Recentemente, muito recentemente, tive meu primeiro contato de pesquisa com idiomas bantos, o que me fez sentir o tamanho do desconhecido que há em mim mesmo.
Me pareceu inacreditável que nos meus 42 anos de existência produzindo sons com minha própria boca não tivesse me dado conta, de verdade, como no Brasil nossa língua é tatuada por esta presença africana através do quimbundo de Angola e como boa parte de nossas delícias sonoras significantes evocam uma cosmologia de signos e sons que durante anos me fugiu na sua vibrante semântica inscrita no que dizia.
Claro, eu já tinha lido genericamente sobre isso, sabia meia dúzia de palavras que identificava com o mundo africano no Brasil, sempre nessa genérica lógica do reconhecimento, mas nunca tinha mergulhado nesse universo como quem joga seu jogo de decifrações e sentidos olhando para um campo etimológico de verdadeira presença no meu cotidiano de uso das palavras.
E eu fiquei sonhando um dia em que o Google Translator ou alguma boa editora lançasse um dicionário completo quimbundo-português para que pudesse me perder definitivamente dentro dele.
sobre o autor
Afonso Luz é crítico de arte, formado em filosofia pela Universidade de São Paulo, e pesquisador na área de estética e história da arte. Foi consultor do programa Monumenta – Iphan/BID/Unesco para Economia da Cultura, Artes Visuais e Crítica Cultural. Assessorou o Ministério da Cultura na gestão de Gilberto Gil e coordenou o Programa “Cultura e Pensamento”. Coordenou o Comitê Brasileiro de Internacionalização e Economia da Arte e o Programa Brasil Arte Contemporânea (MinC). Foi Diretor de Estudos e Monitoramento e Secretário Adjunto de Políticas Culturais do Ministério da Cultura. Foi diretor do Museu da Cidade de São Paulo e do Arquivo Histórico Municipal. Atualmente é curador do Instituto Sergio Rodrigues e mora em Nova York.