Em arte tudo é possível, até a encenação de uma retórica do vazio, onde a leitura é um jogo lúdico, para acionar a inteligência e o sensível. Acompanho o trabalho de Waltércio Caldas desde o começo da década de 1970. Sempre com o mesmo rigor e uma poética racionalista, entre o raciocínio e o riso. São coisas / signos que integram o gueto da arte contemporânea resistente ao descartável e ao volátil que contaminaram e enquadraram o repertório cultural na categoria do entretenimento.
Dentro da realidade da arte, o artista interroga o sentido das coisas e do mundo, coloca em xeque o nosso domínio lógico sobre o que olhamos. O que é o olhar? Estamos limitados ao que sabemos, vemos o que conhecemos. Ver um trabalho de arte é um esforço, exige um aprendizado, principalmente em trabalhos como o de Waltércio. Ele faz um convite para o olhar, mas olhar o que? O vazio? Um abismo que retém um saber. Interrogações e dúvidas. Um conhecido procedimento que nos persegue desde a Renascença: o ato de olhar objetos de arte para pescar um sentido, o desespero e o prazer do espectador.
Nesses trabalhos em exposição, desenhos e objetos, o sentido é escorregadio, sem fazer escândalo, é o que falta no último instante. Um perfeito entrosamento entre desenho e escultura, materialidade, memória e percepção, sem negar a ancestralidade construtiva. Com poucos gestos e uma elegância quase clássica, essas peças, ou melhor, armadilhas, atraem a curiosidade do espectador, que arrisca palpites para satisfazer o desejo de entender e se livrar do desconhecido, como se fosse possível entender uma obra de arte. Quem sabe, para a “alegria perversa” do artista, escondido atrás do cenário com suas surdas gargalhadas.
Significar o vazio e acirrar a relação significante / significado. Uma linha de aço inox, por exemplo, determina o espaço ocupado por um objeto, uma síntese que sugeri um lugar para ser habitado através da memória e a imaginação do espectador. Uma sensação de que falta alguma coisa para o funcionamento da engrenagem, embora tudo se apresente na mais perfeita ordem. Falta o olhar malicioso do espectador, o combustível para a máquina entrar em ação, mas ela não funciona, ri de sua própria inutilidade. Tudo armado para o espetáculo, mas no último instante, parece que o comediante fugiu. Não sabemos. As minhas especulações dizem respeito às minhas obsessões, o espectador que tire suas conclusões.
Afinal o que faz o artista, desde Da Vinci, passando por Duchamp, não é acrescentar problemas para a imaginação e a volúpia do olhar? A incerteza do sentido instala o suspense. Nas armadilhas de Waltércio alguma coisa vai acontecer, mas quando? Ninguém sabe. Um jogo com regras severas, porém secretas. O espectador, viciado a ver e agarrar como prêmio um significado, encontra-se diante de um precipício. Para escapar do medo de não entender, é melhor recorrer a um riso desconfiado e sair pela tangente. Sem recorrer a outras experiências, a possibilidade da arte reconhece seu campo específico e nos oferece a pergunta: O que é arte? Difícil é a resposta.
sobre o autor
Antônio Luiz M. de Andrade (Almandrade) é artista plástico, poeta e arquiteto.