O Museu Paulista da Universidade de São Paulo, mais conhecido como Museu do Ipiranga, destaca-se, entre muitas outras razões, por ser um dos mais visitados do país. Cerca de 400.000 pessoas por ano ali comparecem guiadas por um sentimento de respeito ou mesmo de veneração.
A concepção, projeto e execução, de outra parte, constituíram empreendimento merecedor de destaque na história da arquitetura no Brasil. Disse arquitetura no Brasil, e não do Brasil, em razão de ser aquele monumento obra dos italianos Tommaso Gaudenzio Bezzi e Luigi Pucci.
Bezzi nasceu em Turim em 1844 e nessa cidade formou-se engenheiro-arquiteto. Recebeu as mais altas condecorações por sua bravura. Vindo ao Brasil, ficou hospedado na casa do Visconde do Rio Branco. Posteriormente casou-se com uma brasileira, “e foi por intervenção do Visconde do Rio Branco que a Comissão central do Monumento do Ipiranga, sediada na Corte, convidou-o a apresentar um projeto para comemorar a Independência do Brasil”.
Depois de muita discussão o projeto de Bezzi, datado de 1882, foi oficializado.
Exímio aquarelista, cuidava de seus projetos até os últimos pormenores, como podemos constatar em desenhos de sua autoria pertencentes ao acervo do museu.
A participação de arquitetos e mestres de obra estrangeiros em São Paulo, notadamente italianos, pode ser avaliada, por exemplo, na clássica obra de E. Debenedetti e A. Salmoni Architettura Italiana a San Paolo (1953).
Freqüentemente esses profissionais participavam na qualidade de “colaboradores” em escritórios prestigiosos como foi o caso do Escritório Ramos de Azevedo.
Esse arquiteto, formado em Gand, na Bélgica, foi grande estimulador da formação de jovens no Liceu de Artes e Ofícios e na Escola Politécnica da qual foi professor e diretor.
Em 1895, chegou a São Paulo Domiziano Rossi escolhido por Ramos de Azevedo para lecionar no Liceu e na Escola Politécnica, onde regia seus cursos pelo famoso tratado de Vignola, obra, em boa medida, responsável pelo ecletismo da arquitetura em nossa cidade.
Para execução do projeto de Bezzi, vamos encontrar outro mestre italiano Luigi Pucci, nascido em 1853. Estudou no Seminário Florentino. Duas paixões sempre o acompanhavam: a matemática e a astronomia. Em 1885, venceu o concurso para executar a obra do Museu. Pucci revelou competência e iniciativa ao encomendar, por exemplo, uma máquina a vapor para transportar o material da estrada de ferro “Inglesa” até o próprio canteiro de obra. A máquina transformou-se em motivo de orgulho para os paulistanos e o próprio Presidente da Província compareceu ao local para apreciar a inovação.
Dada as dificuldades de locomoção e para ganhar tempo, Pucci passou a residir no próprio canteiro de obra no que seria uma loggia para o magister operis da tradição gótica (informação do arquiteto José Maria da Silva Neves, professor da FAUUSP, em 1960).
Graças à eficiência e dedicação de Luigi Pucci, a obra foi concluída em 4 anos, sem prejuízo da qualidade. Perambular despreocupadamente pelo interior do museu pode ser experiência gratificante para um observador atento. Cada pormenor revela a maestria de quem o executou, seja o marmorista, o estucador, o encarregado dos metais, o carpinteiro. A este último devemos uma escada helicoidal de madeira de grande porte absolutamente invulgar. Uma obra de arte, sem dúvida. Concluídas as obras do museu, Pucci passou a ser requisitado pelos clientes mais exigentes à vista da qualidade de seus projetos e sua execução, palacetes demolidos impiedosamente, um a um, ao longo do tempo.
A preservação e a conservação do museu tem sido exemplar. O livro Museu Paulista um monumento no Ipiranga (1997) documenta os cuidadosos e extensos trabalhos de reparos no edifício desde sua cobertura até pormenores de acabamento, realizados sob coordenação do Professor José Sebastião Witter.
Agora se propõe sanar as deficiências observáveis no edifício a começar pela escassa área de exposição do acervo, fato inconcebível segundo os princípios de museologia. Outro inconveniente é a falta de acesso para pessoas com dificuldade de locomoção aos diferentes andares. Um precário elevador de porta pantográfica não permite sua utilização por esses visitantes. Há somente dois sanitários no subsolo acessíveis por uma única escada. A solução para esses e outros problemas não pode prejudicar a arquitetura do interior do edifício.
Há um projeto discutido e aprovado pelos órgãos do patrimônio nos três níveis (federal, estadual e municipal). Algumas de suas características merecem destaque. A primeira é que a intervenção mais polêmica, a instalação de elevadores externos, é reversível, a saber, a qualquer momento pode ser removida voltando o edifício à sua presente situação. Tal iniciativa se prende à necessidade de solução para problemas de serviços básicos como sanitários ou circulação. O novo projeto permite multiplicar a área de exposição do acervo e reserva técnica, assim como abrigar a Biblioteca e o Centro de Documentação (hoje, um terço do prédio é ocupado por reservas de acervo, laboratórios de restauração, oficinas, pesquisa e administração). O principal objetivo, diga-se, é permitir a total abertura do edifício histórico ao público. Assim sendo, todo o interior da belíssima obra de Bezzi e Pucci poderá ser visitado.
Isso nos trás à mente a intervenção do arquiteto I. M. Pei no Museu do Louvre. As críticas feitas à época pela presença da pirâmide de vidro no adro (cour Napoléon) se desfizeram a se considerar o extraordinário ganho no espaço expositivo de alta qualidade. O novo projeto para o Museu do Ipiranga prevê expansão das áreas acadêmicas, científicas e administrativas e novos espaços para exposições. Essas áreas representam um novo conceito museológico.
Na publicação Neue Museumbautem in der Bundesrepublic Deutshland - Novas Construções de Museus na República Federal da Alemanha – podemos constatar a freqüente presença de auditórios e salas de reuniões. Freqüentadores de museus apreciam esse gênero de animação e o local poderá plenamente se transformar em ponto avançado da Universidade de São Paulo.
Como registra a história, a antiga colina inóspita de 1822 foi transformada, no final do século XIX, com a presença do Museu. Nos anos de 1930, construiu-se, no mesmo Parque, o Museu de Zoologia. Agora, o local deverá se transformar em animada mancha cultural com suas fontes, belos jardins e denso arvoredo. O projeto de inegável importância aguarda financiamento.
notas
[artigo originalmente publicado com o título “Um futuro para o Museu do Ipiranga” no jornal O Estado de S. Paulo, 29 abril 2009, p. 2]
sobre o autor
Benedito Lima de Toledo, Professor Titular de História da Arquitetura da FAUUSP e membro da Academia Paulista de Letras.
Benedito Lima de Toledo, São Paulo SP Brasil