Nesta semana, quando passava de trem por um subúrbio de Melbourne, vi um cartaz na parede de uma fábrica que dizia algo assim: “Buy a product made in australia and give your son his future job”. Frente à apavorante transposição de grande parte da produção industrial para a China e outros países da Ásia, a exposição Melbourne Now, organizada pela National Gallery of Victoria, tem exatamente esse objetivo: mostrar ao mundo, e aos australianos, que Melbourne é um importante centro de design e criatividade com forte identidade cultural, com o objetivo de contar a concorrencia externa e agregar mais valor aos seus produtos.
A mostra inclui arte, design e arquitetura, e é acompanhada por uma série de palestras e discussões. Um exemplo interessantíssimo de desenho de produto é o Foliar Wall System, um sistema de peças modulares com formato de folhas que podem ser configuradas de várias maneiras, gerando diferentes resultados acústicos. Outro bom exemplo é o banquinho Tryst, em que a madeira ganha flexibilidade graças a um complexo padrão geométrico de corte. Tryst foi criado por Tate Anson, que pretence ao coletivo Melbourne Movement (1), “a talented mix of young Australian designers, determined to build an international reputation for cutting edge Australian design.” A organização ajuda jovens talentosos a desenvolver, promover e comercializar seus produtos.
A exposição Sampling the City: Architecture Culture in Melbourne, que faz parte da mostra, demonstra o empenho dos arquitetos de Melbourne em estabelecer uma reputação internacional:
“… esse ato consciente de estabelecer uma cultura local é realmente o que Melbourne deu para o pensamento australiano contemporâneo. Isto é muito aparente em sua cultura arquitetônica, e é isso que [a exposição] Sampling the City comemora.”(2)
Com esse objetivo em mente, o local em que a exposição foi montada não poderia ter sido mais adequado. O Ian Potter Centre faz parte do complexo de edifícios da Federation Square, projetado pelo escritório australiano Lab Architecture Studio, que venceu um concurso internacional de propostas para a área (3). O conjunto ganhou fama por seu desenho complexo, baseado em conceitos matemáticos (4).
A exposição de arquitetura da Melbourne Now inclui mais de vinte escritórios de arquitetura locais, organizados em cinco temáticas: representação e a cidade; manufatura e materialidade; prática arquitetônica engajada com a arte; costurando a cidade; e arquitetura avançada. Esta última é descrita da seguinte maneira em um dos cartazes da entrada:
“Os avanços da computação e da manufatura vão agradar a nova métrica da destreza e do prazer.”(5)
Com efeito, as novas tecnologias de manufatura e fabricação digital parecem ter sido assimiladas por todos os arquitetos expostos na mostra. Segundo Jane Burry, diretora do Spatial Information Architecture Laboratory SIAL (6) do Royal Melbourne Institute of Technology (RMIT), a arquitetura australiana vive a era pós-digital, em que já não há mais necessidade de se falar das novas tecnologias, pois elas já foram completamente absorvidas.
Na saída da mostra há uma lojinha em que são vendidos livros e produtos inovadores, identificados por cartazes com frases do tipo “este produto foi criado por um designer de Melbourne” ou “é produzido em Melbourne”. Até parte do mobiliário da área de exposição de produtos, feito de papelão, é orgulhosamente produzido na cidade.
A exposição ocupa os dois espaços da National Gallery of Victoria, a NGV International e o Ian Potter Centre/NGV Australia, e ficará aberta ao público até 23 de março.
notas
1
Coletivo Melbourne Movement <http://www.melbournemovement.com>
2
Do original: "... that conscientiousness to establish a local culture is really what Melbourne has given to contemporary Australian thinking. This is none more apparent than through its architectural culture, and it is this that is being celebrated in Sampling the City.
3
<http://www.arcspace.com/features/lab-architecture-studio/federation-square/>
4
Ver The New Mathematics of Architecture, de Jane e Mark Burry
5
Do original:“Computational and manufacturing advancements will appeal to the new metrics of dexterity and delight.”
6
SIAL <http://www.sial.rmit.edu.au>
sobre o autor
Gabriela Celani é arquiteta e professora da Unicamp, e viajou a Melbourne a convite do Prof. Tom Kvan, diretor da Escola de Arquitetura da Universidade de Melbourne, para participar do Urban Research Think Tank.