Roberto Anderson M. Magalhães: O que você compreende por sustentabilidade? Você percebe algum interesse ou funcionalidade nesse conceito?
Alfredo Sirkis: Basicamente a idéia da sustentabilidade é não só a tentativa de conciliar a preservação ambiental com a atividade econômica e os assentamentos humanos, como, eventualmente, até tentar conjuminar essas duas coisas na forma de um círculo virtuoso. Uma das coisas claras na relação entre o espaço construído e o meio ambiente ou ambiente natural é que não são duas coisas completamente diferentes. Na verdade, o espaço construído se assenta sobre o berço do ambiente natural, subtraindo dele uma série de elementos, que são utilizados no processo de construção, e estabelecendo um tipo de relação entre os dois que pode se dar para o bem ou para o mal. Pode se dar exemplos na escala micro, arquitetônica, ou na macro, urbanística. Na escala micro, gosto de dar o exemplo do iglu, que é uma casa de gelo, que protege o esquimó do frio. É uma solução perfeita para aquele contexto. O mesmo se dá com a tenda nômade, ou mesmo, mais perto de nós, com a arquitetura colonial portuguesa. Então, ao longo da história, no plano arquitetônico e no plano urbanístico, você tem tanto soluções integradas com o ambiente natural, como soluções conflitantes com o mesmo. As conflitantes, nós sabemos: ocupação das encostas, que gera desmoronamentos, ou desmatamentos, que por sua vez gera a falta d’água, entre outras coisas. Gera, também, a impermeabilização de áreas gigantescas, que provocam inundações, erosão, vossorocas, enfim, os exemplos abundam. Assim, ao longo da história, você tem soluções que são soluções de verdade, e outras que produzem problemas piores. Nesse sentido, acho que a sustentabilidade urbana está numa ocupação inteligente dos espaços, que permita uma inter-relação harmônica entre o ambiente natural e o ambiente construído.
RAMM: Alguns autores têm tratado essa questão da sustentabilidade urbana como uma metáfora, um ideal, algo a ser atingido longinquamente. Você vê a possibilidade dela ser uma questão objetiva, de se constituir um programa, de se ter ações concretas?
AS: O autor que melhor desenvolve esta problemática é Anne Whiston Spirn, que em seu livro O jardim de granito trata da relação entre ambiente construído e natural. Ela me chamou a atenção para o fato de que a cidade está dentro da natureza, ao contrário do senso comum em nossa cultura, que pensa a cidade desassociada da natureza, como uma não natureza. Mas a cidade está dentro da natureza e junto com ela cria uma nova síntese. Por outro lado, a cidade é um ecossistema complexo, tão ou mais complexo do que a Amazônia. É um ecossistema por todos os pontos de vista, no sentido em que é uma teia intrincadíssima de inter-relações. O processo de urbanização mundial e brasileiro é irreversível, a humanidade caminha, cada vez mais, para as cidades, o que nos leva a ter que encontrar formas sustentáveis de sobreviver nas cidades. O sustentável é você poder sobreviver preservando a saúde física e mental, oferecendo uma qualidade de vida melhor ou mais prazerosa do que aquela anteriormente desfrutada.
É um erro relacionar a urbanização com flagelos como o latifúndio, a falta de reforma agrária, que são verdades, mas o primeiro motor da urbanização é o desejo da juventude rural de ter vivências e ter acesso a coisas que só a cidade oferece. Nas cidades, os desejos se realizam com mais facilidade. Você tem acesso a uma variedade gigantesca de contatos que podem lhe aproximar daquilo que você quer. Então, é simplista relacionar o processo de urbanização apenas com questões econômico-sociais na área rural. Há um motor cultural muito forte. O processo de urbanização quer na China, como no Brasil, ou na Índia é um fato da realidade que não vai ser revertido. Quando se tentou fazer o contrário, em geral havia uma visão totalitária, como no Camboja, onde o Pol Pot resolveu desurbanizar o país. Deportou três milhões de pessoas, toda a população urbana para o campo. Nos anos 70, uma vertente ingênua do ambientalismo tinha aquela idéia da Refazenda, de se morar em comunidades rurais, com seu arrozinho integral, etc., mas está claro que o futuro da humanidade está nas cidades. Então, a vida urbana tem que estar associada à idéia de uma sustentabilidade. É uma sustentabilidade que tem aspectos ambientais, culturais, sociais, de saúde, etc. Em última análise, eu diria que sustentabilidade é você poder viver nas cidades de forma decente. E as atividades econômicas se desenvolverem de forma a não degradar e comprometer a possibilidade disso acontecer.