Se atentarmos para as letras de muitas de nossas músicas preferidas, encontraremos lamentos, bastante saudade e uma enorme variedade de promessas de felicidade caso a parte desejada ceda ao clamor da letra embalada pela melodia. Em comum, encontramos também a constante falta de alguém que se foi ou não quer vir. Insistentemente, a vontade de se conectar, estar junto.
E por que fazemos e compartilhamos essas transcriações do desejo por outrem em linguagem musical? Talvez sejam como mensagens na garrafa, lançadas ao mar da cultura para serem escolhidas por outras pessoas quando estas precisarem conviver com suas próprias ânsias pela presença e pelo encontro. Afinal, não saberemos quando precisaremos de pequeno ou enorme acalento ao encontrar palavras já cantadas com uma dor que parecia só nossa.
“Tá tarde”, de Caio Romano Guerra. Vídeo finalista no Concurso Cultural Canções de Amor promovido pela V Mostra 3M de Arte Digital
Se assim é, como a assimilação de novas tecnologias e redes digitais pode influenciar e remodelar a pulsão que nos leva a fazer e ouvir essas canções? Ou seja, o que acontece com nossa necessidade de construir relações de afeto conforme se atualizam as possibilidades técnicas de comunicação e de construção de identidade social? São essas perguntas, entre outras, que a V Mostra 3M de Arte Digital – Canções de Amor pretende abordar.
Entendemos o amor em sua acepção ampla, ou seja, como projeção empática em direção ao outro com quem se quer estar junto. Propomos, então, uma exposição que conta com projetos artísticos para refletir como diferentes modelos técnico-sociais transformaram e seguem transformando os canais por onde escoa essa empatia.
“Performance Art is about Nudity”, de Carlos Eduardo Monroy Guerrero. Vídeo finalista no Concurso Cultural Canções de Amor promovido pela V Mostra 3M de Arte Digital
Sua primeira seção conta com dispositivos artísticos que visam compreender quem é o visitante; apreender um pouco da sua identidade e desejos para talvez tornarem-se mais íntimos dele. Em seguida, a mostra se divide em três momentos. No primeiro, encontramos obras que não poderiam ter sido feitas há quinze anos, antes da existência do Facebook, YouTube, Blogger e até do Orkut. São gestos que nascem no ambiente digital online e da dinâmica de compartilhamento de dados e auto-exposição pelas redes sociais.
Depois, encontram-se obras recentes voltadas para tecnologias desenvolvidas entre os anos 1960 e 1990: a era dos populares dispositivos portáteis (dos rolos de filme Super-8 às pequeninas fitas eletromagnéticas Hi-8, ainda antes da internet); as obras nos lembram do quanto cada recurso parecia já vir com um repertório próprio de poses e cenas geradas pela intersecção das características dos equipamentos com os hábitos e rituais das famílias de classe média – seus principais consumidores.
“You always get hurt random people you love on a webcam chatroom”, de Victor Burgos Ferreira dos Santos. Vídeo finalista no Concurso Cultural Canções de Amor promovido pela V Mostra 3M de Arte Digital
Ao final, as obras reunidas nos colocam junto de narrativas consagradas pela indústria cultural de massa; o cinema hollywoodiano, a canção popular brasileira das rádios e discos e, mais tarde, o jornalismo televisivo. São até hoje as mais difundidas mídias na tarefa de construção de imaginários coletivos. Seus produtos não resultam do faça-você-mesmo, mas estão associados a ídolos que, sendo um, pretendem falar por milhões. Reencontramos nas obras dos artistas esses depósitos de identidade refeitos como espectros fantasmagóricos de nossas lembranças: imagens inusuais que enfatizam os pontos cegos, o silêncio e a incomunicabilidade que a edição eficaz de tais produtos costuma esconder.
Infiltradas neste percurso, encontram-se ainda maquinetas que não são puramente eletrônicas, digitais ou analógicas. Lembram-nos que mesmo em um ambiente social estruturado pelos sistemas tecnológicos mais atualizados, nem sempre as obras de arte se resumem a refleti-los: podem focar-se no que sobrou da memória de outrora; esforçar-se para atrasar a obsolescência de dispositivos antigos; experimentar os desejos urgentes e também as nostalgias dos sistemas superados.
No seu conjunto, a exposição reúne diferentes maneiras de estar junto de alguém cuja ausência se faz presente. Podemos olhá-las como desdobramentos, condensações, efeitos colaterais, paródias e homenagens às canções de amor, que se tornaram possíveis pelas inflexões no processo de transformação da comunicação social, do registro audiovisual e da produção cultural.
Mesmo que as obras expostas não sejam todas exemplares da arte digital stricto sensu, elas permitem considerar as relações entre afetos, linguagens e meios, desde perspectivas lançadas nesta era digital.
Vídeo de Laura Daviña. Vídeo finalista no Concurso Cultural Canções de Amor promovido pela V Mostra 3M de Arte Digital
Vídeo de Raquel Rodrigues Costa Ferreira. Vídeo finalista no Concurso Cultural Canções de Amor promovido pela V Mostra 3M de Arte Digital
Vídeo de Fernanda de Carvalho Porto. Vídeo finalista no Concurso Cultural Canções de Amor promovido pela V Mostra 3M de Arte Digital
Vídeo de Andreza Gomes. Vídeo finalista no Concurso Cultural Canções de Amor promovido pela V Mostra 3M de Arte Digital
Vídeo de Eduardo Viana. Vídeo finalista no Concurso Cultural Canções de Amor promovido pela V Mostra 3M de Arte Digital
Vídeo de Jurandi Juca. Vídeo finalista no Concurso Cultural Canções de Amor promovido pela V Mostra 3M de Arte Digital
Vídeo de Vic von Poser. Vídeo finalista no Concurso Cultural Canções de Amor promovido pela V Mostra 3M de Arte Digital
Vídeo de Carolina Mendonça. Vídeo finalista no Concurso Cultural Canções de Amor promovido pela V Mostra 3M de Arte Digital
Vídeo de Felipe Rocha Bitencourt. Vídeo finalista no Concurso Cultural Canções de Amor promovido pela V Mostra 3M de Arte Digital
Vídeo de Olyvia Victorya Bynum. Vídeo finalista no Concurso Cultural Canções de Amor promovido pela V Mostra 3M de Arte Digital
Vídeo de Pedro Horak. Vídeo finalista no Concurso Cultural Canções de Amor promovido pela V Mostra 3M de Arte Digital
Vídeo de Sara Alves Braga. Vídeo finalista no Concurso Cultural Canções de Amor promovido pela V Mostra 3M de Arte Digital
Vídeo de Gabriela Domingues Noujaim. Vídeo finalista no Concurso Cultural Canções de Amor promovido pela V Mostra 3M de Arte Digital
Vídeo de Hugo Curti. Vídeo finalista no Concurso Cultural Canções de Amor promovido pela V Mostra 3M de Arte Digital
Vídeo de Marcela Rebelo Tiboni. Vídeo finalista no Concurso Cultural Canções de Amor promovido pela V Mostra 3M de Arte Digital
“Fim de namoro”, de Ivan Leon. Vídeo finalista no Concurso Cultural Canções de Amor promovido pela V Mostra 3M de Arte Digital
notas
NE1 – Texto curatorial da mostra Canções de amor – V Mostra 3M de Arte Digital, curadoria de Paulo Miyada (coordenação), Carolina De Angelis, Julia Lima, Olivia Ardui e Priscyla Gomes. Instituto Tomie Ohtake, São Paulo, 5 a 30 de novembro de 2014. Artistas da exposição: Claudio Bueno, Christine Sun Kim & Thomas Mader, Danilo Carvalho, Fabiana Faleiros, Fernando Cocchiarale, Fernando Faro, Lais Myrrha, Milton Marques, Natasha Mendonça, Paulo Bruscky, Pedro Moreira, R. Luke DuBois, Tatiana Blass. Artistas selecionados no Concurso Cultural Canções de Amor: Andreza Gomes, Caio Romano Guerra, Carlos Eduardo Monroy Guerrero, Carolina Mendonça, Eduardo Viana Rodrigues, Felipe Rocha Bittencourt, Fernanda Porto & Haroldo Saboia, Gabriela Domingues Noujaim, Hugo Curti, Ivan Leon, Jurandi Juca, Laura Daviña, Marcela Rebelo Tiboni, Olyvia Victorya Bynum, Patrícia Araujo, Pedro Hórak, Raquel Rodrigues Costa Ferreira, Sara Alves Braga, Vic von Poser, Victor Burgos Ferreira dos Santos.
NE2 – Os vinte vídeos finalistas do Concurso Cultural Canções de Amor foram disponibilizados na mesma ordem presente na divulgação oficial do evento.
sobre o autor
Paulo Miyada é arquiteto e urbanista pela FAU USP. Coordena o Núcleo de pesquisa e curadoria do Instituto Tomie Ohtake.