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interview ISSN 2175-6708

abstracts

português
Entrevista com a arquiteta Maria Elisa Costa, filha do arquiteto Lucio Costa e ex-Presidente do IPHAN

english
Interview with architect Maria Elisa Costa, daughter of the architect Lucio Costa and former President of IPHAN

español
Entrevista con la arquitecta María Elisa Costa, hija del arquitecto Lucio Costa y ex presidente del IPHAN

how to quote

BARBOSA, Antônio Agenor. Maria Elisa Costa. Entrevista, São Paulo, ano 05, n. 018.03, Vitruvius, abr. 2004 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/entrevista/05.018/3329>.


Lúcio Costa
Foto M. M. Fontenelle (provavelmente no período de inauguração de Brasília) [fonte: Acervo DPHA-DF]

Antônio Agenor: Recentemente, em uma palestra proferida pela senhora, ficou bem nítido para mim a forte influência artística que Lucio Costa recebeu diretamente dos pais. Fale um pouco a respeito destas influências e a forma como LC as entendia.

Maria Elisa Costa: Não me lembro de ter falado exatamente em “forte influência artística recebida diretamente dos pais” – devo ter mencionado o fato de o pai dele, o engenheiro naval Joaquim Ribeiro da Costa, desenhar maravilhosamente bem (veja reproduções de desenhos de suas invenções no Registro de uma Vivência), e certamente um pouco por essa razão teve prazer em incentivar o “jeito para desenho” que logo percebeu no filho, o que se traduziu em aulas de desenho ainda menino em Newcastle, e no fato de tê-lo matriculado na Escola Nacional de Belas Artes logo que a família chegou ao Rio (comentário de Lucio sobre o assunto: “Meu pai, que estranhamente sempre quis ter um filho artista” – comentário meu: desenhando como desenhava, não vejo estranheza nenhuma na vontade do meu avô – talvez tenha quisto simplesmente que um filho exercesse com liberdade o talento que ele tinha, mas só usava para desenhar as máquinas que inventava).

AA: Conte-nos como foi a infância e a juventude européia do seu pai. Ele costumava falar sobre isso com a senhora?

MEC: Meu pai nasceu fora do Brasil (como quase todos os seus irmãos) pelo fato do pai dele ter passado longas temporadas na Europa, a serviço (tratava-se da renovação da esquadra brasileira, e ele era engenheiro naval). Nascido em Toulon, Lucio veio para o Brasil com poucos meses, em 1902; a família permaneceu no Rio até 1910, na casa do Leme. Neste ano (já com os seis filhos – três homens, três mulheres), a família voltou à Europa onde permaneceu até 1916.

Eram vários os brasileiros que foram com suas famílias para Newcastle-on-Tyne, na Inglaterra, e é claro, que este período sempre foi comentado em casa, me lembro de coisas avulsas, como meu pai contar que o pai dele ficava desenhando seus inventos na mesa da sala e assoviando, ou o fato de ele não falar uma palavra de inglês – um grumete traduzia; a lembrança das daisies – margaridinhas brancas pequeninas – que brotavam na grama do jardim na primavera; lembranças do parque da cidade, do gramado do colégio – Royal Grammar School – onde se jogava futebol, etc, e certamente da professora de desenho, Miss Taylor, com quem aprendeu a aquarelar.

Em 1914, meu avô se indispôs com o Almirante Alexandrino, que chefiava a missão brasileira, e foi para a Suíça, com antes uma breve passagem por Paris. Na Suíça moraram primeiro por pouco tempo em Friburgo, depois em Beatenberg, num hotel que fechou quando começou a guerra – porque na Suíça todos os civis se transformam em soldados em caso de necessidade. A partir de então se instalaram em Montreux, onde permaneceram até à volta definitiva ao Brasil, em fins de 1916, e onde meu pai completou a escola básica no Collège National, e onde, no inverno, descia de luge (pequeno trenó) com a irmã caçula, Magdala, a ladeirinha da Rue du Lac, onde moravam.

AA: O fato de Lucio Costa ter nascido na França, por conta das viagens do pai – seu avô –, era encarado por ele como uma questão meramente circunstancial ou, para ele, este fato associado aos anos de formação e educação européia – tanto na França quanto na Inglaterra – o condicionou a formar uma maneira diferente de olhar e de entender o Brasil?

MEC: A meu ver, o que foi singular na formação de meu pai foi a soma de um DNA definitivamente tropical (pai de Salvador e mãe de Manaus), onde vigora a liberdade das terras novas, com a circunstância de ter recebido o ensino básico na Europa: ou seja, ele conheceu o chamado “primeiro mundo” da maneira mais natural possível – um menino de 8 anos vai para a escola onde quer que esteja. Daí a intimidade, o apreço e ao mesmo tempo a ausência de deslumbramento com a coisa européia – receber aquela informação cultural toda era coisa normal, corriqueira: o que ele fez lá fora foi a pré-graduação, não a pós (e vale lembrar que na Europa do início do século passado, ensino público e gratuito de primeira qualidade já era o óbvio: primeiro mundo não é primeiro mundo por acaso).

E chegando ao Brasil com 14 anos, o reencontro com a terra-mãe – com o Rio, com o “céu perto”, as acácias chuveiro de ouro, o “riso alto das primas” – somado ao nível de aprendizado que recebeu lá fora resultou no que eu chamei uma vez de “liberdade de terno e gravata”, que era sua marca registrada. E, certamente, contribuiu para o fato de ele ter sempre entendido profundamente o Brasil de verdade.

AA: Em algum momento da vida ou de sua formação Lucio Costa pensou em ser um europeu simplesmente? Ele revelou o desejo de fixar residência e de trabalhar na Europa? Também seria interessante saber a partir de que momento ele começa a pensar como um brasileiro “puro sangue”, digamos assim.

MEC: Jamais sequer cogitou viver fora do Brasil, melhor dizendo, do Rio de Janeiro. Ele nunca deixou de pensar como um brasileiro “puro sangue”, mesmo porque, como comento na resposta anterior, ele era completamente puro sangue! Acho também que a observação que faço sobre o não ser deslumbrado com Europa, embora amando a Europa, explica a opção. Para você ver, tomei um susto com a sua pergunta, de tão fora que estava do universo aqui da nossa casa.

AA: Uma questão que me instiga particularmente é o fato de LC, desde muito jovem, ter estado na voga de grandes transformações estéticas, artísticas e até políticas no Brasil. A reforma que empreendeu como Diretor da ENBA, com 28 anos, foi apenas a primeira oportunidade que teve de mostrar a sua grande capacidade de pensar e de refletir sobre o rumo das artes no Brasil. Então a questão que se impõe é: como uma pessoa tão modesta e de temperamento tão discreto e reservado tinha esta capacidade de liderar idéias revolucionárias e de aglutinar, em torno dele, personalidades tão distintas – e supostamente tão vaidosas – como artistas, arquitetos, intelectuais e políticos?

MEC: Para responder a essa pergunta, o primeiro ponto é não confundir “temperamento discreto e reservado” ou “modéstia” com achar que vale menos do que vale: poucas pessoas têm o mesmo grau de consciência quanto ao seu próprio valor que meu pai sempre teve, tranqüilamente, sem alarde, talvez exatamente porque com absoluta segurança.

Outro ponto que cabe lembrar é que ele começou a trabalhar muito cedo (em 1922), ainda antes de se formar, tinha talento, desenhava lindamente, e tornou-se logo um jovem arquiteto de sucesso fazendo a arquitetura eclética e neocolonial daquele momento, junto com Fernando Valentim. E circulava desde então na chamada “sociedade” e nos meios intelectuais do Rio (lembre-se que Lucio não nasceu um senhor de bigodes...). Para chegar a ponto de “pensar e refletir no rumo das artes” ou “liderar idéias revolucionárias”, é preciso andar um pouco para trás, até 1924, ano em que Lucio conheceu Diamantina, no auge do período neocolonial. E agora só passando a palavra ao próprio:

“Cai em cheio no passado, um passado de verdade, que era novo em folha para mim”. O encontro com Diamantina, com sua graça, sua singeleza, elegância e naturalidade, deve mesmo ter sido um susto para o jovem arquiteto, como se Diamantina lhe dissesse: “Não sei porque você faz tanto esforço nos teus projetos, sobrecarrega com tanta coisa – eu não faço nada disso, e ganho longe do que você faz!”

Foi a partir daí que se instalou nele o embrião de um desconforto com o que fazia, desconforto esse que levaria ainda cinco anos sedimentando dentro da sua cabeça, e que incluía a inevitável pergunta “Qual será então a linguagem plástica do meu tempo, qual é a “cara” que corresponde às novas tecnologias construtivas?”

O convite para ser Diretor da Escola, em 1930, o encontrou no momento exato da “descoberta”, cuja gota d’água foi ter visto por acaso na revista Paratodos uma foto da “Casa Modernista” de Gregori Warchavchik – então exposta em São Paulo – viu a foto e pensou algo como “Está ai, dá para fazer coisa bonita nessa nova linguagem”. Conversei muito com meu pai sobre esse assunto, me intrigava saber como aconteceu nele a mudança de rumo – e foi ele que me contou diretamente a respeito da importância do seu encontro com Diamantina.

Outro traço do temperamento dele, que marca toda a sua trajetória profissional é, a meu ver, o fato dele ser “movido à realidade”, ou seja, com toda a enorme bagagem cultural que tinha, sua ação nunca foi acadêmica, havia sempre um vínculo com a realidade, com as possibilidades reais de obter resultados palpáveis: o discurso apenas era pouco, não bastava – tratava-se de ter razão e resultado.

Junte a isso o fato de ser bem formado intelectualmente, de ser sensível e inteligente, e veja como o fato de ele perceber tudo o que estava acontecendo – dentro e fora dele – inescapavelmente o levava a pensar sobre arte, Brasil, etc, etc, etc (leia o texto final do “Apêndice arqueológico-sentimental” do livro Registro de uma vivência).

Dentro do clima da época, com o temperamento e a segurança cultural que sempre teve, acho normal que tivesse “capacidade de liderar idéias revolucionárias e de aglutinar, em torno dele, personalidades tão distintas – e supostamente tão vaidosas – como artistas, arquitetos, intelectuais e políticos”, como você diz. Não se esqueça que Lucio sempre foi um “poeta-pragmático”, no sentido de conhecer perfeitamente seus limites, mas no intervalo entre esses limites, tentar sempre o vôo mais alto.

AA: A volta definitiva ao Brasil e para o Rio de Janeiro foi uma opção da família? LC em algum momento pensou em morar em outra cidade brasileira que não fosse o Rio? Podemos pensar o LC como um arquiteto carioca em essência?

MEC: A volta ao Brasil foi opção da família, Lucio nunca pensou em morar em outra cidade que não o Rio, e ele é, sem sombra de dúvida um arquiteto carioca, talvez não apenas, melhor dizendo um arquiteto brasileiro via Rio de Janeiro. A cabeça dele, o senso de humor, o jeito de ser brasileiro, tudo só tem a ver com o Rio. Era um carioca em essência.

AA: Ao que me consta, depois de já formado arquiteto e com um trabalho já reconhecido no Brasil, LC não voltou mais regularmente à Europa. Ele queixava-se deste fato? Ou simplesmente não tinha maiores interesses em rever a Europa mesmo como turista?

MEC: Não tinha porquê voltar regularmente à Europa e também não se queixava. Viajou muito, Europa e Estados Unidos, convidado para congressos ou homenagens. Viagens maiores, entretanto, só aconteceram entre 1948 e 1952, quando percorreu todo o interior de Portugal, tomando conhecimento da intimidade da arquitetura popular portuguesa cuja “saúde plástica” o encantava.

AA: Como Lucio Costa lidava com a acusação de fraude no concurso de Brasília?

MEC: Nunca deu a mínima bola para essa bobagem, ele sabia perfeitamente que o projeto dele para Brasília era bom.

AA: Qual o real motivo do distanciamento pessoal de LC em relação a Oscar Niemeyer?

MEC: Simples questão de temperamento! Sempre foram amigos próximos, mas sem intimidade.

AA: LC faleceu há pouco tempo, lúcido e com 96 anos de idade. Como foram os últimos 20 anos de vida dele, na maturidade? O que ele costumava fazer, quais as leituras preferidas, os lugares que costumava freqüentar no Rio, quem eram seus amigos mais íntimos e etc...

MEC: Meu pai sempre zelou pela sua privacidade, e talvez por isso mesmo sempre respeitou a dos seus próximos. O que posso te dizer é que ele sempre levou a vida dele do seu jeito, sempre fez o que quis com a mais total independência, e sempre se interessou pelas coisas, desde as mais caseiras até a evolução da humanidade.

AA: Existe algum projeto, texto ou qualquer outro trabalho produzido por LC que seja inédito e não publicado? Ele escreveu outras coisas (poemas, contos, romances, cartas e etc...) fora do universo da arte e da arquitetura? Eu sei que existe o famoso roteiro de um filme que ele escreveu especialmente para o Charles Chaplin, não é verdade?

MEC: Provavelmente ainda vamos encontrar alguma coisa inédita, seja texto ou mesmo projeto, no meio dos seus papéis. Sobre se escreveu outras coisas “fora do universo da arte e da arquitetura”, basta ler o Registro de uma Vivência, onde além de preciosas cartas, há textos que são crônicas, de valor estritamente literário. O roteiro do Chaplin é desenhado, com legenda – o original fez parte da exposição Lucio Costa 1902-2002 no Paço Imperial no Rio e no CCBB de Brasília.

AA: O que é a Casa de Lucio Costa? Fale um pouco da ONG e dos projetos da Casa para apreservação da memória do seu pai.

MEC: A Casa de Lucio Costaé uma sociedade civil sem fins lucrativos que tem por objetivo manter viva não apenas a memória, mas sobretudo o pensamento de Lucio Costa, livre, abrangente, sempre atual. Já foram publicados dois livros, o Com a palavra, Lucio Costa, organizado por mim (editora Aeroplano), e o Arquitetura (editora José Olympio).

No ano do centenário, entre outras coisas e além da exposição, a Casa participou daquele Seminário no Palácio Gustavo Capanema, e somos continuamente procurados para informações, palestras em universidades (fiz várias), entrevistas, intercâmbio com instituições no exterior, como a Rice University em Houston.

Neste momento está sendo completado um projeto para cuidar do acervo pessoal de Lucio. Nos dois primeiros anos o presidente da CLC foi o cineasta Mário Carneiro, e agora é o arquiteto Jorge Hue.

AA: Lucio Costa, em 2002, recebeu diversas homenagens tanto no Brasil como no exterior, por conta do centenário de seu nascimento. Em que momento da sua vida (tanto no campo pessoal e familiar como no campo profissional) a senhora “percebeu” que o seu pai era uma pessoa muito importante para o Brasil? Como vê estas homenagens póstumas por conta do centenário de LC?

MEC: Acho que eu soube desde muito cedo que ele era importante para o Brasil, talvez porque minha mãe sempre teve – e transmitia – esta convicção. Com o concurso de Brasília a percepção se consolidou definitivamente, e quanto mais tempo passa, mais eu me dou conta do alcance e do significado da contribuição dele à cultura, melhor dizendo, à consolidação da própria identidade brasileira. As homenagens foram certamente bem-vindas.

AA: De todas as homenagens já feitas ao seu pai, qual a sensibilizou mais? Por quê? Na sua opinião, alguma não foi feita?

MEC: Todas me sensibilizam, mas certamente ficou inesquecível a imagem dos dois aviões da Esquadrilha da Fumaça desenhando os dois eixos de Brasília no céu, no entardecer da Praça dos Três Poderes, quando o Governador Cristóvam Buarque o homenageou pouco depois da sua morte.

AA: Na sua opinião, ele foi recompensado em vida pela sua contribuição à cultura brasileira?

MEC: Você quer melhor recompensa do que inventar a capital do seu país e ter a oportunidade de tomar um vinho num bar na cidade inventada, já real, verdadeira e com identidade própria? E ser aplaudido e querido pelos moradores desta cidade? Fora isso, o alcance da contribuição dele será sempre visto e revisto, porque o seu pensamento abre caminhos, leva a pensar. Gosto quando vejo gente da geração da minha filha – portanto da geração neta de Lucio – empenhada em descobri-lo, em revelá-lo, como fez Geraldo Motta Filho com o filme O Risco, premiado em 2003, em Gramado.

AA: LC viveu o suficiente para perceber a crítica que foi feita aos ícones do Modernismo e seus projetos. Como ele recebia e se comportava diante das críticas?

MEC: Ele nunca deu bola para essas críticas, acreditava nas suas próprias convicções.

AA: Propondouma “viagem” à senhora: como imagina que seria a visão de seu pai sobre a arquitetura brasileira, hoje?

MEC: Nem é preciso uma viagem, tempos atrás, no auge do pós-moderno, Paulo Jobim trabalhava comigo, estávamos conversando sobre esses assuntos na minha casa, e Lucio deixou escapar o comentário: “A arquitetura está dodói”. Tenho a ligeira impressão que hoje diria que o “dodói” ainda não encontrou a cura, mas faria questão de assinalar as boas coisas, como a obra do Lelé.

AA: Como ele estaria reagindo diante das atuais mudanças políticas?

MEC: Desde que Lula surgiu como candidato, ele sempre comentava aqui em casa que seria fantástico o Brasil ter um operário na presidência da República; tenho certeza que estaria acompanhando tudo com o maior interesse, e feliz com a maneira como Lula está conduzindo o barco e como coloca o Brasil no mundo, sem sombra de subserviência. E certamente estaria absolutamente revoltado tanto com a política de George Bush como com os atos de terrorismo.

Oscar Niemeyer na varanda do Palácio do Alvorada
Foto M. M. Fontenelle [fonte: Acervo DPHA-DF]

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