Your browser is out-of-date.

In order to have a more interesting navigation, we suggest upgrading your browser, clicking in one of the following links.
All browsers are free and easy to install.

 
  • in vitruvius
    • in magazines
    • in journal
  • \/
  •  

research

magazines

architexts ISSN 1809-6298

abstracts

português
Este artigo discute a importância da noção de materialidade acerca dos documentos que constituem um arquivo, e o que a manutenção e reprodução criteriosa dos aspectos constitutivos de um objeto pode trazer de contribuição para a disciplina.

english
This article discusses the importance of the notion of materiality in the approach towards documents that constitute an archive, and how a criterious maintenance and reproduction of the constitutive aspects of an object can contribute to the discipline.

español
Este artículo analiza la importancia de la noción de materialidad a respecto de los documentos que constituyen un archivo, y lo que el cuidadoso mantenimiento y reproducción de los aspectos constitutivos de un objeto puede aportar a la disciplina.


how to quote

CANEPA, Bruna. Arquitetura para além da visualidade. A tradução da materialidade na reprodução e circulação de seus objetos. Arquitextos, São Paulo, ano 24, n. 291.01, Vitruvius, ago. 2024 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/24.291/9019>.

Em um cenário atual, no qual obras emblemáticas da arquitetura vêm tendo suas prévias leituras revisadas, mas não somente, no qual publicações históricas também vêm sendo reeditadas, nota-se um aspecto em comum, apesar de não muito óbvio: a falta de protagonismo ou, em alguns casos, a quase ausência, da noção de materialidade na releitura e reinterpretação destes documentos, desde livros inteiros à pontuais projetos e seus respectivos desenhos. Falamos em noção pois, a materialidade em si, inerente aos objetos, nunca estará ausente no processo ou no resultado à revisão destes documentos, mas o que pode estar faltante são os critérios com as quais esta materialidade original é maximizada ou diluída em suas traduções, ao passo que sua relevância é ou não considerada — o que inevitavelmente implicará na qualidade e na potencialidade na qual poderemos acessar e analisar estes documentos através de suas reproduções.

No entanto, de qual materialidade (1) estamos falando? Partindo dos estudos oriundos da cultura material (2), com seu surgimento nas disciplinas da arqueologia e da antropologia no final do século 20, e subsequentemente entremeada a outras com seus particulares desdobramentos e métodos, o ponto comum e elementar a elas, assim como a este texto é: a noção de materialidade diz respeito ao entendimento de que documentos são objetos tridimensionais, e o quanto uma análise aprofundada a estes aspectos constitutivos, para além de suas textualidades e visualidades, podem contribuir para a ampliação de investigações e elaborações de novas perguntas dentro da História. Esta fundamental dimensão dada aos aspectos constituintes dos objetos está atrelada a discussões correntes nas últimas décadas, atravessando as disciplinas das humanidades, mas é particularmente nos estudos desenvolvidos dentro do campo da História da Arte de onde emprestamos os estudos mais lapidados acerca do tema e de seus artefatos, sendo possível encontrar análises com embasamento teórico-metodológico (3) mais estabelecidos do que no campo da História da Arquitetura. Apesar dos documentos históricos de ambas as disciplinas terem naturezas diferentes, e em outra ocasião ser possível se prolongar sobre a dualidade da essência de um desenho de arquitetura enquanto documento informativo e técnico versus a sua elaboração artística e imagética (4), é a partir desse tímido coro em nosso particular contexto disciplinar, e a necessidade de amplificá-lo, que esse artigo levanta as questões consideradas aqui cruciais de serem evidenciadas para tanto.

Nos atentando em especial aos desenhos de arquitetura, e ao compreendermos que as suas reproduções nas dinâmicas relativas ao seu contexto são inescapáveis, seja do manual para o digital ou do digital para o impresso, e vice versa, fica evidente que se trata de uma discussão que se atente para os critérios e qualidade dessas traduções, visto que a existência e a relevância desses aspectos não é uma questão de escolha, e sim elementar aos processos de circulação da arquitetura, seja em seus estabelecidos circuitos digitais ou físicos.

Um desenho não é apenas uma imagem, e sim um objeto tridimensional. Portanto, sua relevância enquanto documento está para além de seus aspectos técnico-informativos-visuais. Construído através de ferramentas, materiais e suportes específicos, fruto de um conjunto de técnicas correspondente a estas, o valor na compreensão de sua materialidade e instrumentalidade importa tanto para os elaborados manualmente quanto para os elaborados digitalmente, tendo em vista que o digital também é portador de particular fisicalidade e suportes e ambas naturezas se relacionam em contextos similares, mas também específicos e mesclados. Portanto, não se trata de um preciosismo nostálgico aos aspectos originais de um desenho em um contexto de elaboração manual, ou sequer ao desejo de retomada destes, mas sim da necessidade da preservação da natureza elementar de um documento desenhado em seus respectivos e distintos períodos históricos a partir de seu profundo entendimento, desde sua condição de documento primário e salvaguardado de arquivo às suas reproduções para consulta e em circulação, sejam eles originalmente elaborados por um arsenal técnico-instrumental manual ou digital.

Sendo assim, ao nos aproximarmos de um exemplo específico, a recém publicada reedição de Brazil Builds: Arquitetura moderna e antiga (5), catálogo originalmente publicado em 1943 pelo Museum of Modern Art — MoMA e fruto de uma exposição de mesmo título, podemos demonstrar alguns dos pontos que se pretende discutir aqui. Nesse sentido, apesar de estarmos evocando e evidenciando a elementar materialidade do desenho de arquitetura, assim como de suas reproduções em publicações, essa noção se estende para as fotografias e para o próprio livro, que também pode ser um objeto e documento histórico, como no caso da publicação em questão.

 

Imagem 02

 

Organizado ao longo de quase duzentas páginas ocupadas por textos, fotografias, desenhos e reproduções de maquetes, através do recorte curatorial do arquiteto norte americano Philip L. Goodwin, é apresentado ali um particular panorama da arquitetura moderna brasileira na época. Oitenta anos depois, o livro é reeditado e reimpresso pela editora brasileira Ikrek com similaridades e discrepâncias, pendendo para um dos lados dependendo do ponto de vista mobilizado para análise. Aqui, ao investigarmos a nova versão por uma perspectiva atenta aos aspectos materiais deste documento histórico como principal orientação, as discrepâncias se despontam em relação às similaridades, ao passo em que estas se atem principalmente aos aspectos técnico-informativos e visuais do livro original em questão, deixando escapar camadas complexas e importantes na tradução deste objeto-documento.

Nesta nova edição, todos os desenhos foram atentamente refeitos, sendo alguns deles atualizados com ênfase nos detalhes construtivos, considerando mudanças que não necessariamente estavam registradas nas reproduções originais dos desenhos do livro, mas sim concretizados em seus projetos edificados, enquanto outros foram redesenhados aos mínimos detalhes mimetizando os próprios desenhos manualmente elaborados e apresentados no livro de 1943. Em alguns desses, os mínimos detalhes acompanham fielmente os traçados da arquitetura, mas eliminam trechos originais como indicações de norte, escala gráfica e textos em suas traduções, atualizando-os com versões computadorizadas que não partem integralmente do registro inicial, o que resulta em um desenho de referência dúbia, parte transcrito parte adicionado. No entanto, esses detalhes informativos e à margem do assunto central da folha também são considerados desenho no campo do documento, e fazem parte da totalidade do objeto, ao passo que sua leitura parcial nos dá a sensação de incongruência entre o que é de fato redesenhado tendo como matriz a publicação original ou não, mesmo se tratando de um único desenho — critério que também oscila ao longo das traduções desenhadas do livro. Apesar de serem fruto de um trabalho dedicado e criterioso, o olhar às características constitutivas desses objetos em si não nos parece ser uma das linhas guias da reedição — o que não surpreendente, vide a insipiência da discussão dentro da disciplina, mas a sua falta nos incentiva a buscá-la.

É importante ressaltar a relevância destes redesenhos como método de investigação para uma aprofundada leitura em relação aos projetos em questão, assim como ferramenta potente e essencial para uma análise crítica que acrescente à discursiva. As traduções desenhadas são resultado de uma pesquisa extensa e atenta aos descompassos entre versões de desenhos versus seus projetos edificados e, assim, de grande valor para as discussões estabelecidas. Além da importante dimensão de seu uso instrumental para uma pesquisa, o acúmulo informativo gerado em seu processo, e não só o redesenho final, é extremamente valioso como análise científica e investigativa, podendo ofertar perspectivas aproximadas ao objeto-documento que uma análise textual ou de observação não são capazes de nos ofertar. No entanto, proporcionado pela complexidade desta tarefa, nos interessa trazer algumas das decisões deste particular processo de reedição e redesenhos para a discussão.

Ao olharmos para as páginas e suas diagramações, também podemos notar composições que, em parte, seguem o registro das páginas originais, mas quando considera-se necessário, provavelmente por um critério de legibilidade e organização, elas são modificadas e adaptadas. Porém, como em qualquer outro objeto-documento elaborado e construído em uma composição particular, é a combinação de volumes de texto, fotografias e desenhos que se configura a totalidade desse livro. No desmanchar parcial dessa completude, fica a sensação de que a sua reelaboração poderia deixar mais explícita suas aproximações ou os seus distanciamentos dentro de sua resolução interna, visto que esses limiares não ficam claros, mas nos importam. O problema não reside exatamente no quanto se deve ou não modificar em uma reelaboração, mas o quanto desse percurso do fazer é exposto ao leitor como informação diretamente valorosa ao seu conteúdo. Mesmo se tratando de uma leitura decididamente parcial aos critérios elencados aqui, em menor ou maior grau, e que esteja estabelecido com transparência até que ponto uma certa reelaboração de um documento pode chegar, ou o quanto pode contribuir informativamente, especialmente quando se apresentar como nova versão definitiva. Essa referência é válida tanto para reacessar a primeira edição quanto para uma eventual e futura reedição, podendo, assim, contextualizá-las em um arco histórico.

Em sua página oficial, o MoMA oferta o acesso a digitalização da sua publicação original, e apesar de apresentá-la do começo ao fim, a disponibiliza em metades, secionando o livro em dois, deixando escapar a importância de seu entendimento como um objeto único, assim como grande parte dos artefatos de seu acervo é reproduzido. Suas páginas escaneadas e sem muito respiro lateral, nos indicam, não intencionalmente, vestígios do volume de suas páginas e capa, denotando uma inescapável concretude às informações disponíveis ali, inclusive a da ação do tempo. No entanto, não é possível compreender a sua escala, as suas exatas dimensões, o seu volume, ou sequer as relações estabelecidas entre imagens e textos em suas páginas duplas. Fica claro que a materialidade capturada ali, em toda sua inevitabilidade, não foi conscientemente compreendida e apresentada. A falta de protagonismo das características materiais destes objetos em suas reproduções não significa necessariamente o descaso com a sua relevância da parte de quem se compromete a elaborar novas versões, sejam elas materializadas fisicamente ou digitalmente, mas nos indica uma falta de consistência e entendimento em relação a demanda e a necessidade do tema salientado aqui, e o quanto a lacuna das discussões acerca da materialidade dos objetos de arquivo dentro da disciplina, quando não enfrentados por este viés, são refletidos em reproduções não-integrais realizadas a partir destes.

 

Imagem 03

Imagem 04

 

De uma forma geral, os critérios de elaboração dos redesenhos e reproduções nas publicações e reedições partem prioritariamente da relevância dada aos seus aspectos técnico-informativos, ou de seus aspectos visuais. Mas estes não bastam para a garantia de uma leitura integral a um documento, sejam eles desenhos ou livros. Sendo assim, quais os limites entre o simulacro e uma tradução que se atente as características elementares de um objeto histórico? É possível nos guiarmos prioritariamente por aspectos de registro visual, sem nos comprometermos com a acurácia destas traduções no que diz respeito a sua natureza constitutiva? Como mitigar os incontornáveis descompassos de maneira criteriosa?

Enquanto documentos históricos, seja o próprio livro original ou os desenhos contidos nele, nos cabe questionar as camadas informativas que não foram consideradas em suas refações — essenciais ao entendimento integral não só de como o livro foi originalmente construído e circulado, mas de como e em quais circunstâncias os seus desenhos foram originalmente elaborados e ali reproduzidos. Esse tipo de análise não nos diz respeito somente sobre retraçar produções passadas, mas também nos possibilita entendê-las em relação aos processos correntes no contexto presente, articulando distintos períodos a fim de amplificar as discussões postas no campo, ao passo que podemos tecer tantas outras.

 

Imagem 05

 

Se ao suprimirmos as características elementares destes documentos estamos elaborando reproduções materialmente não-criteriosas, talvez uma transparência aos processos que levaram às decisões tomadas (como, por exemplo, a demonstração do caminho do processo investigativo do original ao seu redesenho final) seja uma considerável possibilidade tendo em vista estas reedições, assim como as revisões históricas ao texto original são apresentadas ao longo das notas do editor. A importância de se reproduzir, acessar e circular informação é imensurável inquestionável, mas se uma nova versão de um objeto será reconstruída fisicamente, como não considerar a sua natureza primordial em suas novas elaborações, as características materiais de sua própria fisicalidade? Nesse sentido, vale ponderar: o que esse novo objeto em circulação nos traz e nos oferece de informação e materialidade para além do que se pode consultar digitalmente? Se há o esforço da elaboração material, ela própria também deve protagonizar esse esforço, de maneira que a concretização desse novo objeto não se materialize como consequência de uma inevitável natureza elementar, mas sim de uma criteriosa e consciente leitura acerca da reedição em questão, concebida, assim, como potência crítica para além do seu conteúdo imaterial.

É possível argumentar que uma publicação não necessariamente precise dar conta de todos os aspectos contidos na imensa gama de discussões que o olhar crítico acerca de uma obra ou documento da arquitetura possa proporcionar, mas a questão vai para além da curadoria editorial ou do recorte teórico ao objeto em questão. Se estamos construindo novas versões de documentos históricos, concretizados em objetos, em um mundo saturado de coisas, com quais cuidados e critérios a essa materialidade estas novas versões estão sendo feitas? Ao pensarmos na preservação da integridade em que estes documentos e suas reproduções devem ter para serem mobilizados e acessados futuramente, o que estamos apagando, modificando e o que estamos escolhendo assegurar ou manter?

 

Imagem 06

 

Aqui, o ponto central a ser discutido não reside exatamente em tecer análises críticas a respeito da qualidade gráfica, curatorial ou política destas releituras e suas traduções, mas de como a necessidade do entendimento e manutenção da natureza elementar destes documentos — a de que eles são objetos com lastro histórico — justamente as precede e as garante. A importância de uma aproximação atenta aos aspectos materiais dos objetos históricos de um arquivo reside no fato de que, além da inquestionável necessidade de se manter a integralidade física destes, é na possibilidade de mobilizá-los e reativá-los para novas leituras, em sua total complexidade, que a história pode ser continuamente revisada e expandida.

O que a princípio pode ser lido como falta de clareza e detalhes na apresentação de informações em um desenho original, ou em pontuais reproduções históricas, é justamente onde muitos dos vestígios de como aquele objeto foi construído pode ampliar concepções já estabelecidas: a qual contexto social e econômico ele está atrelado, quais as limitações das tecnologias existentes no período de sua feitura, quais eram as dinâmicas laborais vigentes, quais os agentes responsáveis pela construção deste objeto, como singulares maneiras de fazer apontam para uma heterogeneidade em oposição à uma suposta homogeneidade do fazer — e o quanto isso tudo pode resignificar e reestruturar conceitos já estabelecidos. É na manutenção dos ruídos, e não na busca de sua assepsia onde reside a oportunidade de revisão e questionamento. Sendo assim, é através dos aspectos constitutivos do objeto que está a garantia de podermos mobiliza-los qualitativamente e seguidamente, e assim contribuir para a expansão de um campo informativo referente aos mesmos, ao passo que a manutenção da complexidade desse acesso e leitura tem a capacidade de viabilizar insumos necessários para ativações imprescindíveis — desde viabilizar a expansão de produções pouco estudadas por entradas não convencionais, à desconstrução de cânones já cristalizados.

Sendo assim, como parte de um sistema, a reprodução da materialidade nas reproduções e publicações em circulação tem que estar na mesma ordem de importância do que os outros aspectos fundamentais e críticos de uma releitura de uma produção, mesmo que estas não sejam as características mais relevantes da discussão posta na construção destes novos objetos. Ela é a certificação da chance de acessarmos a complexidade de informações de que um desenho, um documento de arquivo, pode e tem a proporcionar.

 

Imagem 07

Imagem 08

 

Compreende-se que para a viabilização de uma publicação, esta necessariamente responda a questões de ordem orçamentária: volume de páginas, gramatura das folhas, sua dimensão, impressão a cores ou preto e branco, a quantidade de imagens em relação a quantidade de textos, etc. No entanto, sejam quais forem as decisões tomadas durante esse processo, é valioso à discussão ofertar qual o caminho do documento até ali, a qual percurso ele foi submetido, quando invariavelmente se trata de uma específica leitura, ou uma versão entre as infinitas outras possíveis — que também irá somar e passar a contar a história e o trajeto de seu objeto em questão. Ao passo que uma nova versão de um objeto de arquivo é reelaborado, ele também passa a fazer parte do campo de interesses às discussões e análises acerca deste documento. Portanto, por uma perspectiva técnica-histórica, como um documento foi sequencialmente digitalizado, reproduzido e reelaborado importa tanto quanto o percurso dos desdobramentos teóricos e críticos referentes a seus conteúdos.

Ao trazermos a discussão mais especificamente para o contexto dos arquivos de arquitetura (6) e da debandada de coleções inteiras (7) do território nacional, questiona-se a promessa de viabilizá-los em acessos digitais e remotos como contrapartida e solução de um impasse diplomático, visto que o acesso a imagem de um objeto de arquivo proporciona uma leitura sobretudo a partir de sua visualidade, a partir de reproduções digitais de seus documentos matriz. Apesar da indiscutível importância da obtenção de extensos conjuntos de documentos a uma instituição, e a disputa pela salvaguarda física destes objetos inclusive fortificar a urgência de algumas das questões postas aqui, a maneira em que estes arquivos irão lidar com a inescapável demanda da digitalização e disponibilização destes documentos históricos é fundamental. A responsabilidade em que uma determinada instituição tem com a qualidade das reproduções que faz é crucial para assegurar não somente o futuro desses documentos como objetos ativos, mas a complexidade em que as suas particulares características podem ser de fato lidas e acessadas remotamente. Em um cenário global onde as demandas internas acerca da digitalização e manutenção dentro dos arquivos são fruto de um imensurável e constante esforço, concomitantemente caminha-se para a minimização da consulta presencial (8) a documentos originais, condição que também reforça a necessidade do cuidado com as reproduções a partir dos documentos, tendo em vista que a consulta remota é predominante em relação à consulta presencial no contexto dos arquivos.

Entende-se como um enorme dilema a relevância do acesso aos documentos em salvaguarda para pesquisadores e estudantes, em contraposição a crescente demanda pela minimização deste acesso, em prol da preservação destes objetos. Porém, mais uma vez, fica evidente que a noção criteriosa acerca da reprodução das materialidades e a discussão da mesma é crucial, tendo em vista de que é por estas reproduções que os documentos são e serão, cada vez mais, majoritariamente acessados e consultados. Não há uma resposta ou resolução única à questão da digitalização no âmbito dos arquivos, ou à complexidade e constante demanda da manutenção e conservação física e digital deste, mas mantê-las como pano de fundo para ações referentes ao cenário da circulação e resguardo dentro da disciplina, é determinante.

Talvez esse inconsistente e heterogêneo entendimento de materialidade, indissociável à infindável tarefa de reprodução de documentos — de um arquivo de arquitetura até seus outros circuitos — seja sintomática de como esse primeiro contato acontece, onde dependendo da qualidade na qual um objeto nos é inicialmente apresentado, é onde reside a possibilidade (em menor ou maior grau) de vislumbramento dos possíveis caminhos a serem percorridos ou destrinchados. Se é nesta primeira aproximação onde a leitura às materialidades tem seu ponto de partida, seja ela mais ou menos criteriosa, mas sempre presente, é também ela onde as trajetórias de reproduções podem ser fundamentalmente originadas, mas também recuperadas, retraçadas e reestruturadas. Ao passo que nos distanciamos destes vestígios, fica explícito que também estamos nos distanciando não só da integralidade destes objetos-documento, mas também de seus respectivos contextos culturais, sociais e históricos.

Ao reproduzirmos e circularmos desenhos (mas de maneira geral, objetos de um arquivo) os lendo apenas como imagens, e não para além dela, em sua totalidade tridimensional, corremos o risco de sermos parciais com a história. Se por um lado um olhar criterioso aos aspectos materiais nos explicita as fragilidades e lacunas de como entendemos e lidamos com os documentos no campo da arquitetura, por outro nos dá ferramentas, potencializa e evidencia materialmente não somente o podemos, mas o que devemos aprimorar.

 

Imagem 09

Imagem 10

 

notas

1
REDE, Marcelo. História a partir das coisas: tendências recentes nos estudos de cultura material. Anais do Museu Paulista: História e cultura material, n. 4 (v. 1), 1996, p. 265-282.

2
LUBAR, Steven; KINGERY, David W. History from Things: Essays on Material Culture. Washington, Smithsonian Institution Press, 1993.

3
GILBERT, Zanna; GOTTSCHALLER, Pia; LEARNER, Tom; PERCHUCK, Andrew. Purity is a Myth: The Materiality of Concrete Art from Argentina, Brazil and Uruguay. Los Angeles, Getty Research Institute Publications Program, 2021.

4
KAUFFMAN, Jordan. Drawing on Architecture: The Object of Lines, 1970 — 1990. Cambridge, MIT Press, 2018.

5
Brazil Builds: arquitetura moderna e antiga. 2ª edição. São Paulo, Ikrek, 2023.

6
LIRA, José; DELECAVE, Jonas; PRÓSPERO, Victor; FIAMMENGHI, João. Acervos de arquitetura como espaço histórico de formação. Anais do Museu Paulista: História e Cultura Material, v. 29, São Paulo, 2021, p. 1–31 <https://bit.ly/3ZBS9xy>.

7
LIRA, José. Arquitetura, acervos e barbárie. Folha de S. Paulo, São Paulo, 12 set. 2020 <https://bit.ly/41moQ3p>.

8
CASTRO, Ana Claudia Veiga de; SILVA, Joana Mello de Carvalho e; COSTA, Eduardo Augusto. Arquivos, memórias da cidade, historiografias da arquitetura e do urbanismo. Coleção Caramelo. São Paulo, FAU USP, 2021.

sobre a autora

Bruna Canepa é arquiteta (Escola da Cidade, 2013) e mestranda em História da Arquitetura e Urbanismo (FAU USP, 2021_), onde desenvolve a pesquisa "Uma arqueologia do desenho”. Atua como artista desde 2008, participando de exposições dentro e fora do Brasil.

comments

291.01 revisão historiográfica
abstracts
how to quote

languages

original: português

share

291

291.00 processo projetual

Uma filosofia da prancheta

A arquitetura e sua mesa de operações

Daniel Paz

291.02 tecnologia e espaço urbano

Realidade distorcida

Uma performance no Centro Leste de Florianópolis

Jéssica Caroline Rodrigues de Lima, Indiara Pinto Brezolin, Christian Cambruzzi da Silva, Maíra Longhinotti Felippe and Rodrigo Gonçalves dos Santos

newspaper


© 2000–2024 Vitruvius
All rights reserved

The sources are always responsible for the accuracy of the information provided