Heitor Frúgoli Jr / Marcos Cartum: Que sensações uma cidade como Brasília desperta?
Paul Meurs: Brasília é uma cidade muito atraente. Quase todo profissional na Holanda que se formou na universidade, sonhou um dia em conhecer Brasília, tendo conhecimento das imagens de Brasília, mas não de sua escala, sua realidade e sua arquitetura de verdade. Então, mesmo agora parecendo um assunto quase histórico, existe uma vontade de um dia andar por Brasília, de ver como tudo foi feito, o sonho, já que é ainda muito forte a tradição modernista no ensino da Holanda, mais forte do que em outros países da Europa. Isso faz as pessoas terem muita curiosidade sobre Brasília. Chegando lá, há geralmente duas reações: primeiro ver que realmente existe a cidade, que funciona justamente como foi pensada por Lúcio Costa, com aquela arquitetura das formas livres de Niemeyer, é uma coisa muito fora do comum. Por outro lado, é possível ver como aquela utopia teve que se adaptar e ser superada por uma outra realidade. Hoje em dia, em que 70 ou 80% da população não está morando naquela cidade projetada, esse é o outro lado da moeda, que se encaixa muito bem com o nosso debate atual sobre o tratamento dos bairros nas décadas de 20, 30 até 60: como preservar aqueles fragmentos da utopia que foram construídos e ao mesmo tempo adaptarmo-nos a uma realidade diferente?
HF / MC: Qual o impacto da visita a uma favela?
PM: Santos tem grandes favelas construídas com palafitas sobre os rios, e as tentativas de incorporar essas favelas na cidade e de fazer projetos de urbanização, depois de visitar isso, é uma coisa muito chocante para quem não conhece, não tem essa realidade das favelas. Mas depois, quando se descobre o tipo de projetos que lá estão sendo feitos, parece um urbanismo de vanguarda, porque todo mundo na Holanda está falando das teorias do caos, dos fluxos — segundo o Rem Koolhaas, não se pode mais pensar a cidade do futuro em termos de uma forma, como nos termos do Plano Piloto de Brasília, mas em termos de acontecimentos, então você não tenta chegar até uma forma final, a uma forma fixa numa cidade, mas você tentaria guiar os fluxos existentes e mais dinâmicos de uma cidade e isso parece com o que é hoje o urbanismo. Chegando nas favelas, onde já há uma realidade construída antes de se começar as obras, exatamente nessa linha você tenta mexer com coisas aparentemente caóticas, você tende a incorporar uma infra-estrutura com alto acesso, comércios ilícitos, tudo isso já construído, há aquela flexibilidade de pensar e também aquela maneira de que você só pode fazer num processo integral junto com a população, combinando coisas físicas com coisas sociais, como por exemplo esses projetos que vêm sendo feitos lá em Santos há alguns anos e que agora estão sendo feitos também em São Vicente, assim como também nas cidades satélites de Brasília. Isso a princípio não tem nada a ver com nossos debates, mas por outro lado essa maneira de agir é muito a vanguarda do urbanismo, então é uma lição muito importante. Significa também dizer que o debate do urbanismo não está somente acontecendo com relação às partes mais privilegiadas da cidade, que não é uma questão de ter muita verba, que não é apenas uma questão de muito poder político, mas sim de saber pensar, projetar e tratar com uma realidade extremamente complexa.