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drops ISSN 2175-6716

abstracts

português
Desde 2020, em meio a uma conjuntura pandêmica, vivemos um interregno político que nos leva igualmente a um desmonte da cultura no Brasil. É nessa distopia que presenciamos transformações significativas, incluindo o destombamento de bens culturais.

english
In 2020, in the midst of a pandemia, we are experiencing a political interregnum that also leads to a dismantling of culture in Brazil. In this dystopia we have witnessed significant transformations, including the desprotection of cultural assets.

español
En medio de una pandemia, vivimos un interregno político que también conduce al desmantelamiento de la cultura en Brasil. Es en esta distopía donde hemos sido testigos de transformaciones, incluido la desprotección de los bienes culturales.

how to quote

ROSSONE, Jéssica. Destombamento. A distopia do patrimônio cultural edificado. Drops, São Paulo, ano 22, n. 168.05, Vitruvius, set. 2021 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/drops/22.168/8278>.



Desde 2020, em meio a uma conjuntura pandêmica, vivemos um interregno político no qual há uma profunda deturpação de valores, o que nos leva igualmente a um desmonte da cultura em um cenário distópico que aterroriza o Brasil. Presenciamos transformações significativas em órgãos de preservação do patrimônio cultural brasileiro, em instâncias e momentos distintos, mas que parecem seguir um mesmo fio condutor.

Foi nesse ínterim que a Prefeitura Municipal de Barra do Piraí – PMBP, município da região do Médio Paraíba fluminense, promoveu o cancelamento dos tombamentos das Estações Ferroviárias de “Ipiabas” e “Santana de Barra”, por meio da Lei Municipal n. 3.331 de 21 de outubro de 2020. A medida de desproteção dos mencionados bens culturais, aprovada pela Câmara Municipal de Barra do Piraí e sancionada pelo Prefeito, foi publicada no Boletim Oficial Eletrônico (BOE) da PMBP n. 84/2020. De acordo com a Lei, alega-se interesse público como motivo do destombamento, de acordo com o trecho transcrito a seguir:

Art. 1º - Fica cancelado, por interesse público, o tombamento e a caracterização de patrimônio histórico os imóveis: “Estação Ferroviária de Ipiabas” e “Estação Ferroviária de Santana de Barra” concedidos através da Lei Municipal nº 933 de 10 de junho de 2005.

Contudo, sabe-se que interesse público é a preservação do patrimônio histórico e cultural, definido na Constituição Federal de 1988, Seção II, Capítulo II, e mais especificamente nos artigos 215 e 216. E ainda de acordo com a Constituição Federal, em seu Art. 24º, sabe-se que é competência da União estabelecer as normas gerais para proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico, mas que isso não exclui a competência concorrente dos estados, nem mesmo dos municípios, no sentido de estabelecer uma legislação sobre o seu patrimônio, complementando a legislação federal e a estadual no que couber. Portanto, tratar o destombamento municipal como um interesse público me parece, antes de mais nada, contraditório e paradoxal. Digno de 2020-2021.

Isso toma relevância quando se refere ao patrimônio cultural ferroviário, particularmente. Neste caso, sabe-se que no âmbito federal, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional promoveu a valoração, a preservação e proteção do patrimônio cultural ferroviário muito recentemente, através da Portaria n. 407/2010, na qual criou a Lista do Patrimônio Cultural Ferroviário, ainda que o Decreto-Lei n. 25/1937 e a Lei n. 3.551/2000 também tenham suas aplicações. Contudo, nos âmbitos dos estados brasileiros e dos municípios, são praticamente inexistentes as políticas de preservação de patrimônio direcionadas à cultura ferroviária – obviamente no caso daqueles que possuem alguma. Acontece igualmente – pasmem e não é raro - de não existir uma política preservação do patrimônio, em geral, em esferas municipais - com a ausência de legislação específica sobre inventários, registros e tombamentos, precariedade ou ausência de estrutura administrativa competente, pouco ou nulo fomento etc.

Em Barra do Piraí, apesar de o tombamento ser regulamentado pela Lei n. 718/2002, e existirem inventários de 2004 e 2011 feitos pelo órgão competente na esfera estadual – o Instituto Estadual do Patrimônio Cultural – que sugerem o tombamento de alguns exemplares da arquitetura ferroviária, inclusive das estações que foram destombadas pelo Município, sabe-se que a preservação deste patrimônio ainda merece muito mais atenção, o que se nota em pesquisas acadêmicas e no discurso de descontentamento da comunidade.

O caso do destombamento de parte do patrimônio ferroviário edificado em Barra do Piraí se torna emblemático pois tal patrimônio existente no município não corresponde a uma cultura de importância exclusivamente local. Estas estações que foram destombadas são centenárias, tem grande valor histórico e cultural regionalmente e nacionalmente, uma vez que suas características arquitetônicas e as memórias que contêm permitem o conhecimento de uma época muito importante para todo o Vale do Paraíba e para o Brasil. O entroncamento ferroviário barrense foi durante muito tempo considerado o maior da América Latina, o que inclusive ainda é reinvindicado por algumas pessoas que o abordam.

A Estação de Santana, objeto de destombamento, foi construída nos anos 1860 e inaugurada juntamente com a segunda seção da Estrada de Ferro Dom Pedro II. Tornou-se parte de um vasto histórico da Estrada de Ferro Central do Brasil e, posteriormente da RFFSA, tendo sido desativada em 1996. Já a Estação de Ipiabas, o outro bem destombado, foi inaugurada em 1881 e desativada em 1961, e faz parte do histórico da Rede Mineira de Viação, que foi uma das maiores companhias ferroviárias do Brasil na primeira metade do século 20. Ambas integram um variado acervo composto por exemplares da arquitetura ferroviária que inclui outras estações, pontes, túneis e uma das poucas Rotundas que ainda restam no país, que diga-se de passagem, nem tombada é. O tombamento destas estações – atualmente destombadas – foi feito pelo município em 2005 e era um instrumento pelo qual tínhamos garantida a proteção destes imóveis. Em outras palavras, era a garantia de um dia não acordar com esses bens descaracterizados ou até mesmo destruídos. O destombamento, infelizmente, tira toda a proteção municipal sobre os imóveis e abre brechas para que obras sejam feitas sem observar a sua autenticidade. Há inclusive a possibilidade de que, em outras situações envolvendo conflitos sobre o patrimônio cultural, tal medida seja tomada como motivo de legitimação.

Um outro ponto a ser observado é que no documento que versa sobre os destombamentos, é mencionado o seu escopo na continuidade do progresso e do desenvolvimento do município. Ora, vemos que em cidades do entorno de Barra do Piraí, assim como em tantas outras cidades, inclusive em cidades mais “desenvolvidas”, que é possível manter proteção do patrimônio cultural e ainda assim promover progresso e desenvolvimento. Não são coisas distintas, muito pelo contrário, elas podem se complementar.

Portanto, é digna uma movimentação em prol da permanência destes tombamentos, para que seja garantida perante a Lei a conformidade das obras que virão no que se refere à preservação do patrimônio ferroviário, e para que se mantenha aceso o espírito da preservação cultural, a lâmpada da memória. Nessa perspectiva, foi elaborado um abaixo-assinado para reunir os que se importam e queriam contribuir com o debate (1).

Esta iniciativa, em prol da identidade barrense e do seu patrimônio cultural ferroviário e da valorização do ofício do ferroviário, não visa apenas demostrar que nos importamos e que desejamos a permanência da proteção destes bens, mas também fomentar discussões sobre os impasses da preservação do patrimônio cultural no Brasil, e sobre os conflitos mais recentes relacionados ao desprezo e ao desrespeito às culturas tradicionais, ao silenciamento e ao esquecimento ainda persistentes em tantos sentidos. Este é um convite para que se juntem a nós.

nota

1
O documento se encontra no link http://chng.it/PjFnQHMzCW.

sobre a autora

Jéssica de Fátima Rossone Alves é arquiteta e urbanista (FAU/UFJF), mestra em Ambiente Cosntruído (PROAC/UFJF), doutoranda em Planejamento Urbano e Regional (IPPUR/UFRJ).

 

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168.05 patrimônio
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