Em nossas grandes cidades sentimos o peso da herança de um mal urbanismo praticado há muito tempo, que despreza e ignora nossos desejos e necessidades cotidianas.
Vivenciamos nos últimos anos uma piora significativa nos transportes, públicos ou não, saturados ou congestionados em vias entupidas de carros novos, vendidos em financiamentos facilitados, que impactam e dificultam nossa circulação diária.
Sentimos o boom imobiliário nos proibir de comprar nossa casa, transformando nossos antigos apartamentos alugados em fortunas de um milhão de reais. Não queremos viver em kitnets rebatizadas de studio-loft, com 36 metros quadrados a 11 mil reais o metro. Nem podemos.
Não gostamos das torres quadrigêmeas que pipocam do dia para a noite, entupindo as vias com SUVs e seus motoristas autoritários. Torres que também escurecem nossas ruinhas secretas, matando seus frágeis ipês cor-de-rosa.
Nossas cidades experimentam agora os efeitos predatórios de iniciativas duvidosas justificadas para fazer frente à crise internacional de 2008, que mantiveram o crescimento da economia e do emprego no país, e que agora mostram seu preço. Os megaeventos – Copa do Mundo e Olimpíadas – só parecem dar mais gás aos mesmos mecanismos de destruição e exclusão urbana, apoiados por grandes empreiteiras, empresas de ônibus, de coleta de lixo, entre outros gigantes que não só lucram com o processo, garantem sua perpetuação ao financiarem campanhas eleitorais.
É importante reparar como essas iniciativas que modificam a cidade estão associadas à idéia de "melhoramento" urbano, higienização e, principalmente, a idéia de progresso. A reurbanização que expulsa populações pobres e coloca no chão bairros inteiros como a Luz, é movida pela mesma lógica especulativa que remove os antigos bordéis da Rua Augusta para dar lugar a torres com terraço gourmet e 4 vagas de garagem por apartamento.
A ladainha acima se faz escutar nas escolas de arquitetura a pelo menos 10 anos, mas nunca foi capaz de mobilizar ninguém. Aproveitemos então a deixa, para fazer ecoar nossas angústias, há tanto tempo guardadas no peito. Que não se menosprezem os "sem-causa", sem partido, os jovens indignados que agora tomam nossas ruas. Poderá sua indignação se tornar revolução de fato? Tomara.
Ainda que após o êxtase, a euforia inicial se dissipe, que fique o sentimento de determinação e o inconformismo.
Depois que as fotos tremidas e os vídeos do youtube deixem de ser visitados, quando os depoimentos postados no calor dos acontecimentos deixarem de ser populares, que fique a energia que alimentou esse amplo engajamento autoconvocado e o sentimento de esperança. Lembremos da sensação compartilhada de amizade que se fez sentir em meio à multidão. A alegria entusiasmante de tomar a rua, que fez todos gritarem e chamarem os outros para compartilhá-la.
Vem prá rua, vem!
sobre a autora
Juliana Aoun Monferdini é arquiteta e urbanista pela IAU EESC-USP e mestre pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.