitando sua evolução histórica, comportamentos das pessoas e condições naturais do ambiente (39). Essa abordagem busca associar a forma do design a padrões de comportamento e significados, colocando os seres humanos como o eixo central do design.
Mídia móvel em design urbano
A trajetória histórica da sociedade passou pelos modelos de uma economia de serviços e informação na era pós-industrial (década de 1950), seguida pela sociedade em rede (década de 1990) (40). Atualmente, a trajetória está baseada na cultura eletrônica, composta por computadores, tecnologias móveis e novas mídias (41).
Nesse cenário, o estudo das mídias não pode lidar apenas com o conteúdo apresentado pelo objeto midiático, mas também deve estar condicionado ao ambiente social no qual está inserido (42). Nesse contexto, Manovich utiliza o conceito de cultura da informação para definir não apenas como um artefato passa informações para o mundo, mas também como os padrões de interação dos usuários estão sendo estruturados por objetos midiáticos.
Além disso, a forma como os artefatos midiáticos são apropriados pelos cidadãos implica diretamente em novas formas de se locomover, viver, trabalhar, brincar e participar da vida urbana. Esses objetos provocam um modelo recém-adquirido de relacionamento, não apenas com os sentidos humanos, mas também para promover um novo envolvimento entre sujeitos e organizações, afetando toda a cultura da sociedade.
Redes de mídia podem complementar a prática de planejamento urbano, permitindo novas maneiras de tipificar padrões de interação entre os atores envolvidos (43). No entanto, essas ferramentas não foram utilizadas/concebidas como instrumento de design urbano. Nesse contexto, ao analisar mídias móveis como uma estratégia para o design urbano, é importante considerar que elas não foram desenvolvidas para aprimorar a experiência e a funcionalidade da cidade, mas, ao serem incorporadas nas práticas sociais, podem contribuir para esse propósito.
Observa-se que o problema das tecnologias e mídias digitais na cidade contemporânea se materializa na forma de um fenômeno relativamente novo, que é rapidamente estruturado, consolidado e transfigurado. Ele se apresenta à sociedade, de maneira dinâmica e fluida, com a justaposição entre a camada física e a virtual. As mídias móveis se apresentam como agentes de extensão, produção e disseminação da vida cotidiana em suas diversas dimensões de realidade e, se utilizadas em conjunto com estratégias de design urbano, podem contribuir para o planejamento, produção e gestão da cidade.
Mídia móvel como teleológica
Na perspectiva teleológica, as redefinições da estrutura cultural da sociedade, mediadas pela computação, oferecem acesso democrático a esses objetos midiáticos, com a imediatidade como um fator que ajuda a quebrar os limites da distância entre o observador e o observado (44). A relação entre sociedade e cidade também pode ser vista como uma esfera de interação, na qual a materialização dessas mídias transforma toda a estrutura social em termos de acesso, interação e percepção. Devido às características fluidas, dinâmicas e imprevisíveis desses artefatos, a forma de vivenciar a realidade muda. O cidadão não é mais apenas um espectador, mas passa a trilhar seus caminhos dentro dessas mídias, como parte fundamental da interação entre ser humano e computador.
Além disso, as mídias digitais seguem as necessidades e objetivos reais das pessoas de maneiras impulsionadas pelo momento presente, renovando-se com base na demanda situacional do usuário. Focando na cidade como um espaço para produção econômica, as mídias móveis podem atuar como um motor de desenvolvimento, proporcionando uma variedade de oportunidades em diferentes esferas da cidade. Elas estão transformando a maneira como as pessoas consomem, movendo a economia para a Gig Economy, oferecendo uma gama mais ampla de negócios locais e contratando profissionais para realizar serviços temporários, como freelancers e autônomos (45).
Por fim, analisa-se a relação entre o poder e a cidade, considerando a cidade como um sistema de comunicação e uma esfera de lutas sociais. Nesse cenário, as mídias móveis têm sido usadas para promover transparência na administração pública, conectando partes interessadas envolvidas na consulta, geração e disseminação de dados abertos. Como exemplo, em 2011, a cidade de Berlim promoveu o desenvolvimento de uma plataforma de dados abertos, buscando transparência e direcionando-se para a criação de diversas mídias móveis que poderiam aumentar a informação e acesso de seus cidadãos aos serviços públicos (46). Dessa forma, as mídias móveis podem ser vistas como um mecanismo que enfatiza as propriedades do ambiente construído, gerando novos modos de redes de serviços e comércio, e proporcionando novas formas de interação, experimentação e ação para os cidadãos no espaço urbano.
Mídia móvel como catalítica
Num mundo globalizado, as mídias móveis podem ser um catalisador útil para melhorar os espaços urbanos públicos e privados e o ambiente construído. Nesse sentido, o desenvolvimento urbano comunitário, econômico e internacional pode considerar o uso de mídias móveis como uma estratégia complementar e não como um fim absoluto. Ou seja, as mídias devem ser usadas para contribuir com outras estratégias de design urbano. Assim, o impacto da criação de artefatos midiáticos pode afetar não apenas os aspectos sociais de uma comunidade, mas também refletir na economia e visibilidade locais. Os indivíduos experimentam a cidade por meio do uso dessas mídias, participando da arena política e cultural da cidade.
Em Amsterdã, por exemplo, foi desenvolvido um aplicativo móvel como uma ferramenta pedagógica, apresentando a história da cidade por meio de um mapeamento digital (47). A sobreposição de narrativas históricas transcodificadas para o sistema digital proporciona uma expansão da experiência dos estudantes dentro de seu próprio contexto urbano/histórico, fortalecendo laços afetivos e significativos com o espaço urbano. Esse exemplo demonstra que essas mídias podem atuar como uma ferramenta que explora e fortalece a singularidade do local, aproveitando-a como uma oportunidade para aprimorar o caráter, a identidade e a natureza do território. Esse tipo de mídia móvel também pode ser visto como um catalisador para melhorar o setor de turismo, atraindo turistas de todo o mundo e, consequentemente, aumentando a economia e a visibilidade global da comunidade. Isso se deve ao fato de que qualquer dispositivo conectado a uma rede pode se tornar um ponto tangível de distribuição global de recursos, serviços e informações (48).
Demonstrando a ação catalítica das mídias no processo de design urbano, essas mídias estão se tornando oportunidades para melhorar o desenvolvimento da cidade, possibilitando novas construções sociais e padrões urbanos (49). O autor também menciona que investimentos, ofertas de emprego e poder econômico estão atualmente direcionados para regiões onde ferramentas digitais são exploradas como meio de ação.
Mídias digitais como Strava, Ingress, Pokémon Go, Google Earth e outros são exemplos de mídias locativas, nas quais cidadãos, governo e agências urbanas podem se beneficiar da aplicação como indicador de infraestrutura. Isso pode ter um efeito na participação pública, estabelecimento de zonas de intervenção, dando e reforçando a voz de diferentes grupos sociais, e atuando nas demandas de emergência da cidade.
Observa-se que a possibilidade de conexões, através da internet, de qualquer lugar modifica a experiência do usuário ao viajar por uma cidade, permitindo "envolver contextos remotos dentro do contexto atual" (50). Em outras palavras, as mídias móveis aprimoram as interações dos cidadãos com o ambiente, expandindo práticas sociais e condutas espaciais.
Mídia móvel como relevante
Analisar as mídias móveis como relevantes pode levar a dois caminhos: o primeiro pode ser visto como um instrumento que possibilita a coleta de rastros e vestígios de usuários pelo espaço, e o segundo como uma forma de potencializar as atividades dos cidadãos no espaço urbano.
A era da informação pode ser compreendida pela facilidade de acesso e compartilhamento de informações, onde artefatos midiáticos e usuários são considerados os principais atores envolvidos nesse processo. Observa-se que as mídias móveis se tornaram um instrumento inovador em diversas disciplinas. No caso do design urbano, esses objetos podem auxiliar na produção espacial, interferindo nos padrões de movimento e mobilidade do usuário pelo espaço e facilitando a conexão entre pessoas e o lugar que habitam (51).
Além disso, as mídias móveis tornam-se um indicador da cidade como um organismo vivo e dinâmico, expandindo e modificando relações sociais, econômicas e culturais na sociedade. Nesse contexto, observa-se que o usuário lida com novos modos de interação, nos quais a mídia digital está capturando e transcodificando informações, interferindo mutuamente no usuário e no ambiente.
Ao considerar o comportamento humano como o principal fator que caracteriza o design urbano como relevante, Gehl (52) discute as atividades externas (necessárias, opcionais, sociais) que são importantes para a relação entre o usuário e a cidade. Por meio dessas atividades, o uso das mídias móveis promove uma variabilidade de informações que leva à compreensão de como as pessoas têm se movimentado pela cidade, sendo possível ver os "padrões de movimento e mobilidade em ambientes urbanos tornarem-se a base para encontrar esse espaço significativo" (53). Os seres humanos raramente prestam atenção nas inúmeras maneiras pelas quais afetam seus ambientes, e é nesses vestígios que o profissional qualificado pode obter muitas informações sobre como o espaço é impactado por seus ocupantes. É quase impossível interagir com qualquer coisa sem deixar algo para trás ou de alguma forma alterar seu estado. Por meio da observação empírica dessas evidências, é possível coletar um número considerável de informações. Esses vestígios podem reforçar a reinterpretação e transformação do design urbano, resultando em espaços sensíveis à escala humana e consistentes com a história da comunidade.
Por outro lado, podem ser encontradas diversas aplicações que utilizam elementos do mundo real dentro de um contexto virtual, como Ingress, WallaMe and Waze. O surgimento destas aplicações baseadas em localização permite uma nova realidade para a sociedade, utilizando a cidade como um quadro digital (54). Por esta classe de aplicações estar diretamente ligada à dimensão espacial da cidade, nota-se a consciência do ambiente, através dos sentidos humanos, a partir da criação de significados para o espaço (55). Além disso, a possibilidade de ação e construção do espaço digital, a partir da percepção e experiência dos usuários, proporciona a elucidação dos espaços virtuais, direcionando-se para a estruturação espacial híbrida da cidade contemporânea.
O jogo móvel Pokémon Go é um exemplo de um aplicativo com essa abordagem. Lançado em 2016, o jogo alcançou uma audiência de mais de 40 milhões de usuários em seu primeiro dia de lançamento. Mesmo quatro anos depois, o aplicativo ainda possui uma audiência significativa, sendo possível encontrar jogadores nas ruas. Muitos autores (56) têm relatado vários casos envolvendo o uso do aplicativo. Eles abordam problemas como acidentes nas ruas e falta de segurança em alguns países, mas também comentam sobre a redefinição de uso e ressignificação de espaços públicos, bem como o fenômeno como um estímulo à prática esportiva, levando o usuário a melhores condições de saúde.
Outros exemplos são os aplicativos que promovem novos modos de locomoção pela cidade. No Brasil, aplicativos como Uber, Grin, Yellow, e aplicativos de transporte público atuam como estímulo a uma nova esfera do modo público-privado de transporte. Esses aplicativos geram novos comportamentos experienciais para os cidadãos e podem ser associados ao design urbano relevante.
Considerações finais
O presente trabalho buscou abordar as críticas de Aseem Inam ao design urbano contemporâneo, no qual o autor apresentou as abordagens de um design urbano significativo: teleológico, catalítico e relevante. Por meio dessas abordagens, o trabalho traçou análises e conceitos das mídias móveis como um instrumento que pode aprimorar o campo do design urbano. É importante abordar essa disciplina não apenas como um design formal, mas considerando que ela engloba estética, forma, funcionalidade, economia, política e desenvolvimento social, demonstrando que o design urbano muda ao longo do tempo à medida que novas necessidades surgem na cidade contemporânea.
A partir do momento em que as mídias digitais se difundem em formas diversas na sociedade, novos paradigmas de interação emergem para as disciplinas de design. Por meio da globalização, na qual as fronteiras se unificam, os espaços urbanos, sejam reais ou virtuais, se apresentam como uma esfera de sociabilidade para a população. A experiência do uso das mídias móveis se manifesta primeiro no ser humano para, em seguida, refletir no espaço construído. Nesse sentido, as mídias móveis podem ser consideradas como uma ferramenta na disciplina do design urbano.
Como teleológico, as mídias móveis podem auxiliar em um processo contínuo enfrentando desenvolvimentos sociais, incluindo comunidade, economia, internacionalização, sustentabilidade e ambientes urbanos férteis. A camada virtual, invisível a olho nu, renova laços sociais e econômicos, modificando o comportamento do ser humano.
A emergência das mídias móveis na vida urbana tem acelerado as atividades cotidianas, percebendo que essas novas ferramentas não apenas modificam as experiências do ser humano, mas refletem diretamente no uso e ocupação dos espaços urbanos. Nesse sentido, ao analisar a mídia como um catalisador, observou-se que é a maneira mais importante pela qual as mídias móveis podem atuar na vida urbana. Um instrumento que pode promover transformações nas interações das pessoas, sejam elas físicas ou não, humanas ou não humanas. Com isso, é possível inferir que diversos aplicativos, que não foram criados para fins de design arquitetônico e urbano, influenciam diretamente a dinâmica do sujeito como parte integrante da cidade, podendo atuar como um catalisador em intervenções urbanas, especialmente em casos que demandam resultados a médio e longo prazo.
A relação entre cidadãos e mídias móveis impacta diretamente na dinâmica urbana, como discutido no design urbano relevante. A participação da população como atores ativos e interativos em objetos de mídia proporciona novas formas de viver, se relacionar e significar os espaços da cidade.
Portanto, através dessa análise, este trabalho sugere que os arquitetos e urbanistas devem se apropriar de objetos de mídia juntamente com o conhecimento do processo de design, planejamento urbano, gestão e construção, reforçando que o uso do computador não deve ser restrito a um instrumento de representação gráfica, mas incorporado em elementos fluidos, mutáveis, codificados e automatizados em toda a esfera da disciplina. Assim, a informação não deve ser vista apenas como um reflexo da experiência humana, mas como um processo de mutação e adaptação às novas necessidades que surgem na sociedade contemporânea. Não há dúvida sobre a importância da reflexão da cidade integrada aos sistemas digitais, na qual os profissionais do ambiente construído podem prestar atenção a essas experiências para delinear novas possibilidades para o design urbano contemporâneo.
notas
1
INAM, Aseem. Meaningful Urban Design: Teleological/ Catalytic/ Relevant. Journal of Urban design, v. 7, n. 1, 2002, p. 35.
2
CULLEN, Gordon. The Concise Townscape. London, Van Nostrand Reinhold, 1961, p. 7–19.
3
JACOBS, Allan; APPLEYARD, Donald. Toward an urban design manifesto. Journal of the American Planning Association, v. 53, n. 1, 1987, p. 113.
4
INAM, Aseem. Op. cit., p. 38.
5
LEMOS, André. Cibercultura y movilidad: una era de conexión. Razon y Palabra, v. 22, n. 1_100, 2018, p. 107–111.
6
MANOVICH, Lev. Novas mídias como tecnologia e idéia: dez definições. In LEÃO, Lucia (org.). O chip e o caleidoscópio: reflexões sobre as novas mídias. São Paulo, Senac, 2005. p. 26–27.
7
DE SOUZA E SILVA, Adriana. From cyber to hybrid: Mobile technologies as interfaces of hybrid spaces. Space and Culture, v. 9, n. 3, 2006, p. 262.
8
MARCHI, Polise Moreira de. Interface entre cidade e tecnologia : a experiência do espaço tecnológico. Urbe. Revista Brasileira de Gestão Urbana, v. 3, n. 1, 2011, p. 32.
9
INAM, Aseem. Op. cit., p. 35–58.
10
MITCHELL, William J. E-topia: A vida urbana — mas não como a conhecemos. São Paulo, Senac, 2002, p. 62.
11
MITCHELL, William J. Op. cit., p. 62.
12
MANOVICH, Lev. The Language of New Media. Cambridge, MIT Press, 2001, p. 69.
13
CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. 19ª edição. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 2018, p. 83.
14
MITCHELL, William J. Op. cit., p. 62.
15
MANOVICH, Lev. The Language of New Media (op. cit.), p. 16.
16
Idem, ibidem, p. 64–65.
17
HOELZL, Ingrid; MARIE, Rémi. Brave New City: the image in the urban data-space. Visual Communication, v. 15, n. 3, 2016, p. 372.
18
DE SOUZA E SILVA, Adriana. Op. cit., p. 263.
19
MANOVICH, Lev. The Language of New Media (op. cit.), p. 65–66.
20
LEFEBVRE, Henri. The production of space. Maiden, Blackwell Publishing, 1991, p. 68–168.
21
MITCHELL, William J. Op. cit., p. 78.
22
LEFEBVRE, Henri. Op. cit., p. 33.
23
COWARD, Martin. Between us in the city: Materiality, subjectivity, and community in the era of global urbanization. Environment and Planning D: Society and Space, v. 30, n. 3, 2012, p. 469.
24
JIN, Jiayi. New Poetics of Augmented Space : Re-conceptualise Augmented Space Based on Fundamentals of Augmented Reality. In Lecturer at Museums and the Web, 2016, Los Angeles. 2016.
25
SANTOS, Milton. Metamorfoses do espaço habitado. São Paulo, Hucitec, 1988, p. 9.
26
JIN, Jiayi. Op. cit.
27
GASTAL, Susana. Imaginário urbano: relendo o texto praça. 2005, Anais do III Sopcom, VI Lusocom e II Ibérico, v. II, Portugal, 2005, p. 212–213.
28
BREWER, Johana; DOURISH, Paul. Storied spaces : Cultural accounts of mobility, technology, and environmental knowing. International Journal of Human-Computer Studies, v. 66, 2008, p. 965.
29
SCHMID, Christian. A teoria da produção do espaço de Henri Lefebvre: Em direção a uma dialética tridimencional. Geousp: espaço e tempo, n. 32, 2012, p. 107.
30
MANOVICH, Lev. The Language of New Media (op. cit.), p. 111.
31
ABDEL-AZIZ, Ayat Ayman; ABDEL-SALAM, Hassan; EL-SAYAD, Zeyad. The role of ICTs in creating the new social public place of the digital era. Alexandria Engineering Journal, v. 55, n. 1, 2016, p. 491–492.
32
NORBERG-SCHULZ, Christian. O pensamento de Heidegger sobre arquitetura. In NESBITT, Kate (org.). Uma nova agenda para a arquitetura: antologia teórica (1965–1995). 2a edição. São Paulo, Cosac Naify, 2008. p. 470–471.
33
INAM, Aseem. Op. cit., p. 38.
34
INAM, Aseem. Op. cit., p. 37. Tradução dos autores.
35
Idem, ibidem, p. 38.
36
Idem, ibidem, p. 38.
37
Idem, ibidem, p. 38–39.
38
Idem, ibidem, p. 39-48.
39
INAM, Aseem. Op. cit., p. 48–53.
40
CASTELLS, Manuel. Op. cit.
41
MANOVICH, Lev. The Language of New Media (op. cit.).
42
MCLUHAN, Marshall. The Playboy Interview. In MCLUHAN, MARSHALL; ZINGRONE, FRANK (org.). The Essential McLuhan. New York, Harper Collins, 1998. p. 233–269.
43
NETTO, Vinicius M.; VARGAS, Julio Celso; SABOYA, Renato. A revolução dos dados e a nova ciência das cidades. Revista de Morfologia Urbana, v. 8, n. 1, 2020, p. 1–9.
44
MANOVICH, Lev. Novas mídias como tecnologia e idéia: dez definições (op.cit.), p. 24–50.
45
DESJARDINS, Jeff. The 150 Apps that Power the Gig Economy. Visual Capitalist, Vancouver, May 6 2019 <https://bit.ly/3Zlcxlh>.
46
SEIBEL, Benjamin. Open Data in der Praxis. Berlin, [s.n.], 2016 <https://bit.ly/4geoFeA>.
47
DE SOUZA E SILVA, Adriana. Op. cit., p. 261–278.
48
MITCHELL, William J. Op. cit.
49
Idem, ibidem.
50
DE SOUZA E SILVA, Adriana. Op. cit., p. 262.
51
ABDEL-AZIZ, Ayat Ayman; ABDEL-SALAM, Hassan; EL-SAYAD, Zeyad.Op. cit., p. 491–492.
52
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sobre os autores
Gustavo Henrique Campos de Faria é arquiteto e urbanista pelo Cumih, mestre em arquitetura da cidade pelo PósARQ UFSC e doutorando em arquitetura pelo NPGAU UFMG.
Sara Dotta Correa é graduada e mestre em arquitetura e urbanismo pela Universidade Federal de Santa Catarina. Também possui mestrado em Engenharia civil na área de building information modeling pela University of Ljubljana, na Eslovênia. Atualmente é docente do ensino superior no Centro Universitário para o Desenvolvimento do Alto Vale do Itajaí.
Carlos Eduardo Verzola Vaz é professor de arquitetura e urbanismo da Universidade Federal de Santa Catarina. Desenvolve pesquisas na área de design computacional, que inclui a aplicação de teorias, tecnologias da computação, lógica e matemática à arquitetura e ao urbanismo.