Renato Maia: Planejamento e arquitetura?
Rodrigo Brotero Lefèvre: Você precisa entender as diferenças entre plano e projeto. Qual será a diferença fundamental entre o plano e o projeto?
Brasília, por exemplo, não é um plano de uma cidade, mas é um projeto de uma cidade. O plano é você armar uma série de normas, diretrizes, incentivos, etc., um conjunto de coisas desse tipo, que levam para a cidade algumas características. Você não faz o projeto para algumas características que a cidade tem que ter. Você elabora um outro material, que talvez nem inclua o desenho de prancheta, e que, pelas atividades que se desenvolvem a partir dessas leis, normas, diretrizes e incentivos, levam a cidade para uma certa configuração, para uma certa caracterização. Isso nós podemos dizer que é plano.
Projeto é realmente você fazer um desenho de cidade que tenha certas características que você pretende. Brasília é um típico projeto de cidade. Foi desenhada em todos os seus particulares, todos os trevinhos, todas as superquadras, todo o eixo monumental, tudo estava pré determinado, projetado, não planejado.
O plano fornece milhares de alternativas para o projeto. Vamos dizer que um sujeito é planejador e um outro é projetista. Nesse sentido, em qualquer uma daquelas atividades: desenho industrial, comunicação visual, edificações e planejamento, que não deveria ter esse nome mas sim urbanismo. Em qualquer uma destas atividades você pode ter um planejador e um projetista, que, a meu ver, são atividades diferentes, são produtos finais diferentes. Eu acho que ambos são, nós podemos definir assim, atividade do arquiteto, na medida em que, tanto um quanto outro, envolvem o problema de organização do espaço físico.
RM: Mas o planejador não organiza o espaço físico!
RBL: O planejador arquiteto organiza. Toda a intervenção dele no planejamento é no sentido de organizar o espaço. Não é no sentido de organizar a economia, não é no sentido de organizar a estrutura social, não é no sentido de nada disso, é no sentido de organizar o espaço. Mesmo que ele não dê soluções para o espaço físico, ele atua no sentido de organizar, de orientar a organização.
A meu ver, não existe uma relação do pequeno para o grande. Quando fica muito grande não dá para fazer o projeto?
Garanto para você que, se nós quisermos sentar dois anos, nós fazemos um projeto para o Brasil, sem fazer um plano para o Brasil. O problema parece ser de métodos utilizados, uma diferença de objetos, de produtos finais a conseguir.
O "fazer planejamento" é um tipo de atividade que pode ser aplicada a uma série de coisas. O "fazer projeto" é um outro tipo de atividade. Talvez a denominação correta para diferenciar o "fazer cidade" do "fazer edifícios", seja urbanismo. O urbanismo é a arte de fazer cidades, seja planejando, seja projetando.
Eu posso fazer um edifício que é planejado, eu posso fazer um edifício que é fundamentalmente um plano. O edifício que eu estou fazendo do Hospital das Clínicas na Hidroservice, o produto final do Hospital das Clínicas vai ser uma série de diretrizes, normas e leis, que eles vão ter que adotar em todo o processo de mudança de utilização do edifício, para que ele atenda as mudanças de funções no tempo.
Em todo o nosso sistema aqui, no sistema de consciência geral do grupo social que se define como Brasil, a consciência do planejamento ainda é bastante precária. Ainda não se tem percebido a necessidade das pessoas abrirem mão de alguns problemas particulares em função da coletividade, entendendo que essa abertura em função da coletividade talvez seja a garantia de uma sobrevivência melhor nesse contexto social que nós vivemos.
A mentalidade individualista tem funcionado muito ainda. Não existe uma tendência, um anseio da população em geral, pelo planejamento ou pela implantação de planos. Ninguém nunca reclamou da falta de planos ou da falta de planejamento em termos de cada cidadão, do conjunto da sociedade. O sujeito, quando vai fazer um plano, esbarra em interesses econômicos, em interesses que não são os interesses do planejamento, da consciência do planejamento Ele esbarra em interesses que são, na maioria das vezes, particulares, individualistas, contrários aos interesses do planejamento global como nós pretendemos.
O que tem acontecido é que você faz um plano, e esse plano é deturpado até que ele venha a atender estes interesses financeiros particulares. Você faz um plano, e esse plano não é implantado se ele não atende a esses interesses.
O que pode se desenvolver, e já se desenvolveu um pouquinho no Brasil, e talvez seja uma forma de você ter a participação do arquiteto planejador no aparelho de Estado, é através da elaboração de uma lei, seja uma lei de zoneamento, seja uma lei de uso do solo. O arquiteto pode, ao fazer a lei, garantir que, mesmo com uma certa deturpação, o plano leve aquilo que ele pretende para o futuro.
Isso é mais difícil para o arquiteto entender, elaborar normas, princípios econômicos, mas talvez seja mais fácil para o arquiteto fazer com que certos elementos que fazem parte do plano e que correspondem a projetos setoriais, possam vir a ser elementos preponderantes e importantes nesse conjunto de coisas, a ponto de trazer a cidade para essa situação pretendida.