Mesmo entre iniciados, Wang Shu é pouco conhecido – não há nenhum livro sobre sua obra, só reportagens em revistas e sites especializados. Por outro lado, aos 48 anos, ele é considerado um jovem profissional.
Por fim, frente ao crescimento mamute chinês, o escritório dele é nanico: lá trabalham sua mulher e quatro funcionários.
Esse currículo não impediu que ele ganhasse, na última segunda, o mais inesperado prêmio da história da mais importante distinção da área de arquitetura.
Mas a escolha de Shu não é um capricho dos jurados do Pritzker, uma indicação da escassez de nomes para se premiar anualmente nem tampouco uma constatação do fim da era do star system arquitetônico, alimentada pelo próprio prêmio e agora alocado no freezer pela crise econômica.
O prêmio de Shu aponta, como o próprio argumento do júri revela, para uma preocupação legítima com o crescimento urbano chinês.
Por razões políticas, a China ficou de fora do debate arquitetônico internacional dos últimos 150 anos.
Sem tradição técnica e artística recente, o gigante asiático busca queimar etapas alimentando-se com a contratação de projetos arquitetos estrangeiros.
Mas isso não basta; é apenas a ponta visível, a cereja do bolo de um violento processo sem precedente de urbanização, a partir de modelos equivocados.
Não que o saber ocidental tenha conseguido resolver os problemas das metrópoles -longe disso. Mas, aos olhos dos técnicos ocidentais, a China parece um touro sem controle.
Assim, o destaque para a obra de Shu é bem-vindo. Filho de um carpinteiro e de uma professora primária, ele queria ser artista ou escritor.
Mas foi induzido pelos pais a ingressar em um curso mais científico, o que o levou à arquitetura, sem que ele se esquecesse da paixão juvenil.
"Como posso compor poemas, literatura ou filosofia com materiais comuns, sem palavras especiais e/ou recém-inventadas? Por isso o meu estilo de escrita é como construir uma casa -eles são paralelos", contou em entrevista publicada na China.
Evocando a literatura, orientando seus alunos a fazer arquitetura sem adjetivos, uma das características de sua obra é o reúso de materiais, seguindo uma antiga técnica chinesa.
Assim, a obra de Shu mistura memória com sustentabilidade: ela é um colírio aos olhos ocidentais, que a veem como a China deveria ser.
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Publicação original do texto: SERAPIÃO, Fernando. Trabalho de Wang Shu, vencedor do Pritzker, é colírio aos olhos ocidentais. São Paulo, Folha de S. Paulo, Caderno Ilustrada, 29 fev. 2012, p. E10.
sobre o autor
Fernando Serapião é crítico de arquitetura e editor da revista Monolito.