Constata-se, através da historiografia, que a maioria dos arquitetos que compuseram as primeiras gerações do modernismo arquitetônico atuavam, de maneira geral, na totalidade de seus projetos, muitos deles detalhando desde a estrutura física até os utensílios domésticos. Como exemplos mais significativos, pode-se mencionar nomes como Antonio Gaudí (1852-1926) na Casa Batllò, Le Corbusier (1887-1965) na Ville Savoye, Charles Reinne Mackintosh (1868-1928) na Casa da Colina e, no Brasil, Lucio Costa (1902-1998) no Grande Hotel de Friburgo. Há, pois, uma necessidade de personalização do espaço habitado, uma atividade que, com a urbanização crescente e a ampliação das demandas, gerou uma especialização profissional: a arquitetura de interiores.
Miriam Gurgel, em seu livro Projetando espaços — guia de arquitetura de interiores para áreas residenciais, afirma que
“A arquitetura de interiores deve criar ambientes onde a forma e a função, ou seja, a estética e a funcionalidade, convivam em perfeita harmonia e cujo projeto final seja o reflexo das aspirações de cada indivíduo” (1).
No Ceará, essa atividade começou a ser praticada de forma independente do projeto arquitetônico ainda na década de 1950, sendo exercida inicialmente por profissionais autodidatas, os chamados decoradores, em sua maioria do sexo feminino. Porém, com o surgimento crescente de habitações multifamiliares, o aumento da demanda e das exigências relacionadas às especificidades dos materiais e técnicas construtivas diversas, ocorreu uma transição para que esse ofício fosse exercido por profissionais com capacitação técnica mais específica.
A atividade de arquitetura de interiores passa a ser exercida então por arquitetos, uma vez que se trata de intervenção em projeto, alterando ou não sua concepção arquitetônica original.
Esta fase de mudanças na cidade de Fortaleza, ocorrida na década de 1970, coincide com o início da atuação da arquiteta Janete Costa (1932-2008), quando realizou projetos de interiores em obras emblemáticas, como o Edifício do Ministério da Fazenda e o Hotel Esplanada, além de algumas residências. Foi também o período da formação das primeiras mulheres arquitetas pela Escola de Artes e Arquitetura da Universidade Federal do Ceará.
Destaca-se, portanto, neste artigo, o papel da arquiteta Janete Costa no campo da arquitetura de interiores em Fortaleza e o modo como influenciou o trabalho das primeiras arquitetas que se envolveram nessa atividade. O objetivo é, pois, discorrer sobre os primeiros projetos executados por ela na cidade e sobre a origem da atuação das arquitetas cearenses na área, enfatizando a influência da mestra Janete e o consequente surgimento da chamada Escola Janete Costa no Ceará.
Nessa perspectiva, a relevância do trabalho se justifica em função do resgate e valorização do trabalho de arquitetas nesse campo, tendo Janete como inspiradora e exemplo de profissionalismo. Algumas dessas profissionais foram entrevistadas e seus depoimentos são destacados no artigo, que foi elaborado com base nestas entrevistas, na historiografia cearense relacionada ao tema e na bibliografia disponível sobre Janete Costa.
A primeira parte do artigo discorre sobre a atuação da arquiteta Janete Costa em Fortaleza, onde realizou vários projetos de arquitetura de interiores desde a década de 1970. O segundo item elucida como o público começou a conhecê-la e admirar o seu trabalho e também como foram se estabelecendo os vínculos profissionais entre a arquiteta e as profissionais cearenses que a acompanharam, fizeram parcerias ou se associaram a ela em seus diversos trabalhos na cidade, tornando-se suas seguidoras ou mesmo pertencentes à Escola Janete Costa. Detalha-se, em seguida, de forma resumida, a prática profissional das principais discípulas da mestra Janete Costa, a partir de depoimentos delas. E, ao final, é destacada a importância do legado da arquiteta pernambucana e sua influência na arquitetura de interiores do Ceará.
A arquiteta Janete Costa e sua atuação na cidade de Fortaleza
A arquiteta Janete Ferreira da Costa começou a atuar em Fortaleza na década de 1970, realizando projetos de arquitetura de interiores, de início em projetos elaborados por Acácio Gil Borsoi (1924-2009), seu marido, como as residências de Benedito Macedo (1968-1972) e Clovis Rolim (1974) e o Edifício Sede do Ministério da Fazenda (1975).
Pernambucana de Garanhuns, Janete Costa já tinha atuação marcante em Recife e outras cidades brasileiras quando começou a se envolver com projetos de arquitetura de interiores na capital cearense. Formada em 1961 pela Faculdade de Arquitetura da Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro, para onde havia se mudado, ela logo em seguida começou a trabalhar com projetos de interiores de residências, área em que teve uma participação marcante, por seu talento e pioneirismo no que se refere à atividade.
De acordo com Andréa Halász Gáti, a arquiteta “contribuiu decisivamente em cinco campos de atuação: arquitetura de interiores; intervenções em patrimônio histórico; design de produtos; na pesquisa, produção e divulgação do artesanato e da arte popular brasileiros, e ainda na concepção e montagem de exposições” (2).
Arquiteta, artista, designer, curadora de arte, passou a se interessar pela beleza e riqueza da cultura popular brasileira e pode-se afirmar que ela foi, de fato, uma embaixadora das artes populares no contexto da decoração e arquitetura de interiores. Tinha uma relação muito próxima com artesãos e artistas, visitava-os com frequência e sempre procurava formas de promover e valorizar aqueles em cujo talento apostava.
Com essa atitude, incentivou a produção artesanal e artística local, criou laços com artesãos e artistas populares e ainda buscou criar neles um sentimento de identidade. Selecionando objetos e obras populares, buscou recuperar a memória social do local e reforçar sua identidade. A inserção desses objetos e obras de arte nos ambientes por Janete Costa projetados gerou um novo olhar sobre aquelas peças que ainda não possuíam reconhecimento, especialmente no Nordeste do Brasil, distante das mostras de artesanato e arte popular que já aconteciam no Sudeste (3).
A trajetória profissional de Janete Costa revela, de fato, seu pioneirismo na região Nordeste no que se refere ao projeto de ambientes modernos empregando elementos de diversas culturas e épocas, destacando-se principalmente objetos de arte, sobretudo a arte popular e o artesanato. Essa característica trouxe-lhe notoriedade no cenário da arquitetura de interiores no Brasil.
Ainda com relação a esse segmento, idealizou exposições diversas, tais como: “Artesanato como um caminho”, organizada na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo — Fiesp em 1985 e “Viva o povo brasileiro”, em 1992, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. A última que realizou foi “Interferências”, no ano de 2002, no Museu de Arte Contemporânea, em Niterói.
As exposições eram organizadas de modo a demonstrar, para o público e colegas arquitetos, como as peças populares podiam se inserir de maneira harmoniosa com o design contemporâneo e até com obras de arte erudita, tarefa que desempenhava com perfeição.
Janete Costa mantinha contato constante com muitas jornalistas da área de decoração, como Olga Krell (1936-2015), da Casa Claudia, e Tazia Lamartine, da Casa & Jardim, que divulgavam seus projetos, os quais serviam de inspiração para muitos daqueles que se iniciavam neste nicho da profissão.
São muitas as suas contribuições para a arquitetura de interiores em Fortaleza. Além dos projetos de residências unifamiliares, e diversos apartamentos na Avenida Beira Mar, ela realizou alguns trabalhos emblemáticos na cidade, o projeto do então recém-construído Hotel Esplanada e o do Edifício Sede do Ministério da Fazenda em Fortaleza, além dos interiores do Centro Empresarial Clóvis Rolim, em 1993.
Em parceria com Borsoi ou individualmente, a arquiteta Janete Costa, em vários projetos, foi responsável por propor uma atitude inteiramente inovadora e moderna na arquitetura de interiores. Dotada de uma sensibilidade artística e técnica refinada, a arquiteta concebe e desenha ambientes e mobiliários com grande sofisticação e simplicidade, incorporando obras de artistas eruditos e populares sem distinção, que valorizam sobremaneira os espaços (4).
O edifício sede do Ministério da Fazenda (5) em Fortaleza (1975), projeto de Acácio Gil Borsoi, constitui a sua obra mais significativa na capital cearense. A destinação pública e o caráter intrínseco do edifício possibilitaram uma maior visibilidade da atuação de Borsoi na cidade, diferente do caráter privado das obras anteriores.
Janete Costa foi responsável pela arquitetura de interiores do edifício, na definição do mobiliário, especificações de materiais, paginação de piso, indicação de forro, luminárias etc. O projeto foi muito bem detalhado, resultando em dezenas de pranchas de desenho, com todas as especificações e sempre em sintonia com a concepção arquitetônica. A quantidade e a qualidade dos desenhos representavam o comprometimento da arquiteta com as diversas escalas do projeto.
A articulação entre a arquitetura e o mobiliário e a incorporação de obras de arte agregaram significativo valor à obra do Ministério da Fazenda.
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No Hotel Esplanada (6) (1978), projeto do arquiteto carioca Paulo Casé (1931-2018), Janete Costa se ocupou da arquitetura de interiores de toda a área social, utilizando mobiliário diferenciado e objetos de decoração diversos, em consonância com suas pesquisas sobre a produção artística e artesanal brasileira. Ela também se encarregou do design de algumas peças, móveis e luminárias, como o balcão de atendimento da recepção.
No projeto de arquitetura do hotel, as áreas de estar localizadas no pavimento térreo foram concebidas numa sequência de planos, com pés direitos variados, que se articulavam por meio de escadas que participavam da composição do espaço. Janete Costa explorou a conformação desses ambientes, valorizando-os e introduzindo peças exclusivas.
Esses ambientes contavam com objetos do artesanato cearense dispostos sobre blocos de concreto, o que conferia um destaque especial às peças, e um contraste interessante com a arquitetura do edifício. Essa prática era comum no trabalho da arquiteta, conhecida por sua busca em expressar sempre as identidades culturais locais, através da arquitetura, da arte e do design.
Ela utilizou materiais naturais, como madeira, cipó, fibras e cerâmica, juntamente com o emprego do vidro, do aço e do concreto. Sua criatividade no tratamento dos ambientes, na escolha e no design do mobiliário e peças decorativas, além do cuidado com os detalhes, valorizou sobremaneira a arquitetura moderna do hotel. O trabalho de Janete no Hotel Esplanada teve grande destaque no conjunto de sua obra, tornando-se uma referência na área.
Nas residências unifamiliares, Janete buscava preliminarmente uma interação com os proprietários, no sentido de assimilar os gostos e aspirações da família e sempre conseguia atender e inovar, propondo soluções que eram aprovadas e adotadas. Foi assim nos projetos das residências de Clóvis Rolim (1974), Benedito Macedo (1968-1972), Renato Almeida (1976) e José Carlos Pontes (1978), na qual ela teve como parceira a proprietária, a arquiteta Denise Marinho de Andrade.
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Com relação à residência Benedito Macedo (1968-1972), o projeto de interiores estabelece uma relação de complementaridade à arquitetura. Em parceria com a arquiteta Janete Costa, [Borsoi] introduz painéis cerâmicos do artista plástico Francisco Brennand (1927-2019) e escultura do artista cearense Sérvulo Esmeraldo (1929-2017), além dos vitrais, de autoria de Marianne Peretti (1927-2022). A síntese entre a arquitetura e as artes aplicadas adiciona significativo valor estético à obra (7).
O trabalho de Janete Costa, por sua elevada qualidade, bom gosto e originalidade, ganhou muitos adeptos entre os arquitetos cearenses, sobretudo entre arquitetas formadas na década de 1970, que admiravam suas propostas e formas de atuar, algumas delas chegando a desenvolver projetos em parceria com a mestra. Tudo isso levou ao que ficou conhecido pelo nome de Escola Janete Costa em Fortaleza.
A Escola Janete Costa em Fortaleza
Os primeiros arquitetos cearenses a atuar profissionalmente em Fortaleza se diplomaram em outros estados e retornaram à cidade natal nas décadas de 1950 e 1960. Nessa época, teve início a construção de projetos residenciais modernos, em sua maioria residências unifamiliares. Em entrevista, o arquiteto Neudson Braga (1935), um dos pioneiros, explicou que o desenho do mobiliário fixo (armários, guarda-roupas, móveis de banheiros e cozinhas) e também a assessoria na compra de móveis como sofás, mesas e cadeiras eram tarefas executadas pelo arquiteto autor do projeto. Mas, segundo ele, na finalização, “quando da escolha de ornamentos, tapetes e quadros, o proprietário recorria quase sempre a decoradoras” (8).
Posteriormente, em meados da década de 1970, assiste-se ao início da verticalização na capital cearense, sobretudo nos bairros residenciais mais consolidados, como a Aldeota e o Meireles. Este período coincide com a atuação dos primeiros arquitetos formados no curso de Arquitetura da Universidade Federal do Ceará e com a construção de projetos icônicos do arquiteto Acácio Gil Borsoi, como o Edifício do Ministério da Fazenda e os edifícios residenciais Granville e Joan Miró, localizados na orla marítima. A arquiteta Janete Costa, conforme já mencionado, projetou os interiores de vários apartamentos destes edifícios, atraindo a atenção e influenciando, desde então, as arquitetas cearenses para esta área de atuação profissional.
Não só em Recife, onde morava, mas nas cidades onde executava projetos, Janete era admirada por seu trabalho diferenciado e por sua personalidade descontraída e vibrante. Em Fortaleza, teve contato com várias profissionais recém-formadas, por ocasião de palestras por ela realizadas, inclusive em espaços projetados por ela, como no Hotel Esplanada. Exerceu enorme influência, despertando a admiração entre elas e o interesse pela arquitetura de interiores.
Nessas palestras, vislumbrava-se seu estilo de trabalho diferenciado, ao orquestrar diálogos entre volumetrias, materiais, cores e texturas, inovando com a inserção de peças do artesanato brasileiro, principalmente nordestino, em meio a obras de arte eruditas.
É possível afirmar que houve claramente uma mudança com relação à atividade de arquitetura de interiores a partir da presença de Janete em Fortaleza, mudança essa que vai se consolidar na década seguinte — 1980, quando ocorreu uma migração, por parte da elite cearense para a moradia em edifícios multifamiliares na avenida Beira Mar. Estes apartamentos demandavam um projeto personalizado, com alterações significativas em relação ao projeto de arquitetura.
Os moradores desses imóveis aspiravam uma personalização do próprio apartamento, ocorrendo então o incremento da contratação de profissionais especializados para a elaboração de projetos de interiores. A grande mudança neste segmento foi o início dos trabalhos dos profissionais no começo da construção, pois as modificações dos ambientes envolviam desde a divisão dos espaços até a escolha dos materiais de acabamento. Foi neste período então que o arquiteto se distinguiu dos profissionais autodidatas, pois a alteração de instalações, alvenarias e materiais demandava uma maior capacitação técnica (9).
Os diversos trabalhos desenvolvidos por Janete Costa em Fortaleza, alguns em parceria com Denise Marinho de Andrade e Magda Oquendo e, posteriormente, com Christianne Silton (10), nos faz afirmar que ocorreu uma grande influência projetual e conceitual entre as arquitetas que trabalhavam nessa área, levando à formação de uma Escola Janete Costa na cidade, ainda que de modo informal.
De acordo com Borsoi, segundo Borges,
“[Janete Costa] foi uma desbravadora única, singular, criando um estilo e, muitos dizem, até mesmo uma escola. Talvez o extremo respeito com que sempre tratou a produção dos artesãos e artistas populares do país lhe permitiu a energia de enfrentar confrontos com ambientes arcados por uma ausência completa de traços culturais brasileiros. Aí reside a sua maestria” (11).
Ela, de fato, foi uma referência para uma geração de arquitetas que durante décadas atuaram — algumas ainda atuam — em projetos diversos e tiveram como inspiração os ensinamentos e o modo de projetar da mestra Janete Costa.
“Clientes, estagiários, amigos e parceiros de trabalho são unânimes em afirmar que aprenderam a discernir e conhecer o artesanato, a arte e o design por meio da convivência com Janete. Ela, como que tomava as mãos de seu interlocutor do momento, para transmitir a ele o seu modo de ver as coisas, marcado pelo entusiasmo e pela generosidade. Vários arquitetos e decoradores, sobretudo do Nordeste, dizem pertencer à ‘Escola Janete’, aquela em que a cultura erudita e a popular são absorvidas em pé de igualdade” (12).
Pode-se afirmar que é de fato notória a importância e o pioneirismo do trabalho de Janete Costa na região Nordeste, na concepção de seus projetos, no emprego de elementos e materiais diversos, desde a madeira natural, passando pelo uso da cerâmica, cipó, fibras e corda, valorizando a decoração dos ambientes, se valendo sempre de efeitos de iluminação para realçar os objetos. Assim como na utilização de peças de artesanato de diferentes culturas e da arte popular. Tudo isso lhe confere o devido reconhecimento no âmbito da arquitetura de interiores e a admiração de seguidoras — notadamente em diversos estados da região —, que se consideram pertencentes à Escola Janete Costa.
No Ceará, destacamos algumas dessas profissionais, como Ione Felício Fiúza (1953), Denise Marinho de Andrade (1955), Magda Oquendo (1952), Jaqueline Fiúza (1950) e Christianne Silton (1962), cujas atuações serão enfocadas a seguir.
As primeiras discípulas da Escola Janete Costa em Fortaleza
As primeiras arquitetas que se destacaram na área da arquitetura de interiores em Fortaleza se diplomaram a partir do ano de 1974 na Universidade Federal do Ceará — UFC, época em que Janete Costa projetava os interiores de importantes obras na capital cearense. Algumas dessas arquitetas, que se dizem suas seguidoras, deram depoimentos às autoras, testemunhando a admiração e o aprendizado a partir das lições da mestra. Essas profissionais foram selecionadas por terem sido aquelas que primeiramente trabalharam com a arquiteta em Fortaleza e prosseguiram na atividade posteriormente. Nas entrevistas, elas discorrem sobre suas experiências com Janete no desenvolvimento e acompanhamento de projetos e as principais influências recebidas, que foram incorporadas às concepções projetuais de cada uma desde então.
Ione Fiuza
Ione Felício Fiuza foi a primeira arquiteta formada pelo curso de Arquitetura e Urbanismo da UFC a atuar no segmento de arquitetura de interiores. A arquiteta relatou, em entrevista que conheceu o trabalho profissional de Janete quando da construção do Hotel Esplanada e depois durante a obra do Ministério da Fazenda, entre 1976 e 1979 (13). Foi apresentada a ela pelo colega Luiz Barbosa Fiuza, que era estagiário de arquitetura destas obras.
Ela se formou em 1977 e, em 1978 associou-se ao Luiz em um escritório de prestação de serviços de arquitetura e urbanismo, o escritório Luiz Fiuza Arquitetos Associados, ainda hoje em atividade na cidade. De início, a divisão dos trabalhos foi clara: Luiz atuava nos projetos de arquitetura e urbanismo e Ione nos projetos de interiores, onde buscava exercitar a prática projetual aprendida com Janete Costa.
Além do convívio profissional, Ione tornou-se amiga de Janete e sempre que ela visitava as obras em Fortaleza Ione a acompanhava, sem qualquer compromisso formal, conforme seu relato, apenas pelo aprendizado. Auxiliava na escolha das peças de decoração e na finalização dos trabalhos. Chegaram a realizar diversas viagens juntas para Feira de Milão.
Na entrevista concedida às autoras, fica evidente a admiração da arquiteta pela mestra e por seu trabalho, destacando, de modo especial, o seu apreço e suporte conferido a vários artesãos locais.
Janete era uma mulher muito bonita, elegante, cheia de vida, que amava a sua profissão. Apadrinhou muitos artesãos e sempre deu muita liberdade aos artistas. Em Fortaleza, fez escola… Era uma pessoa que sabia muito bem delegar funções e quando chegava à cidade, sempre havia várias pessoas dispostas a colaborar com ela, com prazer (14).
Ione iniciou sua carreira profissional na área residencial em apartamentos de edifícios construídos na avenida Beira Mar. O escritório Luiz Fiuza projetou diversos deles na época em que as famílias de maior poder aquisitivo passaram a privilegiar a moradia à beira mar, deixando as mansões unifamiliares da Aldeota e do Meireles. Os empreendedores e proprietários desses edifícios eram, em sua maioria, clientes dos projetos de interiores.
Dentre estes projetos, destaca-se o Edifico Presidente Kennedy, de 1982, composto de apartamentos duplex de 470,00 m², projeto de Luiz Fiuza Arquitetos Associados e onde o casal de arquitetos mora até hoje.
O projeto de interiores, de autoria de Ione, privilegia linhas retas, ambientes claros e modernos, móveis com design de Janete Costa, aliados a peças de antiquário, como as cadeiras da mesa de jantar e peças art-déco de prata. O resultado final revela incontestável semelhança com os projetos da mestra. Foi um de seus primeiros trabalhos, já demonstrando maturidade profissional.
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Ione Fiúza acumula diversos projetos realizados ao longo de sua prática profissional na área de arquitetura de interiores, com trabalhos locais e em outras cidades, tendo sido contemplada com vários prêmios nesta área.
Denise Marinho de Andrade e Magda Oquendo
As duas arquitetas se formaram no mesmo ano em arquitetura e urbanismo pela UFC, em 1979. Desde o período da graduação, faziam parcerias nas disciplinas de Projeto Arquitetônico. Estagiaram juntas no escritório Nasser Hissa Arquitetos Associados, onde permaneceram depois de formadas por mais um ano, quando saíram para montar escritório próprio, em 1980.
Em 1981, quando Janete Costa fez uma palestra no Hotel Esplanada, Denise foi uma das ouvintes. Na ocasião, convidou-a para fazer o projeto de interiores de sua casa, que estava em construção no bairro Dunas. Em entrevista às autoras, Denise relatou que ela aceitou, mas com a condição de trabalharem juntas. Desde então, as duas profissionais iniciaram uma parceria e o escritório de Denise e Magda passou a dar um suporte técnico aos projetos da arquiteta em Fortaleza.
Realizaram posteriormente alguns projetos conjuntamente, como a Sede da Vicunha Têxtil S.A., em Maracanaú, a Sede da Têxtil Bezerra de Menezes — TBM em Fortaleza, a residência do diretor da Vicunha Têxtil, Nami Jereissati e alguns outros, d1e apartamentos e casas.
A influência de Janete Costa, segundo afirmaram, foi decisiva na trajetória profissional do escritório a partir de então.
As arquitetas afirmaram ainda que, inspiradas por Janete, criaram também seus próprios métodos de conversar com os clientes antes de iniciar o projeto, inclusive marcando as primeiras entrevistas em almoços sociais. Em relação aos fornecedores, tudo ainda era bastante personalizado, os móveis fixos eram todos desenhados por elas e fabricados por marceneiros locais. Os objetos decorativos eram comprados no Rio de Janeiro e em São Paulo, as peças eram de artistas locais e nacionais e o mobiliário solto, em geral, adquirido na Ardecora, empresa da família de Janete Costa.
Em 1988, Magda Oquendo se muda para Brasília e deixa a sociedade. Denise permanece atuando no escritório e desenvolvendo principalmente o projeto de interiores do Hotel Caesar Park (atual Hotel Gran Marquise) de 1986, do Grupo Marquise. O projeto do hotel foi extremamente detalhado, com todos os materiais de acabamento rigorosamente especificados, móveis personalizados, do Liceu de Artes e Ofícios, assim como o uso de obras de arte locais e nacionais. Denise relata que a jornalista Olga Krell (15) fez uma visita ao local, juntamente com Janete Costa e que ficaram muito bem impressionadas com o resultado da obra.
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Jaqueline Fiuza
Jaqueline Vieira Fiuza (1950), também graduada em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal do Ceará, no ano de 1974, é outra seguidora da Escola Janete Costa em Fortaleza.
Hoje, com 48 anos de prática profissional, acumula vasta experiência, desde seus trabalhos iniciais, em setores ligados ao urbanismo e planejamento da cidade, como também em projetos arquitetônicos e trabalhos de arquitetura de interiores, sendo uma das arquitetas mais atuantes na área, sobretudo a partir da década de 1980.
Ao longo destes anos, Jaqueline assinou diversos projetos residenciais em Fortaleza, São Paulo, Rio de Janeiro, Vitória, Recife, Natal e São Luís. Nas décadas de 1980, 1990 e 2000 concebeu interiores de apartamentos em edifícios na avenida Beira Mar, sendo que, em alguns condomínios, realizou vários no mesmo prédio, como no Edifício Veneza III, Veneza IV, Catamarã, 2020, Porto Belo e Jangada. Nesta época também desenvolveu projetos de arquitetura e interiores de casas de praia no Cumbuco, Ceará. Seus trabalhos foram muitas vezes publicados em revistas como Kaza, Viver Bem, Casa Vogue e Casa Claudia.
Nos anos 1980 se deu seu encontro com a arquiteta Janete Costa, despertando seu olhar para o rico diálogo visual presente nos espaços por ela projetados nas residências de familiares e amigos, bem como em hotéis em Fortaleza e outras capitais. A empatia e admiração foi tanta que Jaqueline naturalmente se tornou também discípula da Escola Janete Costa, como ela própria relata:
“Fiz um curso com Janete no Hotel Esplanada, que tinha seu interior elaborado por ela e vi que, além de projetar, tinha a capacidade fantástica de transmitir com entusiasmo um modo especial de ver as coisas, valorizando o erudito e o popular de uma maneira simples e carinhosa, que encantava a quem dela se aproximava. Sua sensibilidade com o artesanato regional e com as pessoas que criavam, os artistas, os objetos de uso, as cores, os volumes e o agrupamento entre eles, os objetos do passado e do presente…Tudo tinha um sentido na sua forma de olhar, de perceber” (16).
Jaqueline elaborou, nos anos 2000, a adaptação da residência do Senador José Macedo, projeto de Borsoi, com interiores concebidos por Janete, para o apartamento no prédio vizinho à casa, o Gran Place, onde a família passou a habitar. Foi uma experiência interessante, segundo ela afirmou, pois todo o mobiliário foi aproveitado, assim como os detalhes de madeira das divisórias, revestimentos do bar e vidros, dentre outros. Ou seja, ela tentou conservar o máximo do projeto original de Janete Costa.
A arquiteta ainda ressalta:
“A influência da Janete permanece na arquitetura brasileira e na mente daqueles que tiveram o prazer de conhecer a sua essência e a sua genialidade. Eu fui privilegiada, pois sinto isso no meu olhar diante de todo espaço que sou convidada a projetar! (17).”
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Christianne Silton
Nascida no interior do estado do Ceará, no Cariri, Christianne Coelho Silton (1962) formou-se arquiteta em 1985, na Universidade Federal de Pernambuco — UFPE. Teve como professores personalidades marcantes, a exemplo de Ariano Suassuna (1927-2014) e Hélvio Polito.
Apesar de suas primeiras vivências profissionais terem sido no Cariri, onde voltou a morar e foi estabelecendo sua rede de clientes, também realizou alguns projetos na capital cearense onde montou, posteriormente, seu escritório. Neste período, nos anos 1980, teve seu nome indicado para colaborar com a arquiteta pernambucana em Fortaleza, onde então desenvolvia vários projetos.
Desta forma, ela foi logo convidada pela própria Janete para colaborar em um projeto de arquitetura de interiores de um apartamento de cobertura no edifício Juan Miró, situado à avenida Beira Mar. Aquela experiência lhe deu a oportunidade de inserir-se neste campo quando pôde familiarizar-se com os materiais, mobiliário e equipamentos, principalmente por se tratar de projetos sofisticados e que permitiam maior liberdade de ação, especialmente no que se refere às especificações.
Um outro projeto relevante, no qual Christianne Silton participou como assistente de Janete Costa foi o Centro Empresarial Clóvis Rolim, oportunidade em que gerenciou o escritório técnico montado dentro da obra, sendo responsável pelas mediações, encaminhamentos e resoluções diversas, tendo contato direto com a arquiteta, o que lhe possibilitou um grande aprendizado.
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Como discípula de Janete Costa, Christianne Silton ampliou bastante suas relações profissionais em Fortaleza. Nesta fase, foi chamada pelo arquiteto Jayme Leitão para trabalhar na sua empresa, a Reata Engenharia, como arquiteta independente da construtora, onde ela desenvolveu vários projetos de Janete Costa, inclusive o próprio apartamento de Jayme Leitão (além de outros, autorais).
Em 1997, diante da participação já citada na obra do Centro Empresarial Clóvis Rolim, ela foi convidada por Pio Rodrigues Neto (1952), engenheiro civil e presidente da C. Rolim Engenharia, para elaborar o projeto de interiores da Câmara de Dirigentes Lojistas de Fortaleza — CDL, da qual ele era presidente à época e cujo projeto de arquitetura é de autoria de Neudson Braga.
Christianne participou da Casa Cor Ceará em três edições, inclusive a primeira em 1999 e depois em 2002 e 2005.
Vale ressaltar também que ela elaborou os interiores da residência oficial do governador do estado à época, no ano de 2005; todas as realizações, segundo ela, eram amplamente inspiradas em seus aprendizados com a mentora Janete Costa.
Todas essas arquitetas, segundo seus próprios relatos, tiveram a oportunidade e o privilégio de contar com a amizade, os ensinamentos, a parceria e a influência de Janete Costa, o que muito contribuiu para o resultado e a excelência de seus trabalhos. Nesse sentido, de acordo com a afirmação de Adélia Borges (2020), Janete Costa é considerada uma educadora do olhar, tendo feito muitas discípulas e seguidoras na capital cearense.
Considerações finais
Conforme foi exposto nos itens anteriores sobre a atuação de Janete Costa, a arquiteta conferia aos seus projetos uma identidade própria, de feição contemporânea, mas ressaltando as riquezas da cultura regional. No Ceará, encontrou um ambiente muito rico e propício, onde fez descobertas e explorou tanto a arte quanto o artesanato local, sobretudo a arte popular. Transformou a trajetória de muitos artesãos e artistas, ao valorizar as raízes de um povo, construindo, com seu saber, capítulos inéditos na história da arquitetura de interiores do estado.
Durante o período em que realizou trabalhos em Fortaleza, devido ao seu talento, à excelência de sua produção e ao modo de atuação profissional, ela influenciou diversas arquitetas, quase todas egressas do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Ceará, que contribuíram também no desenvolvimento e acompanhamento de seus projetos locais, como Ione Fiuza, em um primeiro momento e, mais tarde, Denise Marinho de Andrade, Magda Oquendo, Jaqueline Fiuza e Christianne Silton.
Em razão das parcerias, admiração e alinhamento conceitual destas arquitetas com Janete Costa, verificou-se o surgimento, mesmo de modo informal, da chamada Escola Janete Costa em Fortaleza, que por muito tempo prevaleceu nos projetos realizados na cidade, influenciando inclusive outros profissionais da área, que se espelhavam nas concepções da consagrada mestra e realizavam trabalhos claramente em sintonia com seu modo de projetar.
A contribuição de Janete Costa para a arquitetura de interiores cearense é inequívoca. No rigor do seu detalhamento, na sua forma de projetar, na valorização das artes, no uso de materiais, na apropriação do artesanato, no design do mobiliário. Enfim, tem-se até hoje muito de Janete Costa e de sua escola nos projetos contemporâneos.
Seu legado transformou, de forma decisiva, a atividade do profissional ligado à arquitetura de interiores, sobretudo as arquitetas pioneiras, que passaram a ter uma evidência significativa desde então, além de agregar valores superlativos à atividade, com sua atuação no nosso estado.
notas
NA — Agradecimentos às arquitetas Ione Fiuza, Denise Marinho de Andrade, Magda Oquendo, Jaqueline Fiuza e Christianne Silton por seus depoimentos, que tornaram possível a elaboração deste artigo.
1
GURGEL, Miriam. Projetando espaços: guia de arquitetura de interiores para áreas residenciais. São Paulo, Editora Senac São Paulo, 2007, p. 23.
2
GÁTI, Andréa Halász. Arte e artesanato na arquitetura de interiores moderna de Janete Costa. Dissertação de mestrado. Recife, UFPE, 2014, p. 55.
3
Idem, ibidem, p. 55.
4
DIÓGENES, Beatriz H. N.; PAIVA, Ricardo A. O diálogo entre arte e arquitetura no modernismo em Fortaleza. Revista Projetar — Projeto e percepção do ambiente, v. 2, n. 1, abr. 2017, p. 11.
5
Concebido em 1975, sua construção se deu entre 1976 e 1979, ano em que o edifício foi inaugurado.
6
O hotel foi demolido no ano de 2014.
7
DIÓGENES, Beatriz H. N.; PAIVA, Ricardo A. Caminhos da arquitetura moderna em Fortaleza: a contribuição do arquiteto Acácio Gil Borsoi. Anais do 2º Docomomo BR, Salvador, 2008, p. 11.
8
BRAGA, José Neudson Bandeira. Depoimento às autoras, 17 nov. 2020.
9
DIÓGENES, Beatriz H. N.; CAVALCANTE, Márcia G.; VASCONCELOS, Tania de F.; DIAS, Letícia C. O modernismo arquitetônico e as transformações na forma de morar: a origem da profissionalização da arquitetura de interiores no Ceará. Anais do 8º Docomomo NNE, Palmas, 2021, p. 25.
10
A arquiteta Christianne Silton ainda mantém em atividade o seu escritório de arquitetura. As profissionais Denise Marinho de Andrade e Magda Oquendo não atuam mais na área.
11
BORGES, Adélia et al. Janete Costa: arquitetura, design e arte popular. 1ª edição. Recife, Cepe, 2020, p. 58.
12
Idem, ibidem, p. 48.
13
FIUZA, Ione. Depoimento às autoras, 3 mai. 2019.
14
Idem, ibidem.
15
Olga Krell era jornalista e arquiteta e foi editora da Revista Casa Claudia de 1977 a 1990. Era considerada a dama da decoração brasileira por ter sido pioneira ao tratar de assuntos como arquitetura e design de interiores na imprensa nacional.
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FIUZA, Jaqueline. Depoimento às autoras, 23 set. 2022
17
Idem, ibidem.
sobre as autoras
Beatriz Helena Nogueira Diógenes é arquiteta e urbanista pela Universidade Federal do Ceará (1978), mestre (2205) e doutora (2012) com pós-doutorado (2019) em Arquitetura e Urbanismo pela FAU USP. Professora associada do Departamento de Arquitetura, Urbanismo e Design da UFC e do PPGAU+D UFC. Autora dos livros Arquitetura e estrutura: o uso do concreto armado em Fortaleza (2010) e Novas centralidades urbanas: o bairro da Aldeota em Fortaleza (2023).
Márcia Gadelha Cavalcante é arquiteta e urbanista (1984) e mestre em Engenharia Civil (1999) pela Universidade Federal do Ceará e doutora em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2015). Professora adjunta do Departamento de Arquitetura, Urbanismo e Design da UFC. Autora do livro Edifícios residenciais em Fortaleza (1935-1986): universalidades e singularidades (2021).
Tania de Freitas Vasconcelos é arquiteta e urbanista graduada pela Universidade Federal do Ceará (1990), mestre e doutora em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo. Autora do livro A arte pública de Fortaleza (2003). Professora adjunta da Universidade Federal do Ceará, lotada no Departamento de Arquitetura e Urbanismo e Design.