No último domingo, após intensa mobilização social, o governo federal, depois de ter anunciado a extinção do Ministério da Cultura, seguida da apresentação de diferentes versões do que seria o desenho institucional de uma Secretaria de Cultura ligada ao MEC, voltou atrás e anunciou a recriação do Ministério da Cultura.
No entanto, o ato de recriação, a Medida Provisória 728, publicada no Diário Oficial da União de 23 de maio de 2016, traz uma nova surpresa. O Ministério da Cultura, que seria extinto sob alegação de economia de recursos, ressurge repentinamente com estrutura superior àquela que possuía antes e superior até mesmo à da maioria dos demais ministérios.
O campo da Cultura poderia estar celebrando esse, ainda que tardio, reconhecimento do papel do setor, mas, ao tomar conhecimento da MP 728, surge um intrigante ingrediente a mais: está criada uma sétima secretaria, a Secretaria Especial Nacional de Patrimônio Cultural, com status superior ao das demais, equivalente ao da Secretaria Executiva. Segundo a MP, o Iphan, assim como os demais órgãos do sistema da cultura, continuam existindo e não há descrição de atribuições ou vinculações hierárquicas na nova estrutura.
Por que um Ministério, antes relegado, ressurge assim tão fortalecido, dotado de uma supersecretaria dedicada a tratar justo do setor mais estruturado e mais consolidado da política cultural que é o Patrimônio? O que se pretende produzir a partir dessa nova unidade, configurada como um poder potencialmente autônomo e paralelo ao do próprio ministro, mais ainda ao do Iphan?
A política de patrimônio inaugurou, na legislação brasileira, a defesa do interesse público sobre a propriedade privada e, com base em um ordenamento jurídico sólido e inteligentemente construído, obteve a conservação dos principais sítios históricos e arqueológicos do país e, mais recentemente, do patrimônio imaterial. A nova Secretaria, se for incumbida de atribuições normativas ou do desenvolvimento de projetos especiais, anuncia claramente o esvaziamento da mais sólida instituição do setor cultural que é o Iphan, historicamente reconhecida e respeitada, pujante especialmente nos dez últimos anos, quando ampliou sua articulação com a política urbana, a política ambiental e as políticas de diversidade cultural.
Ao se observar a Agenda Brasil, lançada pelo Senado no ano passado como “contribuição do Congresso [...] por meio de melhoria do ambiente de negócios e infraestrutura”, há várias menções à flexibilização do licenciamento e menções explícitas a “revisar a legislação de licenciamento de investimentos na zona costeira, áreas naturais protegidas e cidades históricas como forma de incentivar novos investimentos produtivos” e “simplificar o licenciamento para construção de equipamentos e infraestrutura turística em cidades históricas, orla marítima e unidades de conservação, melhorando a atração de investimentos”.
A criação da supersecretaria certamente insere-se nesse contexto ou, no mínimo, tem esse ideário como referência. Ainda que a ampliação de estratégias de reabilitação de sítios históricas seja bem vinda, a construção dessas estratégias não pode se dar ao arrepio dos valores essenciais da proteção do patrimônio dos quais se encarrega o Iphan. Fica claro esses valores não servem à nova conjuntura, optando-se portanto, por relegar e, mais do que isso, por atropelar a política do patrimônio cultural no Brasil.
sobre os autores
O texto coletivo é sobescrito pelos funcionários do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Iphan.