A participação da Espanha na presente Bienal de Arquitetura de Veneza, comissariada por Soledad del Pino e Ángel Fernández Alba (AFA Arquitectos), tem por intenção realizar uma análise intelectual que parte de pressupostos que evidenciam um interesse dos comissários em expor leituras e interpretações desde o conceitual, o que aproxima a arquitetura dos limites da dimensão criativa onde se formula sua essência e seu valor. Sob o título “De lo construido a la arquitectura sin papel” compreende a obra de cinqüenta arquitetos, que se apresentam divididos como representantes de duas gerações distintas. O critério de distinção é que uns pertencem a uma geração que começou “desenhando sua obra em papel e tira-linhas” e a outra, “só conheceu a tela do computador”.
A mostra se divide em duas seções: “Sin nombres, lugares”, que apresenta seis edifícios recentemente construídos assinados por Juan Navarro Baldeweg, Lluís Clotet e Ignacio Paricio, Josep Llinás, RCR Arquitectos, Víctor López Cotelo y Juan Manuel Vargas Funes, IMB Arquitectos. A seleção se fundamenta em juízos poéticos, a consideração de que se trata de obras que mostram “distintas respostas vanguardistas à modernidade”. A segunda, “Arquitectura sin papel” expõe mediante animações quinze projetos de estudos cuja linguagem arquitetônica se desenvolve mediante o emprego de meios digitais, “tentativas de explorar novas vias de criatividade” e cujas peças participantes mesclam arquitetura com outras artes. Colectivo Cuarto y Mitad, Dosmasuno, UP Arquitectos, Coll-Leclerc, María Langarita y Víctor Navarro, David Tapias y Nuria Salvadó, Picado de Blas, Antonio Jiménez Torrecillas, Suárez Santas Arquitectos, Eddea Arquitectos, CUAC Arquitectos, Barozzi Veiga, Murado & Elvira Arquitectos, Estudio Motocross y Solid Arquitectura.
O conceito da exposição parte da premissa de que no momento atual a complexidade da realidade aumentou de maneira exponencial, graças à digitalização da sociedade. Sob este critério se optou por esta divisão da temática entre o que os comissários consideram edifícios sucessores do Movimento Moderno e guias em um período de transição para, os arquitetos do segundo bloco, que os comissários interpretam como representativos da nova era e cuja diferença fundamental em respeito aos primeiros é marcada, dentro do catálogo, pelo feito de destacar graficamente a URL da página web de cada estudo – como fazendo-a símbolo crucial para sublinhar esse caráter “inovador”’ com o que se quer distinguir e que faz três lustros houvesse sido efetista e verdadeiramente provando uma atitude avançada, mas que hoje evidentemente já não o faz. Este detalhe seria relevante unicamente se dentro do âmbito de um determinado estudo a web fora um meio de interação e de produção arquitetônica na rede.
A exposição sem dúvida vai evidenciar o valor já constatado internacionalmente da arquitetura espanhola feita por arquitetos nacionais, mas – desde a obligatória leitura interna – abre amplas perguntas acerca do modo no qual o pensamento e o debate estão articulando-se para formular uma auto-análise crítica que define o estado atual da arquitetura na Espanha e analise suas aproximações ideológicas a todos os níveis (sociales, estéticas, políticas, económicas…).
O próprio título “Sin nombres, lugares” é já um manifesto contra a arquitetura de assinatura, contra a idéia da peça imposta no lugar. A depreciativa negação contra esse feito e suas consequências aparecem, aqui como expressão da tendência de certo setor conservador que, obliterando a figura do arquiteto estrela ou da posição midiática destes – ainda pese à importância global deste fenômeno e a específica transcendência que cobrou no contexto espanhol, com sua tendência a render-se aos pés das grandes figuras –, rechaçam tomar contato e dedicar-se a realizar a necessária análise deste e de suas implicações. Discrepando com a leitura de Javier Maderuelo no texto “Lugares, no nombres” no catálogo da exposição de que certa classe de arquitetos (à que os arquitetos nesta exposição se acharia oposta) se tornaram comparáveis a estrelas cinematográficas, com uma analogia similar poderia dizer-se que falar de arquitetura hoje negando este fenômeno seria como fazer crítica de televisão sem acender o aparelho, depreciando a priori o meio, aparece a necessidade de perguntar-se onde está o limite no que chamamos midiático, ou por acaso não são midiáticos no universo arquitetônico os “gerundenses” (de Gerona) RCR ou Navarro Baldeweg?
O necessário agora já não é injuriar o midiático, senão definir que é o negativo do midiático, reconhecendo a existência inevitável e a força do fenômeno e que o feito de ser midiático não implica ser nada positivo nem negativo, nem a supressão das capacidades poéticas da arquitetura em sua relação com o lugar e o indivíduo. E isto é algo que se deve explicar desde a adoção de novas perspectivas críticas, perspectivas que não se refugiem na segurança do conhecido e o aferramento a ele detrás de poder recuperar de alguma forma um protetor sentido intelectual de ordem e ortodoxia – hoy por hoy, impossível e sobretudo indesejável.
A exposição parece talvez sentir-se mais segura no campo da afirmação da sobrevivência da modernidade em nossos dias. Se isto fosse certo, estaríamos vivendo uma defasagem espaço-temporal dada a relação intrínseca entre a modernidade e a cultura da máquina quando a paisagem atual se está convertendo em digital e informacional. Entender como se produzem as formas de transição e de convivência entre analógico e digital, às que está dedicada a segunda parte, talvez não é explicado ou especulando com a necessária clareza para compreender porque algumas obras se enquadram em um grupo ou em outro. Como raciocinar porque se inclui no afastado “Arquitectura sin papel”, por exemplo, a obra de Antonio Jiménez Torrecillas, cuja obra se inscreveria talvez com mais coerência nos critérios de “Lugares, no nombres”.
Outro dos possíveis equívocos surge do legado da primeira geração de arquitetos e sua soberba, que deixou de lado o papel para construir modelos digitais e assumir o ordenador e suas prestações como ferramenta todo poderosa e radicalmente transformadora. Que nunca aceitou que a arquitetura concebida através da nova tecnologia não apenas implicava geometrias complexas mas uma mudança paulatina porém radical na mente do arquiteto. O digital e informacional e as possibilidades reais que abre este novo tempo para a conceitualização de novas perspectivas – talvez sobretudo poéticas – para a arquitetura não passa por uma exacerbação festiva e lúdica – infantil da criatividade, como se palpa no bloco “Máscaras y nombres”, que pouco contribui para brindar um aprofundamento na identidade de cada estúdio participante e seus objetivos intelectuais – perfeito para a feira de vaidades que é a Bienal, mas que incorre nessa banalização que o substrato da exposição se apresenta necessário desenterrar.
A seleção de obras é impecável. Talvez o problema resida em criar duas caixas muito delimitadas e um tanto arbitrárias, e através de certos conceitos defasados não assumir de todo que tanto a nível local como global a arquitetura deve submeter-se a um debate importante onde se ponha em questão a crise presente provocada pelo estado de transição entre a era industrial e a era digital, e que se produz não por falta de idéias senão por falta da substância destas.
nota
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Publicado originalmente em ABCD las Artes y las Letras - Número 867, sábado 13 de setembro de 2008.
[tradução Felipe Contier]
sobre o autor
Fredy Massad e Alicia Guerrero Yeste, titulares do escritório ¿btbW, são autores do livro “Enric Miralles: Metamorfosi do paesaggio”, editora Testo & Immagine, 2004.
Fredy Massad e Alicia Guerrero, Barcelona Espanha