“Nós duas somos casca de ferida”. Esta é a frase que ouvi, durante anos, de Maria Helena Estrada. Ela aludia ao fato de declararmos nossos pontos de vista sem muita diplomacia e de gostarmos da polêmica.
Mas eu nunca a considerei “casca de ferida” ou algo semelhante. Sempre a vi trabalhando muito e, ao mesmo tempo, apreciando facetas prosaicas e prazerosas da vida cotidiana. Sempre a vi capaz de estabelecer amizades sólidas e longas – como a que desenvolveu com a sensível e delicada arquiteta Helô, sua grande amiga; ou com a jovem jornalista Winnie Bastian, editora, por anos, da revista Arc Design.
Maria Helena fundou a Arc Design e quem já se aventurou na área de revistas no Brasil sabe das imensas dificuldades para manter um periódico funcionando com um mínimo de qualidade e independência editorial.
Tenho lembranças dela reclamando de móveis de madeira maciça com vários designers autores e perguntando “onde está a tecnologia?” Claro, ela vinha de anos de Milão, em período no qual as empresas mantinham suas unidades produtivas em território italiano e continuavam a tradição do pós II Guerra Mundial de grande inovação tecnológica e design para exportação que prevaleceria durante décadas.
Estranhava, aqui, uma espécie de repetição do mantra modernista e estava sempre, como boa jornalista, a perscrutar o novo.
Lembro de momentos de convivência muito divertida com Maria Helena, quando, uma noite em Milão, num daqueles coquetéis do fuori Salone, a comida era servida em diminutas colherinhas de café. Maria Helena decidiu degustar todas e repetir as doses, por vezes, me dando uma colherinha quase na boca, insistindo que eu provasse aquele sabor exótico ou que sentisse o aroma daquela iguaria. Acho que nem vimos a exposição, ficamos só ali naquele bufê.
Ela sempre estranhava – e me dava muitas broncas por isso – minha impaciência para coquetéis, vernissages e noitadas semelhantes. Aproveitava esses momentos para fazer contatos, pensar pautas, conversar com as pessoas.
Deixei de vê-la com frequência, à medida que minha vida se voltou para o ensino e a Universidade. Em vez de coquetéis, seminários, eu brincava com ela. “Pelo menos nos coquetéis há comida e bebida”, ela retrucava...
A irreverência era seu lugar. A obstinação também. Reconheço alguns de seus traços, a obstinação, talvez, entre alguns outros, em sua filha, minha queridíssima amiga Fernanda Sarmento, que, como eu, acabou enveredando pela pesquisa.
A palavra rascante e sincera de Maria Helena faz falta. Sua presença no mundo do design também. Maria Helena faleceu no dia 11 de abril de 2018 em São Paulo.
sobre a autora
Ethel Leon é jornalista, pesquisadora e professora na área de história do design brasileiro.