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Durante as comemorações de 100 anos de Lina Bo Bardi, o Masp divulga que retomará na pinacoteca da instituição o uso dos cavaletes de vidro projetados pela arquiteta.

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ANELLI, Renato. Lina Bo Bardi ganha presente de 100 anos. Os cavaletes de vidro estarão de volta ao Masp. Drops, São Paulo, ano 15, n. 085.03, Vitruvius, out. 2014 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/drops/15.085/5311>.


A decisão do retorno da disposição original da pinacoteca do Masp, a qual inclui os suportes transparentes, deve ser comemorada. Para isso fazemos aqui uma breve reflexão sobre o seu significado original, os motivos da sua remoção a partir de 1996 e o longo movimento pelo seu retorno.

A museografia do Masp na sede da avenida Paulista, inaugurada em 1968, tem uma longa genealogia que remonta às vanguardas artísticas da década de 1920. Os primeiros modos modernos de expor foram coerentes com a intenção de dissolver os limites do quadro para conquistar o espaço. Já em 1925 a Cidade no Espaço de Friedrick Kiesler fazia flutuar planos e objetos do pavilhão austríaco em Paris. Pouco mais tarde, em 1934, essa mesma estratégia já era usada por Edoardo Persico em suas exposições em Milão, enquanto Pietro Maria Bardi destacava os quadros das paredes da sua Galleria d’Arte de Roma (1930-33).

Adotada pelos principais arquitetos racionalistas italianos, essa estratégia espalhou-se nos museus italianos construídos após a Segunda Guerra Mundial, projetados por Franco Albini, Ernesto Rogers, Ignazio Gardella, Carlo Scarpa. A modernidade dos suportes das expografias contrasta com os velhos edifícios de valor histórico, adaptados para o uso como museu.

No Brasil Lina e Pietro desenvolveram essa mesma linha na primeira sede do Masp na rua 7 de Abril, também restritos ao interior do edifício dos Diários Associados. No entanto, em 1951, nos projetos da sua residência e do museu em São Vicente (não construído), a transparência de suportes e fachadas busca a diluição dos limites entre interior e exterior, estabelecendo a continuidade espacial moderna e diluindo a separação entre cultura, arte, natureza e cidade.

A radicalidade dessa operação só seria completada em 1968 com a inauguração da nova sede do Masp. A transparência dos suportes constituía um conjunto com as fachadas de vidro e estendia o espaço da arte para o espaço urbano. Conforme palavras da autora em 1970, era necessário tirar “do museu o ar de igreja que exclui os não iniciados” para popularizar a arte. Uma popularização pedagógica, no sentido de ajudar a “despertar uma natural consciência” e, como lembra Lina, “adquirir consciência é politizar-se” (1).

A remoção dessa concepção museográfica foi promovida após o afastamento de Pietro e Lina do museu, ela falecida em 1992 e ele irremediavelmente doente. Os argumentos técnicos que fundamentaram essa remoção pautaram-se pela pretensa objetividade do “cubo branco”, a forma anódina de exposição consagrada pela museologia conservadora. Inicialmente provisórias, as paredes construídas tornaram-se permanentes. A concepção cultural e artística de Pietro e Lina foi simplesmente desqualificada como um equívoco a ser corrigido.

As manifestações contrárias partiram inicialmente do Instituto Bardi, então conduzido por Marcelo Ferraz, sendo acompanhadas por outros intelectuais e instituições. Debates e pesquisas acadêmicas elucidaram o sentido da museografia suprimida, seu valor cultural e político. Movimentos pelo seu retorno foram promovidos pelo Docomomo, entidade internacional dedicada à conservação de exemplares modernos. Manifestações de indignação com a mutilação do museu foram constantes no Brasil e no exterior. Nada disso demoveu os dirigentes do Masp a tratar aquela concepção como um fato de cultura, digno de ser vivenciado pelas novas gerações.

Reformas de manutenção e adaptação necessária foram tratadas de modo a alterar as principais características arquitetônicas. Da eliminação da paginação do piso de pedra no pavimento inferior, à invasão do vão livre com a parafernália de pisos e bloqueios da nova entrada, o Masp foi se transformando em algo híbrido, onde os registros da bruta radicalidade original convivem sem nenhuma harmonia com o acabamentos e procedimentos característicos de uma cultura pretensamente refinada.

Assim, a proposta de fechamento do vão livre lançada pelo ex-curador no final de 2013 parecia um passo inevitável. A eliminação do descontrole daquele espaço público visava impedir seu uso como ponto de concentração das principais manifestações políticas em São Paulo, característica talvez forte demais para um espaço de cultura. O movimento firme conduzido pelo Instituto Bardi e vários segmentos da sociedade foi suficiente para o abandono da proposta após algumas semanas de debate (2).

Uma década e meia após a supressão, os novos gestores do museu se sensibilizaram com o crescente reconhecimento internacional da importância de Lina Bo Bardi para a contemporaneidade. O novo diretor artístico do museu, Adriano Pedrosa, acaba de fazer as seguintes declarações: “não quero chegar e começar algo do zero sem entender a história do museu”; “voltar com os cavaletes é um gesto genuíno por achar que isso tem uma radicalidade, uma subversão”; “muitos de nós não conviveram com eles, e há um desejo que voltem” (3). A densidade e abrangência das comemorações do centenário de Lina Bo Bardi, em curso no Brasil e em vários países, certamente contribuiu para essa decisão (4).

Resta agora a difícil tarefa da recuperação do prédio e da sua museografia, o que não é simples. Para isso já existe uma enorme experiência acumulada em recuperação e adaptação de edifícios modernos como o Masp, sistematizada e difundida pelo Docomomo (5), que pode ser agenciada facilmente. Também importante é o papel do Instituto Bardi, que tem na sua missão dar continuidade à ação cultural do casal. Universidades no Brasil e no exterior reúnem uma gigantesca quantidade de estudos sobre o Masp e o casal Bardi e podem trazer elementos relevantes para esta nova fase na vida do museu. Curadores e intelectuais de vários países, que demonstram tanto interesse pela obra de Lina e pelo museu, podem também contribuir.

O importante é que a celebração do centenário de Lina agora se confunde com a comemoração dessa vitória, abrindo um período no qual o modo como o museu irá ser recuperado possa ser enriquecido pela contribuição de todos aqueles que lutaram para que isso acontecesse. Certamente os novos gestores do Masp serão capazes de recuperar seu papel de vanguarda, colocando-o à altura dos desafios de um museu no século 21.

notas

1
Sobre a genealogia dos suportes de vidro, ver: ANELLI, Renato Luiz Sobral. O Museu de Arte de São Paulo: o museu transparente e a dessacralização da arte. Arquitextos, São Paulo, ano 10, n. 112.01, Vitruvius, set. 2009 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/10.112/22>.

2
Sobre a proposta de fechamento do vão livre, ver no portal Vitruvius:

ANELLI, Renato. No aniversário de Lina Bo Bardi, um abraço pela liberdade. Minha Cidade, São Paulo, ano 14, n. 161.01, Vitruvius, dez. 2013 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/14.161/4982>.

FABIANO JR, Antonio. Vão do Masp. Uma viagem no tempo e a dura realidade atual. Arquiteturismo, São Paulo, ano 07, n. 081.01, Vitruvius, nov. 2013 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquiteturismo/07.081/4969>.

GUERRA, Abilio. Os retrógrados. Sobre o fechamento do vão livre do Masp. Minha Cidade, São Paulo, ano 14, n. 160.05, Vitruvius, nov. 2013 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/14.160/4961>.

PERROTTA-BOSCH, Francesco. Occupy vão livre. Minha Cidade, São Paulo, ano 14, n. 160.06, Vitruvius, nov. 2013 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/14.160/4968>.

3
MARTÍ, Silas. Masp vai ressuscitar os cavaletes de vidro. Folha de S.Paulo, caderno Ilustrada, São Paulo, 10 out. 2014, p. E3.

4
Estão ou estarão em breve em cartaz as seguintes exposições sobre a obra de Lina Bo Bardi:

Maneiras de expor: arquitetura expositiva de Lina Bo Bardi, curadoria Giancarlo Latorraca, Museu da Casa Brasileira, São Paulo, 20 de agosto a 09 de novembro de 2014.

A arquitetura política de Lina Bo Bardi, curadoria de André Vainer e Marcelo Ferraz, Sesc Pompeia, São Paulo, 8 de outubro a 14 de dezembro de 2014.

Lina Gráfica, curadoria de João Bandeira e Ana Avelar, Sesc Pompéia, São Paulo, 8 de outubro a 14 de dezembro de 2014.

O mobiliário de Lina Bo Bardi: tempos pioneiros, Casa de Vidro, São Paulo, de 18 de outubro a 6 de dezembro de 2014.

Lina Bo Bardi 100: Brazil's aternative path to modernism, Curadoria de Andres Lepik e Simone Bader, Architekturmuseum der TU München (Pinakothek der Moderne), Munique, 13 de novembro de 2014 a 22 de fevereiro de 2015 <www.architekturmuseum.de>.

Latin America in Construction: Architecture 1955-1980 (participação de Lina em exposição coletiva com cinco projetos), Curadoria de Barry Bergdall, Carlos Eduardo Comas e Francisco Liernur, Museum of Modern Art de Nova York – MoMA, 29 de março a 12 de julho de 2015 <http://press.moma.org>.

Lina Bo Bardi born in Rome in 1914, curadoria de Roger Martin Buergel, Johann Jacobs Museum, Zurich, junho a novembro de 2014 <www.johannjacobs.com>.

5
Ver página do Docomomo Brasil <www.docomomo.org.br>.

sobre o autor

Renato Anelli é professor titular do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo em São Carlos, diretor do Instituto Bardi e autor de diversos livros e artigos publicados no Brasil e no exterior.

Cavalete de vidro com pintura Renée, de Amedeo Modigliani, antiga pinacoteca do Masp
Foto acervo [Instituto Bardi]

 

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