Antônio Agenor de Melo Barbosa: Primeiramente, gostaria que o senhor falasse um pouco a respeito da sua formação e da sua trajetória acadêmica, profissional e política.
Ronaldo Costa Couto: Sou economista pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), onde também fui pesquisador e professor universitário. Tenho especialização em planejamento geral do desenvolvimento pelo Ilpes/Cepal (ONU) e doutorado em história pela Universidade de Paris – Sorbonne (Paris IV). Fui Secretário de Planejamento do Estado do Rio de Janeiro (governo Faria Lima) e de Minas Gerais (governo Tancredo Neves). Também exerci o cargo de Ministro do Interior (1985-87) no governo Sarney, função que acumulei com a de Governador de Brasília no início de 1985. Fui Ministro-Chefe do Gabinete Civil da Presidência da República no triênio 1987-89, cargo exercido simultaneamente com o de Ministro do Trabalho no final de 1988. Sou autor dos livros Tancredo vivo (1995); História indiscreta da ditadura e da abertura (1998); Memória viva do regime militar (1999), A história do BID e o Brasil (1999) e Brasília Kubitschek de Oliveira (2001), todos publicados pela Editora Record, do Rio de Janeiro.
AAMB: O senhor que teve a oportunidade de estudar e trabalhar tanto no Brasil como na França – onde concluiu o Doutorado em História na Universidade de Paris – Sorbonne –, como analisa a universidade pública brasileira em geral, sobretudo nesta última década em que a crise que se instalou parece irreversível?
RCC: Há de tudo. Desde os centros de excelência até as fábricas de diplomas. As universidades particulares se multiplicaram em velocidade espantosa. A boa qualidade é exceção. Tem também a questão das universidades públicas, que precisa ser mais discutida. Devem ser gratuitas para todos? E o acesso? É difícil uma análise da universidade brasileira em geral. Ela é muito heterogênea em qualidade e tudo o mais. Desde a formação e remuneração dos professores até o perfil dos alunos. Por regiões, por estados, dentro das grandes cidades. O Brasil é absurdamente desigual, inclusive em termos de distribuição da renda social. Isso se reflete em tudo, também na universidade.
AAMB: Como analisa a sua passagem por tantos e diferentes governos, no Estado do Rio de Janeiro em Minas Gerais e no Governo Federal?
RCC: Um sufoco. Mas valeu a pena, porque foi tudo a serviço da grande causa Brasil. Nunca tive projeto político pessoal. Foram mais de vinte anos no meio do palco, sob holofotes. Em Minas, no Nordeste, no Rio, em Brasília. Tenho especial orgulho de ter participado intensamente da transição democrática e da democratização. O reencontro com a liberdade foi o acontecimento brasileiro mais importante das últimas décadas.
AAMB: O senhor foi Secretário de Estado de Planejamento tanto em Minas Gerais como no Rio de Janeiro. Também foi Ministro do Interior, Ministro do Trabalho, Ministro-Chefe do Gabinete Civil da Presidência da República e Governador de Brasília. Coordenar a fusão da antiga Guanabara com o ex-Estado do Rio de Janeiro foi a tarefa mais difícil e complicada de sua vida profissional e política?
RCC: Durante algum tempo, sim. Mas agora já não sei, porque depois estive no olho de outros furacões. Em 1983, entrei fundo no governo Tancredo Neves, em Minas. De novo o planejamento e também muita política. Mineira e nacional. O trabalho técnico foi muito duro, exigente, mas compensador. Durou dois anos. Com Tancredo Neves e depois com Hélio Garcia, seu sucessor.
Acabei me envolvendo também na longa, delicada e impecável engenharia política que Tancredo Neves utilizou para se eleger Presidente da República em 15 de janeiro de 1985. Não me poupei. Havia muita esperança de mudar o Brasil, entusiasmo. Muito trabalho técnico, muita costura política. Uma grande aventura, enormes riscos. A candidatura atravessou campo minado. Tancredo venceu graças à biografia, experiência, habilidade e capacidade de negociação. Então vem o fim do regime militar e o convite de Tancredo para o Ministério do Interior. Com o Vice-Presidente José Sarney efetivado na Presidência da República, assumi o Ministério em 15 março de 1985. O Presidente Tancredo foi hospitalizado na noite anterior, quatorze horas antes da posse. Tinha um tumor abdominal benigno. Um leiomioma. Operado duas vezes em Brasília e cinco no Incor, em São Paulo, morreu em 21 de abril de 1985. De infecção generalizada. Doloroso, terrível. Houve muitos erros. No dia seguinte, 22 de abril de 1985, coube exatamente a mim a tarefa de receber o corpo do Presidente na Base Aérea de Brasília.
Na época eu estava acumulando o cargo de Ministro do Interior com o de Governador de Brasília. Em abril de 1987 fui chefiar o Gabinete Civil da Presidência da República. A euforia econômica de 86, com o Plano Cruzado, já tinha passado. Agora era crise econômica, inflação, moratória, efervescência política, enxurradas de demandas sociais, muitas greves, desgaste. E a presença de um suprapoder: a Assembléia Nacional Constituinte, que funcionou até 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Carta. Um dia vou contar como foi. Há fatos surpreendentes, alguns assustadores. O destino não me trouxe monotonia profissional. E quando tudo se acalma, invento um rol de projetos. Academia, história, literatura e outras paixões. Tenho sido assim. Não sei se isso tem cura.
(inscrição abaixo da foto: "Dr Oscar. São 02h26min da manhã do dia -13+12/01/MCLXXXV. Eu tive esta idea (sic) de perguntar à você e você escrever no plano vertical quantas toneladas de ferro este homem transpotou (sic) do canteiro de obra até o local difinitivo (sic). Dr Oscar eu não estou brincando com você. Dr Oscar hoje eu só tenho o pé direito bra (sic) e mão direita econtinuo fotografan (sic) a sua obra. Ate! (sic) M M Fontenelle)