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drops ISSN 2175-6716

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português
Carlos M. Teixeira traz um relato crítico de sua visita à 11ª Bienal de Arquitetura de Veneza de 2008, traçando um paralelo entre a participação brasileira no evento e as propostas compiladas no recente livro Espaços Colaterais

english
Carlos M. Teixeira describes his visit to the 11th Architecture Biennale in Venice in 2008, drawing a parallel between the Brazilian participation at the event and the proposals compiled in the recent book Espaços Colaterais

español
Carlos M. Teixeira trae un relato crítico de su visita a la 11ª Bienal de Arquitectura de Venecia de 2008, trazando un paralelo entre la participación brasileña en el evento y las propuestas compiladas en el reciente libro Espaços Colaterais

how to quote

TEIXEIRA, Carlos M. 11ª Bienal de Arquitetura de Veneza. Um paralelo com o Brasil. Drops, São Paulo, ano 10, n. 028.06, Vitruvius, ago. 2009 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/drops/10.028/1805>.


Pavilhão do Brasil, no architects
Foto Carlos M Teixeira


Essa exposição procura coletar e encorajar a experimentação em arquitetura. (...) Ela não pretende apresentar prédios que já existem ou que podem ser experimentados no mundo real. Ela não pretende propor soluções abstratas para problemas sociais, mas sim quer saber se a arquitetura, experimentando com ou sobre o mundo real, pode oferecer formas concretas ou imagens sedutoras (2).

Assim o americano Aaron Betsky, curador da 11ª Bienal de Arquitetura de Veneza (3), define sua aposta numa bienal fotogênica e que, se ambiciona ser investigava, o é  confirmando os nomes das estrelas internacionais. De fato, a exposição principal é um delírio visual; um desfile de arquitetos capa-de-revista como Coop Himelblau, Frank Gehry e Greg Lynn expostos em meio às incríveis naves do Arsenale, o grande estaleiro da Sereníssima.

Mas não seria muita ranhetice dizer que o que salva uma visita à mostra é a exposição paralela Experimental Architecture, concebida pelo mesmo curador. Cinquenta e cinco arquitetos oferecem aqui um levantamento do que há de melhor na arquitetura (realmente) experimental atual, muitos dos quais ainda jovens e desconhecidos. Experimental Architecture é um painel da arquitetura como prática progressista; uma exposição provocativa que apresenta uma pesquisa por novos autores emergentes no cenário internacional.

Não faltou uma homenagem à anglo-iraquiana Zaha Hadid, quem preferiu desengavetar seus projetos visionários dos anos oitenta. Apresentadas em acrílicos sobre tela, suas paisagens urbanas em perspectiva distorcida não envelheceram e ainda parecem anos-luz frente aos softwares de modelagem 3D que só apareceriam nos anos noventa para  banalizar as vistas em grande angular. Frank Gehry e Morphosis também foram reverenciados, mas de maneira pouco inspirada. Herzog & de Meuron chamaram um amigo chinês para desenhar, a seis mãos, uma instalação de cadeiras de bambu; enquanto Rem Koolhaas foi representado indiretamente com um documentário sobre uma certa Guadalupe Acedo, a empregada da Casa em Bordeaux, projeto do arquiteto. Guadalupe nos apresenta a casa segundo sua rotina doméstica: reclama espontaneamente das dificuldades em limpar a clarabóia sobre o elevador-biblioteca da casa e fala sobre outros fatos que mostram o lado íntimo e desfuncional de um ícone da arquitetura contemporânea.

O coletivo espanhol Ecosistemaurbano apresenta suas Árvores de Vallecas: três enormes cilindros ocos que funcionam como “árvores artificiais” capazes de reproduzir o micro-clima de um bosque. Construídos em uma nova praça na árida periferia de Madrid, os belíssimos cilindros buscam reproduzir o conforto de uma praça sombreada por meio de dispositivos como umidificadores, células fotos-voltaicas e vegetação suspensa capazes de criar, no interior dos cilindros, um ambiente mais frio (no verão) ou mais quente (no inverno) que a temperatura externa.

Alguns projetos, como os do coletivo austríaco Feld 72, são discussões sobre espaço público e participação popular que viraram lugar comum entre vários arquitetos ditos experimentais; muitos, no entanto, não vão além do bom-mocismo intelectualizado. O maverick Teddy Cruz, atual sinônimo de arquiteto com consciência social nos Estados Unidos, apresenta mais uma vez Tijuana-San Diego, seu famoso projeto na fronteira entre México e Estados Unidos onde propõe que as casas pré-fabricadas rejeitadas pelos americanos de San Diego sejam reaproveitadas pela vizinha Tijuana, no México. Os franceses Lacaton e Vassal apresentam um projeto de recuperação dos grandes conjuntos habitacionais da França, onde o governo federal pretende substituir esses conjuntos por novas unidades não contaminadas pela imagem denegrida das torres de habitação popular. Contra essa política, que causará a demolição de milhares de apartamentos em todo o país, o escritório propõe a alternativa de reforma dos conjuntos e demonstra que, com poucos recursos, é possível reverter radicalmente a imagem decadente daqueles prédios e evitar os custos ambientais de uma eminente demolição em massa.

O escritório franco-marroquino Map Office aparece com Underneath, um estudo dos espaços no entorno dos viadutos do delta do Pearl River. O projeto é como que a China contemporânea comprimida em 185 quilômetros lineares: os 185 quilômetros de uma via expressa urbana privada, propriedade de um grupo de incorporadores de Hong Kong. Salões de jogos, bares, feiras, fábricas informais, shoppings, e vários outros usos temporários – todos ocorrendo exatamente sob os viadutos da rodovia privada – demonstram a velocidade vertiginosa e as contradições do crescimento urbano da China.

Fora a exposição Experimental Architecture, o outro grande momento da Bienal são alguns dos pavilhões nacionais dispostos nos Jardins (I Giardini), um parque próximo ao Arsenale. Desses, o da Alemanha é o único que tentou tergiversar pelo discurso ecológico (quase) sem cair no panfletarismo moralista. No pórtico da entrada do edifício foram dispostos 32 spots que, juntos, somam 60.000 kW de potência. Colocados a uma altura de cinco ou seis metros do piso, essa ofuscante bateria de lâmpadas gera uma mistura inusitada de luz fria e calor intenso; um convite ambíguo para que os visitantes conheçam este e não qualquer outro pavilhão. Lamentavelmente, o desperdício proposital de energia foi “compensado” por um discurso que beira o ridículo, segundo o qual os expositores estariam reduzindo seu consumo de energia em quantia igual aos gastos para manter o pórtico aceso. Dentro do pavilhão, o melhor é um insólito pomar artificial de macieiras mantido em toda sua exuberância com a ajuda de um dispositivo “clínico”: o crescimento das árvores é garantido à custa de fertilizantes líquidos que parecem soros fisiológicos dependurados pelos galhos. Imagem idêntica a de um paciente moribundo, o conteúdo desses fertilizantes desce por mangueiras transparentes que serpenteam o tronco até gotejarem lenta e constantemente sobre a terra dos vasos.

A Croácia foi representada por Nicola Bašić, autor de um fantástico píer na cidade mediterrânea de Zadar em total sintonia com o tema geral da Bienal. Com poucos recursos, o projeto transformou uma área ignorada em atração turística e ponto de encontro. Antes uma orla abandonada e desconectada do centro histórico, o píer tem uma engenhosa matriz de tubos de diferentes diâmetros que funciona como um “órgão natural”. As notas desse órgão são tocadas pelo movimento das ondas sob o píer, traduzindo, literalmente, o movimento do mar em música.

O pavilhão nacional que mais quis ser polêmico foi o da Estônia, instalado no espaço aberto entre o pavilhão da Alemanha e o da Rússia como uma analogia geográfica. Hoje, jornais desses países discutem um grande gasoduto que está em vias de ser construído sob o Mar Báltico, da Rússia à Alemanha, passando pela Estônia, o que tem provocado reações entre ambientalistas estonianos que recomendam a passagem do eixo por terra e não por mar. Mesmo podendo ser chamado de comentário mais oportunista que oportuno, a verdade é que as manilhas do gasoduto no meio dos Giardini são um objeto estranho e escultural que vai além de mero discurso político.

No Brasil, país onde poucos arquitetos têm se dedicado a práticas similares, é pertinente fazer aqui um paralelo entre a Bienal e as propostas compiladas no recente livro Espaços Colaterais (4) (Instituto Cidades Criativas, 2008, 312p), todas elas funcionando como alternativas frente aos cânones vigentes na arquitetura produzida no país. Espaços Colaterais compartilha dessa mesma preocupação em solucionar os problemas das cidades contemporâneas com idéias que expandem os limites tradicionais da arquitetura, negociando seu alcance social, exaltando sua relevância cultural, e reposicionando a prática do arquiteto no cenário político contemporâneo.

Um dos projetos que mais chama atenção no livro pela sua escala é um presídio em Santa Luzia, na grande Belo Horizonte, projetado por Flávio Agostini (5) e equipe. Por meio da atuação da Associação para Proteção e Assistência aos Condenados (APAC, fundada em São José dos Campos), a penitenciária é organizada seguindo a premissa de “prisão aberta”, reestruturando o cotidiano e a formação do espaço: os detentos se integram a um processo de revisão do modelo penal brasileiro. O projeto altera uma das premissas estruturais do espaço prisional, de um rigoroso isolamento intra-muros: com a nova arquitetura das edificações, abriram-se possibilidades para um cotidiano marcado por procedimentos mais flexíveis e receptivos aos presos, incluindo o uso de parte do terreno como uma praça pública voltada para a cidade de Santa Luzia, e a participação dos presos na administração e controle do presídio.

O livro também apresenta propostas ainda não aplicadas, como o inovador Baixios de Viadutos, (projeto da Associação Arquitetos sem Fronteiras do Brasil e Escola de Arquitetura da PUC), que oferece alternativas a espaços vagos no entorno de viadutos. Essas áreas, muitas vezes ocupadas de maneira improvisada por moradores de rua, poderiam ser ocupadas formalmente para atender a demandas da comunidade local e da própria população dos sem-teto uma vez moradores desses vazios urbanos. A proposta é transformá-los em locais para triagem de material reciclável, áreas de lazer, postos policiais, banheiros, área de convivência, etc. Para chegar na indicação dos usos mais adequados para cada um dos viadutos estudados no projeto, uma extensa pesquisa foi realizada, gerando um completo perfil geográfico, demográfico e socioeconômico dos viadutos.

No projeto Mineração Lagoa Seca (parte da pesquisa “Cidades na Cidade”, de Renata Marquez e eu), a cava de uma mineração desativada situada a apenas cinco quilômetros do centro de Belo Horizonte foi convertida em terreno para prédios residenciais. Uma seqüência de ‘edifícios-viga’ explora o espaço côncavo criado pelas atividades da mineração, invertendo a conotação negativa associada às paisagens mineradas e transformando um passivo ambiental num cenário espetacular. O objetivo mais amplo da pesquisa é investigar os potenciais da iniciativa privada como propulsora e financiadora de intervenções em favelas: aqui, as construtoras – e não as prefeituras – foram vistas como os alavancadores de melhorias nas favelas.

Situações exemplares de bom uso de espaços como estes podem ser encontradas em Buenos Aires, Paris, Tóquio ou em São Paulo, onde uma academia de ginástica funciona sob o viaduto do Café. Casos espontâneos assim mostram que muito da condição da arquitetura e das cidades contemporâneas pode indicar suas soluções – desde que enxergadas com olhos mais abertos e menos contaminados pelos vícios de uma profissão que, no Brasil, anda muito arraigada à idéia de projeto de prédios e casas.

notas1
O artigo comenta a Experimental Architecture, uma exposição de arquitetos “experimentais” ainda pouco conhecidos apresentada na 11ª Bienal de Veneza – Out there: architecture beyond building.
2
In Out there – experimental architecture, catálogo da exposição Experimental Architecture. Marsilio, Veneza, 2008. ISBN 978-88-317-9447.
3
Out There – Architecture Beyond Building. 11ª Mostra Internacional de Arquitetura de Veneza, Veneza/Itália, set-dez 2008.
4
Espaços Colaterais/Collateral Spaces: CAMPOS, Alexandre; TEIXEIRA, Carlos M.; MARQUEZ, Renata; CANÇADO, Wellington (Org.). Belo Horizonte, Instituto Cidades Criativas/ICC, 2008.
5
Mais informações sobre o projeto da APAC no site do escritório M3 Arquitetos (Flávio Agostini, Silvio Todeschi e Frederico Bernis), www.m3arquitetura.com.br, e da ASF-Brasil, www.vazio.com.br/ASF/esq.htm.

sobre o autor

Carlos M Teixeira é arquiteto pela EA-UFMG e mestre em urbanismo pela Architectural Association. Publicou os livros História do Vazio em BH (CosacNaify), Espaços Colaterais (Instituto Cidades Criativas) e é sócio do escritório Vazio S/A.

Carlos M. Teixeira, Belo Horizonte MG Brasil

Pavilhão da Itália, Salotto Buono
Foto Carlos M. Teixeira

Macieiras com dispositivos "clínicos" no pavilhão da Alemanha, Updating Germany
Foto Carlos M Teixeira

Pavilhão da China feito de tubos de papelão e caixas de papel sulfite
Foto Carlos M Teixeira

Exposição Principal (Installations): Penezic & Rogina - Who's Afraid of the Big Bad Wolf in the Digital Age
Foto Carlos M Teixeira

Exposição Experimental Architecture: Ecosistemaurbano , Árvores Vallecas
Foto Carlos M Teixeira

Exposição Principal (Installations), Guallart Architects, Hyperhabitat [Foto Carlos M Teixeira]

Herzog & de Meuron e Ai Weiwei , Installation Piece for Venice Bienale 2009
Foto Carlos M Teixeira

Exposição Principal (Installations): Greg Lynn, Recicled Toys Furniture
Foto Carlos M Teixeira

Atelier Bow-Wow, Furnivehicles
Foto Carlos M Teixeira

Capa do livro Espaços Colaterais
Foto Carlos M Teixeira

Flávio Agostini e M3 Arquitetura: APAC, Quadras Poliesportivas
Foto Carlos M Teixeira

Flávio Agostini e M3 Arquitetura: APAC, Refeitório
Foto Carlos M Teixeira

Associação Arquitetos sem Fronteiras-Brasil, Projeto Baixios de Viadutos
Foto David Zepter

Carlos Teixeira e Renata Marquez: Mineração Lagoa Seca, maquete
Foto Carlos M Teixeira

Carlos Teixeira e Renata Marquez: Mineração Lagoa Seca, planta
Foto Carlos M Teixeira

 

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