No dia 4 de setembro de 2015, o meu filme Prova de coragem (1) teve a sua première mundial dentro da seção competitiva do 39º Festival de Filmes do Mundo, de Montreal. O filme foi exibido no imponente Cinema Imperial, construído em 1913, de início para apresentações de teatro vaudeville. O Festival de Montreal é presidido por Serge Losique, seu fundador – um senhor de 84 anos, amante inveterado do cinema.
A sala de 900 lugares, portanto muito grande, estava parcialmente tomada em ambas as sessões (seiscentas pessoas) – uma às 11h30 da manhã e a outra às 21h30 – mas o público assistiu ao meu filme, de pegada delicada e intimista, em pleno e concentrado silêncio. No final do filme, nada catártico, como se saísse de um sonho, a plateia foi aos poucos deixando essa zona íntima à qual acredito que foi levada pelo filme e aplaudiu em sincero reconhecimento que se revelou plenamente na quantidade de pessoas que vieram cumprimentar pessoalmente o ator Armando Babaioff por sua atuação, bem como ao músico Luiz Henrique Xavier pela composição da trilha musical e eu.
De minha parte, não posso negar a tensão vivida antes da projeção do filme que se seguiu ao prazer de ver a grande tela do Imperial refletindo com brilho a bela fotografia de Lauro Escorel e o trabalho dos atores (Armando Babaioff, Mariana Ximenes, Aurea Maranhão, Cesar Troncoso e Daniel Volpi), muito elogiado por aqui. Posso dizer que, como diretor, naquele momento me emocionei ao ver consubstanciada finalmente a combinação do trabalho de toda uma equipe comandada pela produtora Monica Schmiedt.
A conferência de imprensa foi bem interessante e ganhou tensão, principalmente, no embate que se estabeleceu entre mim e uma crítica canadense. Ela pretendia estabelecer uma hierarquia entre os temas dos filmes e eu lhe respondi que os temas são sempre os mesmos desde os tempos primordiais – o amor, a morte, o poder, a natureza. Cabe aos criadores combiná-los de forma autêntica e verdadeira. Ela também colocou questões de estilo e eu lhe disse que nos meus filmes não busco colocar a minha câmera à frente dos meus personagens e da narrativa, pois isso me parece mais uma manifestação de narcisismo que é marca de nosso tempo e inclusive subtema de meu filme.
Entre as muitas pessoas que nos procuraram e teceram comentários após a sessão, destaco o depoimento de uma senhora durante o debate que se seguiu à projeção de Prova de coragem: “Eu acho que muitos homens deveriam assistir a esse filme pois vão identificar no personagem principal algo de muito entranhado no jeito de ser e sentir masculinos, algo arquetípico que ultrapassa as barreiras culturais”.
Aos poucos vou descobrindo com a ajuda dos espectadores mais sensíveis e atentos ao meu trabalho, que a observação e reflexão sobre o homem contemporâneo aflora dos meus personagens às voltas com o desejo e o medo de viver.
notas
NE – Publicação original do texto: GERVITZ, Roberto. Diretor do filme Prova de Coragem fala de seus personagens, desejos e medos. O Estado de S.Paulo, 9 set. 2015.
1
Prova de coragem, roteiro e direção de Roberto Gervitz; fotografia de Lauro Escorel; com Mariana Ximenes, Armando Babaioff, César Troncoso. Brasil, 2015.
sobre o autor
Roberto Gervitz dirigiu os longas-metragens Prova de coragem (2015), Jogo subterrâneo (2005); Feliz ano velho (1988); Braços cruzados, máquinas paradas (1979). Formatou e dirigiu mais de 80 filmes para a série televisiva Gente que faz (1992 a 1996) e 4 filmes para série televisiva Carandiru – outras histórias (2005).