São Paulo, 10/11/2017
Estimado Grupo Silvio Santos,
Com esta carta gostaria de parabenizá-lo pela vitória na disputa com o Teatro Oficina pelo desenvolvimento da área no seu entorno. Espero que de agora em diante as obras prossigam sem outras complicações.
Queria propor um outro projeto de desenvolvimento que poderia interessar a vossa empresa.
Tem um Sesc lá na Pompeia que eu acho muito ruim para a cidade de São Paulo.
Construído em volta de uma velha fábrica de tambores, é feio e fora da escala. De cor cinza, deprimente.
É mal frequentado por pessoas que não gostam de trabalhar, tanto que é chamado comumente de fabrica do lazer. À noite acontecem muitas festas com música alta que atrapalham a ordem pública e durante o dia tem muitas crianças arteiras que não param de gritar. Enfim, um lugar degradado.
Imagina que naquele Sesc tem quadras esportivas com alturas mínimas, abaixo das exigidas pelas federações de esporte, sendo assim não dá nem para praticar esporte profissional. O arquiteto que desenvolveu aquele projeto só pode ser um irresponsável.
Com certeza a intervenções feitas nos galpões existentes requalificaram o espaço deteriorado, transformando-o em polo atrativo para diferentes públicos, mas, agora que aquela área da Pompeia e Perdizes tem um alto valor imobiliário, este lugar não tem mais necessidade de existir e pode ser transformado em uma outra coisa, não é? As pessoas que moram lá já tem tudo o que eles precisam dentro dos condomínios – as piscinas, as quadras e as churrasqueiras.
Para o bem da cidade, eu queria sugerir para a vossa empresa a aquisição desta propriedade e sua demolição. Eu imagino altas torres silenciosas de vidro emergindo no horizonte.
Atenciosamente,
Vittorio Degli Innocenti, cidadão imigrante responsável
notas
NE – o presente texto é parte do trabalho final de autoria de Lea Deniele, Lucia Lotufo e Vittorio Degli Innocenti para a disciplina “Arquitetura no Brasil 2”, ministrada pelos professores Abilio Guerra e Felipe Contier, com apoio dos estagiários docentes Caroline Asseloni e Matheus Franco, na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Mackenzie. Em tempos temerários é adequado mencionar que se trata de um texto irônico, complementado pela nota a seguir, do mesmo autor.
NA – Há algumas semanas, na noite do dia 22 de outubro, fui ver no Sesc Pinheiros o espetáculo Rei da Vela, peça teatral escrita por Oswald de Andrade em 1937, atualmente em cena para celebrar os 50 anos da primeira montagem e os 80 anos de José Celso Martinez Corrêa, diretor e ator da peça, e de Renato Borghi, ator, que estiveram juntos na primeira versão, de 1967, e também na edição atual. Tenho de admitir que antes de ir ao show eu não conhecia muito bem nem o Zé Celso, diretor histórico do grupo Teatro Oficina, nem a história do teatro brasileiro, nem o Grupo Silvio Santos. Caí, quase por caso, em uma noite importante para o teatro brasileiro. Na verdade no dia seguinte o Condephaat, Órgão de defesa do Patrimônio Histórico, decidiria se autorizava o empreendimento do Silvio Santos ao lado do Teatro Oficina, no Bexiga. Desde os anos 1980 Zé Celso e sua trupe tinha uma disputa com o Grupo Silvio Santos, proprietário dos terrenos do entorno, que pretendia comprar o edifício do teatro para demoli-lo. Naquela época o diretor do grupo Oficina era mesmo o Zé Celso, que conseguiu em 1982 o tombamento do teatro como bem histórico. A disputa estaria chegando ao fim no dia seguinte. Depois três horas de espetáculo, Zé Celso, diante de um público comovido, falou bastante sobre o destino do Bexiga, do Teatro, das pessoas que moram em volta e das árvores. Eu lembro que ele disse que qualquer decisão que fosse tomada no dia seguinte, as torres não seriam construídas. Acabei ficando comovido também, mesmo como observador externo. Como todos sabem, no dia seguinte o Condephaat aprovou a construção de prédios ao redor do teatro Oficina e, apesar dos protestos, as maquinas já estão operarando no terreno. Depois disto me informei mais sobre o assunto. Queria saber se o Grupo Silvio Santos (chamado também grupo $$) realmente era tão maldoso como descrito por todos. Eu acho que cada história tem sempre dois lados. Descobri, por exemplo, que tinha uma proposta interessante do escritório Brasil Arquitetura, convidado pelo Grupo Silvio Santos, mas eu acho que não rolou. Vendo o projeto das três torres que seria desenvolvido em seu lugar, decidi de escrever uma carta endereçada ao Grupo Silvio Santos, para uma proposta de desenvolvimento urbano em volta do Sesc Pompeia. Não é um ataque político ao Grupo Silvio Santos, pois eu entendo que não domino suficientemente o assunto, mas uma maneira divertida, conforme a maneira de fazer arquitetura da Lina Bo Bardi, de tratar o assunto da arquitetura, da responsabilidade social e da maneira cega que as construtoras imobiliárias desenvolvem as cidades.
sobre o autor
Vittorio Degli Innocenti, italiano, é estudante intercambista na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie.