Em algumas épocas, as construções em ruínas foram consideradas inquietantes e insólitas, como uma estranha presença — ou uma lembrança — dos tempos pretéritos. Ora, construções de tal aspecto impressionaram mais de um poeta, e Lord Byron não foi o único a deplorar as ruínas do Parthenon. Mas talvez esta imagem seja apenas uma espécie de “marca-d’água” do caráter mais inquietante e mais inexorável do tempo: a lenta destruição e, finalmente, a queda e a morte. Neste sentido, ruir, cair por terra, desmoronar, não é tão somente um duvidoso privilégio de construções, mas se estende a impérios, a nações, a homens e a finanças. Por princípio, tudo o que existe deixará de ser, ou seja, tudo o que é, um dia e com um pouco de sorte, adquirirá o caráter de ruína.
Estas afirmações, contudo, poderiam ser compreendidas apenas como uma interpretação romântica dos fatos, e a alusão discreta a Lord Byron seria um indicativo disto. Como veremos, não é bem assim, mas apenas por simetria, citemos um poeta romântico francês, Lamartine: “Ô temps! suspends ton vol, et vous, heures propices! Suspendez votre cours.” Aparentemente, para o romântico o tempo deveria ser congelado, fixado instantaneamente como em uma fotografia, desde, naturalmente, que fosse “le bon vieux temps”. Mas a associação entre construções em ruínas e a morte não se encontra apenas no pathos romântico, posto que em épocas bem pouco “românticas” este procedimento perdurou.
Sartre, em um romance que fora abandonado, e que, como uma ruína, se encontra em fragmentos, faz algumas considerações sobre esta questão: “Afinal, estas colunas foram fabricadas em série, com qual direito elas pretendem ser singulares? Única como um corcunda, um manco, um estropiado; deixaram-na cair. Em resumo, é a morte que a torna inimitável; ela sai, chamuscada e salpicada, do incêndio de um templo. Morto, o templo ainda está em torna dela”. A personagem criada pelo filósofo francês erra entre as ruínas de Roma, enquanto deplora a sorte da Europa — a sua ruína do pós-guerra —, e do mundo ocidental conquistado pelos norte-americanos. A coluna solitária é a marca da ausência, do que já existiu, do que prosperou e, de repente, não é mais. A “morte” a marcou e a tornou o que ela, agora, é: manca, corcunda e estropiada, como se fosse um mutilado de guerra.
Estas considerações nada otimistas foram escritas em 1951, seis anos depois, portanto, da descoberta do holocausto e da bomba nuclear, onze anos depois da derrota e da humilhação francesas. As ruínas são a marca mais evidente — e a lembrança, neste caso um amargo e triste souvenir — do fim que se aproxima. Em um museu na cidade de Hiroshima, exibido em algum lugar, há um degrau de granito com a marca de um homem. Este homem, cuja identidade se ignora, foi volatilizado em uma fração de segundos, em agosto de 1945, enquanto a sua cidade se fazia em ruínas. Uma morte, dir-se-ia, legendária, como o desaparecimento de um templo romano cujo vestígio é uma única e, agora singular, coluna.
Este é, parece-nos, a interpretação mais corrente para o fascínio das ruínas, ao mesmo tempo belas e terríveis. Não seria, portanto, uma simples divagação romântica e, neste sentido, precisamente datada, mas uma construção cultural e uma metáfora, ou, se preferirem, uma metonímia: a coluna lembra-nos o templo desaparecido, e este desaparecimento nos lembra a morte como o inelutável destino. Para a personagem de Sartre, a melancolia está diretamente ligada à visão das ruínas, e só os muito ingênuos — que, no romance, são os turistas norte-americanos — poderiam ignorar este fato.
sobre o autor
Arquiteto e Urbanista pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Mestre em Estudos Literários pela UFES, Doutorando em Arquitetura e Urbanismo pela FAU-USP. Professor Assistente do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Estadual de Maringá. Autor do livro “Arquitessitura: três ensaios transitando entre a filosofia, a literatura e a arquitetura”.
Adson Cristiano Bozzi Ramatis Lima, Maringá PR