Lúcio Costa: Eu estava desgostoso querendo me informar. 1927 foi o ano em que me casei. Fomos morar em Correias, além de Petrópolis. Em 1930, quando se criou o MEC, o Rodrigo Melo Franco de Andrade, como chefe de gabinete do ministro Francisco Franco me chamou, eu não o conhecia, mas ele me pediu para passar pelo Ministério, que eles estavam querendo me nomear diretor da Escola de Belas Artes. Havia aquela preocupação de mudar o Instituto de música que eles puseram no centro do Galeão e a biblioteca. Eles foram fazendo mudanças, aquela coisa de renovação, dar ar de renovação. Eu fiz tudo para não aceitar porque eu não queria me incomodar, mas eles insistiram e eu acabei aceitando. Foi nessa época que a experiência fracassou, porque houve uma oposição muito grande por parte dos acadêmicos. Mas eles me receberam muito bem, apesar de, a contragosto, mas me conheciam e porque era a revolução, havia aquele clima da revolução dos tenentes, aquela coisa toda.
Depois o chefe de gabinete que me havia chamado se indispôs com o ministro e pediu demissão. Quando eles perceberam que eu já não estava mais apoiado pelo Ministro, começaram a criar problemas. Assim, primeiro me convidando para conversar nos reunimos e concordamos em criar uma cadeira nova, para eu dar aulas, pois de acordo com a legislação anterior, o diretor deveria ser um professor da escola. Eu estava numa posição muito difícil. Os alunos estavam todos em greve, querendo que eu continuasse, mas eu não aceitei e acabei deixando a direção em 1931. O Roberto freqüentou a escola quando eu era diretor, depois eu perdi o contato.
Ana Rosa de Oliveira: O senhor saiu em 1931, nesta época já havia uma nova concepção da arquitetura?
LC: Eu estava apenas em uma fase de renovação mental, foi um período muito difícil para mim, de 31 até 36, quando o Capanema me convidou para fazer o Ministério. Foi esse período de 4 a 5 anos, um período de pobreza, quase de miséria, em que eu já não conseguia fazer aquela arquitetura acadêmica que me solicitavam. Eu continuava sendo procurado por pessoas que queriam construir casas de estilo histórico e aquilo eu já não podia mais fazer.
Eu propunha fazer coisas contemporâneas de acordo com a nova tecnologia construtiva do aço e do concreto. As pessoas, porém, não aceitavam e foi um período de grande dificuldade. Felizmente, eu morava num porão no Leme, na casa dos meus sogros, de modo que, sobrevivi a esses 4 ou 5 anos. Foi na administração do Capanema, que se mudou, ele precisava fazer o edifício para a sede do Ministério. Ele tinha aberto um concurso e o resultado não o agradou, ele então pagou os prêmios, mas anulou-o.
Recebi uma carta, naturalmente porque o ministro Capanema era amigo do Rodrigo Melo Franco, do Manuel Bandeira, Mário de Andrade... aquele grupo de intelectuais que estava interessado na renovação, na atualização da cultura brasileira, porque se vivia muito isolado do que estava ocorrendo na Europa. Estavam querendo atualizar e ao mesmo tempo voltar para as raízes, conhecer a tradição colonial. Então eu organizei um grupo de trabalho para fazer o projeto do Ministério.
Eu convidei inicialmente a Ricardo Cardoso de Melo, Affonso Eduardo Reidy, Jorge Machado Moreira e eu, éramos quatro. Eu contei essa história a várias pessoas, eu organizei este grupo de quatro para elaborar o projeto, mas o Jorge Moreira tinha um sócio trabalhando com ele, chamado Ernani Vasconcelos. Ele propôs então que o Ernani participasse, eu concordei.
Então aconteceu um episódio significativo – porque um ano antes eu tinha sido procurado no meu escritório por um rapaz com uma carta de apresentação do Banco Boavista – este rapaz já estava casado, tinha uma filhinha. Mas eu não tinha trabalho, era aquele período de pobreza – foi antes da construção do ministério – eu expliquei que não poderia pagar-lhe um salário, então ele se ofereceu até a pagar alguma coisa para trabalhar no escritório – ele queria freqüentá-lo. Ele ainda era aluno da ENBA, ainda não tinha terminado o curso. Ele tinha tido um romance com a Anita – essa moça também era estudante – ele precipitou-se ao casar-se. De modo que ele freqüentou o escritório durante um ano sem revelar o seu talento. Eu tinha até vontade de aconselhá-lo a trabalhar num banco, porque ele estava perdendo tempo. Essa pessoa era o Oscar Niemeyer que depois se revelou este grande arquiteto. Nessa época, quando o Jorge Moreira convidou o Ernani Vasconcelos, o Oscar disse que também queria participar e aí ficamos em seis. Foi uma época de renovação cultural e social, em que não havia outro interesse que fazer as coisas bem feitas.
Quando eu fui diretor da ENBA, estava querendo renovar o ensino da arquitetura. Em São Paulo, havia um movimento de renovação importante, liderado por um russo, o Gregori Warchavchik. Ele tinha se formado em Roma e havia sido convidado por uma empresa para trabalhar em São Paulo. Ele teve a idéia genial, a sorte de se casar com uma moça muito rica. Ele e o Segall casaram-se com as duas irmãs e aí puderam se dedicar à profissão com toda a paixão e construíram várias casas no estilo moderno em São Paulo. Eu tomei conhecimento dele através de uma revista que mostrava a inauguração de uma casa nova construída por esse Gregori. Eu gostei muito e fui a São Paulo convidá-lo para ser professor da escola e ele aceitou. Ele já estava construindo uma casa aqui no Rio. Foi justo no período que antecedeu aquela briga dos professores.