A água exerce uma fascinação ancestral sobre o homem. Sua transparência, fluidez, reflexibilidade sempre foram matéria criativa para a arte. Como olhar de uma maneira nova para um assunto já tão abordado quanto a água? O que me interessou nessa proposta foi exatamente a questão da invisibilidade dessa matéria sobre a qual estamos falando: a água que não vemos mas que está entre nossas casas, ruas e cidades. É essa mesma água que aparece silenciosa numa infiltração e desaparece sutilmente nessa seca que estamos atravessando.
O momento em que essa mostra acontece não poderia ser mais adequado: atravessamos a maior seca de todos os tempos na região sudeste, e pouco se entende sobre suas razões. Essa invisibilidade da água acabou criando a sensação de que ela está sempre lá. Mas agora, não está mais. A mostra Rios e ruas – intervenções se propõe a funcionar como um chamariz para essa questão urgente e de todos: precisamos agir, mesmo que na escala domiciliar, para tentar amenizar a crise. E, fundamentalmente, precisamos ter consciência de que a questão da água é a maior ameaça a humanidade hoje, seja pela sua falta direta, seja pelos conflitos que ela pode gerar. Entender também que no que diz respeito a água e ao clima tudo está delicadamente interconectado, principalmente o que não está visível.
Essa mostra traz para o público artistas que já carregam em sua trajetória uma intensa relação com questões urbanas. E com isso queremos construir a ideia de que a discussão sobre a água pode, a partir da arte, penetrar os circuitos ideológicos e sociais, e exercer um poder de atualização e conscientização a respeito das questões que envolvem o tema.
Para essa mostra, convidamos cinco artistas: Eduardo Srur, Carla Caffé, Paulo Von Poser, Zezão e Danilo Zamboni. Eles foram instigados a reagir a respeito do tema Rios e Ruas, e elaboraram projetos que olham de maneira provocadora e poética para o passado, presente e possibilidades futuras dessa grande metrópole em que vivemos, refletindo sobre qual o papel que os rios exercem nessa dinâmica. São Paulo é um lugar de uma imensa concentração de rios escondidos por ruas que construímos. E uma das coisas mais belas que a arte é capaz de provocar é nos fazer ver o invisível.
O que propomos aqui é uma espécie de infiltração, a partir da qual os assuntos e conhecimentos se contaminam, e a poética artística é o veículo para que isso aconteça. É água o que os artistas trazem para essa exposição. Uma água seca que inunda essa antiga usina de lixo. A água é uma questão vital, coletiva, humana e política, e por isso mesmo, a arte lhe diz respeito.
nota
NE – texto curatorial da mostra Rios e ruas – intervenções, Praça Victor Civita, de 17 de outubro a 30 de novembro de 2014. Concepção de Charles Groisman. Curadoria de Marcello Dantas. Trabalhos de Eduardo Srur, Carla Caffé, Paulo Von Poser, Zezão e Danilo Zamboni.
sobre o autor
Marcello Dantas é curador da mostra Rios e Ruas Intervenções.