Não consigo me recordar quando e como conheci o arquiteto José Magalhães Jr. Talvez em algum encontro no IAB, quem sabe em algum lançamento de livro, mas bem pode ser em uma palestra dada aos meus alunos na PUC-Campinas, logo após vencer o Concurso da Avenida Paulista, em 1996.
Na ocasião, eu, Luis Espallargas Gimenez e equipe de professores e alunos estávamos estudando e desenvolvendo projetos para a avenida e sua apresentação foi um dos principais subsídios para o desenvolvimento do Trabalho Final de Graduação – TFG de cerca de vinte alunos.
Recordo-me que fiquei encantado com o posicionamento dos ônibus na canaleta central e a preocupação do arquiteto em conferir um desenho adequado para amenizar o impacto da medida. Até hoje o corredor central não foi implantado – e provavelmente não será –, mas o medonho corredor da Avenida 9 de Julho foi redesenhado e o resultado positivo alcançado comprova a tese de Magalhães.
Desde então, foram inúmeros os contatos com o arquiteto, sempre muito produtivos, consolidando um relacionamento de grande respeito mútuo, com ambos acompanhando o trabalho do outro, que resultou em um diálogo ao longo do tempo. Rememorar estes momentos de forma resumida é minha homenagem pessoal ao colega, que tanto admiro.
No ano seguinte, em 1997, minha equipe decidiu realizar o trabalho anual na Barra Funda, em São Paulo, e Magalhães foi convidado para uma nova palestra e para as bancas finais. Ele ficou muito entusiasmado com o trabalho coletivo que realizávamos ao longo do ano, aos moldes de um workshop, aonde se mesclavam a participação de professores de departamentos diversos, convidados especialistas em várias áreas (infraestrutura, paisagismo, transporte, urbanismo etc.) e um grupo sempre motivado de alunos.
Neste mesmo ano publicamos dois volumes da revista Óculum, a número 9 sobre as questões urbanas Christian de Portzamparc, e a número 10/11, com o tema “Jo Coenen – Céramique”. José Magalhães adorou com ambos os números, como ele me disse várias vezes e como pude confirmar ao visitá-lo alguns anos depois na Secretaria de Planejamento de São Paulo – Sempla, quando ele, na condição de diretor de Projetos Urbanos da (2001-2005), chefiava a equipe que desenvolvia as alternativas para as Operações Urbanas Consorciadas. Ele me convidou para me contar e saber minha opinião sobre sua ideia em promover um concurso público no bairro da Barra Funda, que seria posteriormente batizado de Concurso Bairro Novo, realizado em 2004 (1). Na ocasião, me disse que desde quando havia participado de nosso trabalho em 1997 estava olhando com atenção para aquela área de baixíssima densidade e altíssimo grau de oportunidades. Não sei se para me agradar, os dois números da revista Óculum estavam sobre sua mesa.
Um segundo momento de intensificação de nossa relação ocorreu em 2003, ano em que organizei o Workshop Rios Urbanos e o Fórum de Debates da Bienal de Arquitetura de São Paulo, ambos com sua participação. No workshop – realizado com uma equipe de mais de 50 pessoas, com professores e alunos das Faculdades de Arquitetura e Urbanismo da PUC-Campinas, USP e Mackenzie –, José Magalhães Jr. foi responsável por uma das palestras preparatórias, ao lado de Alexandre Delijaikov, Jorge Oseki, Renato Viégas, Alfredo Nery, Ricardo Toledo e outros professores e especialistas em rios, infraestrutura e urbanismo.
Pressentindo que o workshop seria interessante, me pediu para que dois jovens arquitetos de sua equipe, Daniel Todtmann Montandon e Felipe Francisco de Souza, participassem das atividades. Logo após, Magalhães me indicou um livro para publicação, de autoria dos dois rapazes. A edição, que contou com apoio da Sempla e da JICA, uma agência japonesa, demorou muito além do que estimamos inicialmente e só veio a público alguns anos depois (2).
No Fórum de Debates da 5ª BIA, mesmo com a participação de dezenas de arquitetos, sua participação foi destacada. Ele era um dos debatedores do trabalho apresentado por Pierre Bonnet, arquiteto suíço responsável por uma praça linear sobre uma estrada de ferro tamponada na cidade de Genebra, Suíça. Sua fala começou mais ou menos assim: “Quando fui convidado a participar deste debate, só aceitei em respeito à minha amizade pelo coordenador, afinal, que importância teria um projeto de 800 metros para uma metrópole da escala de São Paulo? Contudo, conforme fui conhecendo melhor o projeto, acabei de deparando com outra questão: aonde há em São Paulo um projeto tão interessante de 800 metros?”
Coroando o ano de 2003, Magalhães fez questão que eu participasse de sua banca de doutorado, não aceitando minha alegação que um aluno não poderia avaliar seu mestre. Ele foi irredutível e participei ao lado Nadia Somekh, Paulo Bruna e Ricardo Toledo da banca que discutiu o trabalho Da arquitetura da cidade à arquitetura do edifício, orientado pelo meu ex-professor Edgard Dente no Programa de Pós-graduação da FAU USP.
Pouco tempo depois, me tornei colega de Magalhães na FAU Mackenzie e passamos a nos encontrar ocasionalmente na sala dos professores, mantendo-nos informados do que estávamos fazendo. Numa dessas conversas animadas, decidimos publicar no portal Vitruvius algo sobre as Operações Urbanas Consorciadas, que ele estava liderando na Sempla, agência urbanística da Prefeitura de São Paulo. Da conversa, ocorrida no final de 2004 ou início de 2005, resultaram oito artigos publicados na revista Arquitextos – cinco de Pedro Salles, um de Marcelo Bernardini, um de José Geraldo Martins de Oliveira e um de José Magalhães Jr., o último da série (3). Durante um bom tempo estes textos conformavam a bibliografia disponível sobre o tema.
Em 2010, quando realizamos a festa de 10 anos do portal Vitruvius não podia faltar sua presença, pessoa tão importante na minha formação intelectual e que sempre me incentivou e apoiou de forma entusiasmada. Naquela tarde-noite, Magalhães foi um dos primeiros a chegar e pudemos ver juntos o pôr-do-sol magnífico encarapitados na cobertura do edifício Anchieta, projetado pelos Irmãos Roberto e um dos mais belos da Avenida Paulista.
Nos anos recentes, devido a sua doença que o afastava regularmente das atividades acadêmicas, nossos encontros foram um tanto melancólicos. Mesmo mais frágil, emagrecido, nunca perdeu o viço, o sorriso, o prazer da conversa. O problema era mais meu, que não soube lidar direito com o ocaso da vida do meu amigo. Mesmo ciente de seu estado, não o poupei de amolações e ele colaborou, com depoimentos e acesso aos seus projetos, no desenvolvimento de um mestrado e um doutorado de orientandos meus.
O Arquiteto José Magalhães Jr. – profissional de enorme competência, que atuou com relevância na academia, na administração público e na atividade privada, como arquiteto e autor de textos diversos – faleceu no dia 01 de março de 2015, domingo.
Caro e generoso amigo, descanse em paz.
notas
1
Ver os projetos premiados em: VITRUVIUS, Portal. Concurso Bairro Novo. Projetos, São Paulo, ano 04, n. 044.02, Vitruvius, ago. 2004 <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/projetos/04.044/2398>.
2
MONTANDON, Daniel Todtmann; SOUZA, Felipe Francisco de. Land Readjustment e Operações Urbanas Consorciadas. São Paulo, Romano Guerra, 2007.
3
MAGALHÃES JÚNIOR, José. Operações Urbanas em São Paulo: crítica, plano e projeto. Parte 8 – Operação urbana Água Branca, revisão e proposição. Arquitextos, São Paulo, ano 06, n. 066.03, Vitruvius, nov. 2005 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/06.066/407>. Os outros artigos da série podem ser acessados a partir dos links disponíveis no final do artigo de Magalhães.
sobre o autor
Abilio Guerra é professor de graduação e pós-graduação da FAU Mackenzie e editor, com Silvana Romano Santos, do portal Vitruvius e da Romano Guerra Editora.