Durante as décadas de 1950 e 1960, o popularmente intitulado "novo centro" (1) paulistano estava em plena expansão e reconfiguração. Artacho Jurado nota então, o potencial da área para empreendimentos voltados para as classes A e B, visando o lucro. Higienópolis, por exemplo, se encontrava em decadência, os grandes casarões eram abandonados ou tornavam-se cortiços. A classe média tomava conta da área, atraída pela localização privilegiada do bairro aliada ao antigo prestigio da região (2).
Porém, Artacho não seguia as características convencionais dos outros arquitetos da época, apostava em edifícios com uma série de espaços coletivos com funções distintas, que se aproximavam de “edifícios clube”. Por exemplo, o edifício Bretagne, de 1959, primeiro edifício com piscina da cidade (3).
A autoria dos Edifícios de Artacho Jurado era facilmente identificável. Sua implantação nos lotes era diferenciada, seus acabamentos e ornamentação tornavam-se referência na paisagem urbana: “Para ele, não era importante a verdade estrutural, e sim o resultado plástico atingido” (4).
Artacho buscava garantir aspectos de luxo em suas construções, principalmente nas áreas comuns dos edifícios. Área de lazer, piscina e mais de uma torre de elevadores, são algumas das regalias absurdas para a época que Jurado introduziu no mercado. Apesar de visionárias, essas intervenções representavam altos custos e elevadas taxas de condomínio aos moradores, e para amenizar esses gastos, algumas das saídas encontradas pelo arquiteto foram fontes de renda extra, como o aluguel de vagas na garagem, ou espaço para luminosos de propaganda no topo da edificação (vide o Edifício Viadutos).
Artacho garantia clientes vendendo os apartamentos ainda na planta, algo muito discutido e questionado pelos modernistas da época, que diziam que a planta deveria ser fruto de um esforço conceitual, e não apenas de encaixe em uma malha previa. Além disso, garantia seu lucro apenas a partir do que era cobrado como taxa administrativa do condomínio, uma vez que trabalhava com um sistema de pagamento com entrada e parcelas fixas e a preço de custo, atraindo compradores.
A influência americana sobre o trabalho de Artacho é evidente. Principalmente na década de 1950, com a entrada massiva de produtos e do american way of life na vida dos brasileiros. Artacho se aproveita desse caráter fantasioso, principalmente para a classe média e alta, criando um ambiente-cenário que interessava a esse público. Como colocado por Maria Eugenia Leme (5), era comum nos edifícios de Jurado a presença massiva de ornamentos e enfeites na fachada externa do edifício, mas não nas fachadas de dentro do lote, onde havia pouca ou nenhuma visibilidade, a não ser dos empregados; refletindo o efeito “cenário”. Além disso, como estratégia de venda, o arquiteto estendia um tapete vermelho no saguão e convidava personalidades norte americanas para o lançamento do edifício, atraindo cada vez mais compradores, que se deslumbravam com o espetáculo, onde o “grande filme era seu edifício” (6).
Apesar da grande influência modernista nas obras de Artacho – como o térreo livre sobre pilotis, o teto-jardim de Le Corbusier, a utilização de pré-moldados de concreto, o recuo da edificação com a rua, o acesso por rampas, floreiras que uniam o interno do externo –, ele foi alvo de grandes criticas por parte dos arquitetos modernistas, muito incomodados com as técnicas por ele empregadas.
O edifício Cinderela
“O Edifício Cinderela [...] revela em total esplendor o que viria a ser chamado de "Estilo Artacho Jurado” (7). O uso do pastiche colorido das texturas, materiais e ornamentos revela-se em seu edifício mais “Kitsch”, marcado por tons vivos, pastilhas cor de rosa, muxarabis em formatos de flor-de-lis (clara associação à monarquia) e guarda-corpos rebuscados compondo essa grande “colagem” reconhecidamente “artacheana”.
Localizado na esquina da rua Maranhão com a rua Sabará, em Higienópolis, o Edifício Cinderela serviu de moradia para o arquiteto e sua família já no ano do término de sua construção (1956), e onde o próprio transformou a planta original de dois apartamentos em um único, exemplificando e garantindo a flexibilidade interna do seu projeto.
Apesar dos dois blocos de apartamentos originais da implantação, o desenho do edifício garantia ao morador a sensação de exclusividade a partir das amplas varandas, que passavam a idéia de um único apartamento por andar. A presença de uma suíte no dormitório do casal também refletia a necessidade de privacidade, além de maior apuro ao apartamento.
A localização do salão de festas na cobertura garantia (além do térreo) a conexão entre os dois blocos. Apesar de seguir o principio modernista do teto-jardim, essa adaptação não foi muito bem sucedida na época da construção, que devido ao precário sistema de impermeabilização adotado por Jurado, acabou gerando grandes problemas de goteiras e infiltração aos proprietários do último andar do edifício.
A garagem subterrânea também revela o vanguardismo de Jurado em relação ao transporte em São Paulo além da valorização dos apartamentos, que agora garantiam espaço para que o morador guardasse seguramente seu automóvel, na época item de alto luxo na cidade.
Parte do “estilo Artacho Jurado”, o jardim de inverno e o amplo hall de mármore, com sala de leitura e de reunião no térreo são clássicos do arquiteto que proporcionavam aos moradores a convivência nessas áreas comum.
“A moradia coletiva, até os anos 1930 era altamente rejeitada pelo gosto popular e pela classe média que associava os edifícios multifamiliares aos cortiços de pobres. Isso levava a uma resistência em se morar em edifícios não só pela associação com o cortiço, mas pelo medo de tragédias.” (8)
A vontade de atingir a classe média e alta paulistana para seus empreendimentos, levou Artacho a realizar algumas estratégias que garantiriam o sucesso de seus empreendimentos. Uma delas, já mencionada, era garantir a exclusividade de cada proprietário em seu apartamento, criando um hall para cada bloco e realizando plantas amplas e semelhantes às das casas onde seu público-alvo vivia até então. ”Acostumada aos exageros ornamentais, a classe média ainda primava por referências formais aos palacetes dos barões do café” (9).
A separação entre a área de serviços e a área “nobre” da moradia era dada pelo acesso diferente já nos elevadores. “Uma versão reduzida dos antigos palacetes burgueses” (10). A dissociação de circulação entre patrões e empregados, além da presença do cômodo destinado ao serviçal dentro do apartamento eram características de requinte para o mercado imobiliário.
O excesso de adornos, principalmente na fachada e áreas comuns faziam referencias aos luxuosos mansões, de onde muitas das famílias de novos moradores vinham, e também aos cenários de filmes da década de 1950.
O edifício Cinderela foi um dos empreendimentos da construtora Monções que contribuiu para o “boom Imobiliário” dos anos 1950/1960. Com foco no mercado, sua construção, como já mencionado, se destinava às classes mais abastadas.
Atualmente, os empreendimentos de Artacho Jurado se valorizaram bastante. O Bairro de Higienópolis, ainda altamente cobiçado pelo mercado imobiliário, engloba edifícios assinados por importantes arquitetos paulistanos, como Artacho, o que passou a ser visto como um diferencial e novo potencial de exclusividade, não mais necessariamente vinculado a um estilo de vida elitista, mas a influência e simbolismo do próprio nome do empreendedor.
O Edifício Cinderela apresenta a maioria das características e ornamentos originais ainda bem conservados. O prédio também passou por uma reforma com o intuito de recuperar cores e resolver problemas técnicos como infiltração. A entrada foi cercada como medida de segurança, desconfigurando toda a área de acesso. Já algumas das principais mudanças da “planta original” do Cinderela se deram por conta da própria especulação imobiliária. E tal fato se reflete diretamente na figura do zelador, que segundo relatos, por anos morou em outro edifício da região, pois a área destinada para sua família (no térreo) deu lugar a mais um novo apartamento, atendendo ademanda de mercado. Atualmente essa área tornou-se um moderno Loft, e o zelador mudou habita um acréscimo na garagem subterrânea.
notas
1
"Centro Novo"configura-se pela expansão do centro além do Vale do Anhangabaú, passando pelo Viaduto do Chá , seguindo pelo Bairro dos Campos Elíseos em direção à Higienópolis. Vale lembrar que essa região passa a por uma forte verticalização nas décadas de 1940 e 1950, coincidindo também com o aumento do transito de veículos na região.
2
FRANCO, Ruy Eduardo Debs. Artacho Jurado : arquitetura proibida. Editora Senac , São Paulo 2008.
3
LEME, Maria Eugenia França. Re-Conhecendo : Artacho Jurado. FAU-USP, São Paulo, 1994.
4
idem.
5
idem.
6
idem.
7
FORTE, Fernando. “Polêmico Artacho: do Kitsch ao Cult”. Revista aU, numero 174, Setembro 2008. Editora Pini. p. 69-73.
8
VILLA, Simone Barbosa, “Um breve olhar sobre os apartamentos de Rino Levi”. Vitruvius, Arquitextos 120.07. São Paulo, 2010. Disponível em: <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/10.120/3437> acesso em: 04/05/2011
9
idem.
10
idem.
sobre as autoras
Laura Belik é arquiteta e urbanista, formada pela Escola da Cidade (2013). Em 2011, estagiou no portal Vitruvius. Pesquisadora da X Bienal de Arquitetura de São Paulo, é também idealizadora do Projeto Centro e Sola de caminhadas pelo Centro da cidade. Atualmente, trabalha no Museu da Imagem e do Som (MIS).
Maria Pia Carmagnani é estudante de arquitetura e urbanismo da Escola da Cidade e também da Escola de Sociologia e Política Fespsp. Estagiou no Portal Vitruvius em 2012 e atualmente faz parte do Núcleo de Pesquisa da Escola da Cidade.