Lúcio Costa: Eu só conheci o Rio de Janeiro com 14 anos. Eu nasci fora, meu pai era engenheiro naval, esteve muito tempo na Europa. Nasci em Toulon, França. Vários irmãos meus nasceram em Marseille e em outros lugares da França. Meus pais voltaram para o Rio, quando eu era recém nascido – com alguns meses. Em 1910, foi criada uma comissão para a construção das esquadras, que hoje viraram ferro velho, e meu pai foi com toda a família para a Inglaterra. Ficamos lá até a primavera de 1914, ano da 1ª Guerra. Na época meu pai teve um desentendimento com o ministro da Marinha, se não me engano, e pediu reforma. Da Inglaterra seguiu para a França, depois para a Suíça. Nós ficamos na Suíça – ali eu freqüentei o colégio como o tinha feito na Inglaterra.
A guerra, em agosto de 1914, nos pegou na Suíça. Nós estávamos perto do lago Leman que é muito bonito – com montanha, com neve, então fomos para Montreaux e ali ficamos dois anos e meio até o fim de 1916, quando resolvemos voltar ao Brasil em plena guerra. Foi então, com 14 anos que eu conheci o Rio de Janeiro, de verdade, porque aos 8 anos eu não tinha gostado. Com relação ao Roberto Burle Marx, a minha mãe herdou um terreno no Leme – meu pai construiu uma casa lá. Nós morávamos na mesma rua, do Barão Araújo Gondim, no Leme, onde o pai de Burle Marx tinha a casa. A rua mudou de nome para General Ribeiro da Costa, que era meu tio. O Roberto era bem mais moço que eu.
Meu pai sempre quis ter um filho artista, que fosse músico, poeta, pintor etc. Como eu gostava de desenhar ele tomou a iniciativa e me matriculou na Escola de Belas Artes, era aquela de tradição francesa, de considerar as Beaux Arts, as três artes irmãs: pintura, escultura e arquitetura, que eram dadas na mesma escola, em três cursos paralelos. Os dois primeiros cursos eram comuns, só os quatro finais que eram especializados. Depois dos dois primeiros anos eu resolvi me dedicar à Arquitetura.
A escola era bem acadêmica, eu me formei com a tradição acadêmica, aquela coisa eclética, o arquiteto era ensinado para conhecer bem os estilos desde o tempo da Grécia até Roma, o Renascimento, etc, com a finalidade de aplicar estes conhecimentos históricos à época, aos programas contemporâneos. Assim se era um banco, um projeto de banco, se procurava seguir o estilo florentino da Itália com formas mais pesadas, sólidas. Se era igreja, era aquele estilo gótico, barroco.
Depois de formado, em 1922, decidi aproveitar a oportunidade, de uma passagem de navio de ida e volta à Europa, oferecida pela Lloyd brasileira aos alunos da escola. Passei um ano na Europa como turista. Nesta época, já estava ocorrendo este movimento de renovação da arquitetura que começou na Europa e depois chegou aos Estados Unidos porque até então eles aplicavam a construção de estilo francês e inglês nos arranha-céus etc.
AR: Quais foram os países visitados?
LC: Instintivamente eu quis voltar aos lugares nos quais eu tinha estado antes, na Inglaterra eu aluguei um carro e rodei a Inglaterra, a França, a Suíça e finalmente a Itália, que eu não conhecia. Eu voltei ao Brasil em 1927, no Bagé, um navio ex-alemão comprado pelo Brasil na segunda guerra mundial, um transatlântico muito bom. Para você ter uma idéia de como eu estava alienado, quando eu voltava por mar a bordo deste navio, estive fazendo aquele jogo de formar palavras. Fui "enforcado" justamente com a palavra Le Corbusier, o arquiteto que eu passei a admirar no período de 27 a 30, quando comecei a desgostar da arquitetura que se estava fazendo, que não correspondia à nova tecnologia do concreto e do aço.