Marisa Barda: Como conseguiu conciliar a teoria e a prática na intervenção da Bicocca?
Vittorio Gregotti: O projeto da Bicocca é um projeto que tem fundamentações teóricas fortes. A idéia de base está relacionada a um fenômeno que está acontecendo em toda a Europa – das grandes áreas urbanas ocupadas antigamente pelas indústrias – às quais está se dando respostas muito diferentes. Na Bicocca nós nos questionamos sobre o papel que poderia ter a transformação desta área especifica do norte de Milão. A Bicocca é muito particular porque faz parte de uma vasta área situada uns dez Km mais para o norte da cidade aonde foram implantadas as grandes indústrias pesadas milanesas do início do século, até os anos 50. Devido a isto e à proximidade das rodovias de ligação com o resto da Europa, existem ainda hoje muitas pequenas indústrias e a população é muito densa.
Então que papel poderia ter esta área? Poderia ser transformada em um enorme bairro residencial, ou então poderia se fracionada de modo que houvesse uma expansão natural da área norte milanesa. Nós decidimos concentrar naquele ponto aspectos muito especiais da periferia que consistem em fixar em seu interior uma zona de uso misto e diferenciado através de residências, pesquisas, serviços e que estes grandes serviços fossem de uso territorial e não só limitados ao bairro circundante, de maneira tal que esta área se integrasse com todo o território, posicionando-se como um pólo de centralização em relação ao norte da cidade e que o centro de Milão não fosse o único ponto de referência. Fazendo isto, tivemos sorte porque conseguimos colocar nesta área a segunda Universidade de Milão, um grande teatro lírico que funcionará junto com o teatro "La Scala", um centro de pesquisa nacional, e uma série de grandes bancos internacionais, como o Deutsch Bank, que encontraram ali uma posição excelente porque a área tem uma localização estratégica sob diferentes pontos de vista.
MB: Qual é o partido arquitetônico da Bicocca?
VG: A idéia de ocupação territorial da ex-Pirelli fez com que a área adquirisse um caráter especial e da nossa parte quisemos projetar algo que fosse diferente da clássica periferia, portanto antes de mais nada deveria ser um espaço muito fluido, muito simples, muito claro do ponto de vista visual, e deveria respeitar a implantação da velha área industrial. A trama original tinha continuidade com o tecido urbano externo e como tal se ligava com o tecido da cidade preexistente. Coisa que para nós era muito importante respeitar e manter. Além disto esta trama definia grande quarteirões nos quais se podiam colocar uma série de espaços públicos para pedestres ou não – o importante era que o espaço fosse todo público como uma seqüência de grandes praças – e que isto adquirisse um valor dominante em todo o conjunto. A proposta prevê também que a repetição do esquema da Bicocca pode se estender para as outras áreas localizadas mais ao norte que ainda esperam serem reurbanizadas e que podem encontrar na proposta da Bicocca uma espécie de modelo.
MB: A Bicocca começa a ser habitada. Qual é o impacto que está criando na cidade? Alcançou os seus objetivos?
VG: Em parte sim! Nós vencemos o concurso uns 12 anos atrás. Por 5 anos ficou tudo muito parado, por causa do transferência da indústria, problemas institucionais e diversos outros. Depois, quando começamos, o processo de construção foi mais rápido, mas serão necessários mais uns 3 ou 5 anos para acabarmos realmente. Atualmente a Universidade funciona perfeitamente com mais de 20 mil alunos, é uma população muito vivaz. A Pirelli resolveu permanecer ali com as próprias fundações de pesquisa, uma parte dos edifícios residenciais já está sendo habitado. Tem um outro setor que estará pronto daqui a um ano e meio, mas naturalmente para verificar o resultado geral do conjunto e suas conseqüências será necessário esperar mais uns dois ou três anos.
MB: Parece que na tipologia das construções da Bicocca o Senhor se inspira nos elementos tradicionais da cidade histórica.
VG: Mais que da cidade histórica, da cidade operária do início do século. Quisemos dar a idéia da periferia milanesa com características de solidez do ponto de vista volumétrico, de simplicidade que deve ser lembrada. É importante mostrar que esta arquitetura que estamos fazendo não nasce do nada. Por trás tem uma história que se transforma, que muda e portanto tem uma vontade de ter novas atividades, novas funções e novas possibilidades de vida mas que contemporaneamente se apoia nas tradições de um século atrás, quando esta área começava a ser a parte mais produtiva de Milão. Isto não pode ser esquecido e nós o lembramos através das nossa arquitetura.