Roberto Anderson M. Magalhães: Qual o papel do poder público nessa questão? E o papel da esfera privada? Como vê a estratégia de criação de Secretarias e do Ministério do Meio Ambiente? Isto não criaria uma setorização da compreensão desses problemas?
Alfredo Sirkis: A ação do poder público tem que ter aspectos de regulação e de controle, comando e controle tradicionais, mas também tem que ter um engajamento no sentido de tentar estimular o desenvolvimento da economia na direção da sustentabilidade. Isto difere da visão clássica que vê os setores público e privado separados, em lados opostos do balcão, cabendo ao poder público apenas fiscalizar, licenciar, etc. De um lado estaria a atividade dinâmica, de investimento e do outro a burocracia que tenta adequar os investimentos às normas legais, que ao longo do tempo vão sendo criadas. Mas acho que isto é insuficiente. Vejo, também, o poder público como um indutor, um parceiro, um estimulador das coisas boas, ou inibidor das coisas ruins em termos de investimentos econômicos.
Acredito que as secretarias de meio ambiente e o Ministério do Meio Ambiente correspondem a uma certa etapa intermediária da consciência ambientalista transformada em ação de governo. É uma primeira etapa. O ideal seria que a sustentabilidade e a preocupação ambiental perpassasse todas as secretarias e todos os ministérios, e que todos fossem do meio ambiente. Se analisarmos de forma bem concreta, veremos que as grandes decisões ambientais, que afetam o meio ambiente, não passam pelo Ministério do Meio Ambiente e sim pelos ministérios econômicos – Indústria e Comércio, Agricultura, Conselho Monetário Nacional, etc. No âmbito municipal, o Rio de Janeiro é um bom exemplo, e posso falar por ser a pessoa que implantou a Secretaria de Meio Ambiente no Rio. Há decisões ambientais fundamentais que passam completamente ao largo da Secretaria de Meio Ambiente. No Rio, por exemplo, há o problema do lixo e o problema da água, que são duas questões fundamentais. A Comlurb é uma companhia diretamente ligada ao Gabinete do Prefeito e as águas são ligadas a uma companhia jurássica estadual, a CEDAE. Por outro lado, constantemente são tomadas decisões pelas outras secretarias que afetam o meio ambiente. Então, acho que as secretarias de meio ambiente correspondem a uma época em que a consciência ambiental estava penetrando e se expandindo na esfera pública e a Secretaria foi organizada como uma espécie de baluarte, um reduto, a partir do qual os ecologistas podiam começar a travar as atividades mais predatórias e a estimular os projetos mais interessantes do ponto de vista ambiental. Mas acho que isso é uma fase. O ideal mesmo é que futuramente todas as esferas de governo tenham como base a questão ambiental e a sustentabilidade, o que faria com que no futuro não fosse necessário estas estruturas exclusivas. Mas isso ainda é um objetivo que não foi alcançado e ainda há uma caminhada para chegar lá. Na atual fase essas estruturas ambientais são importantes.
RAMM: Você vê hoje em dia alguma alteração na mentalidade da iniciativa privada, do capital imobiliário aqui do Rio? Seja por força do interesse dos consumidores, seja por outros motivos, já há a incorporação das questões ambientais?
AS: Bom, eu diria que o empresariado brasileiro, de uma forma geral, foi um segmento que evoluiu de maneira positiva a partir, basicamente, da Rio-92. A partir daquele momento, começou a haver uma mutação interessante dentro do empresariado. Em relação à construção civil, acho que alguns descobriram o valor agregado de incorporar áreas verdes e vender a idéia de um empreendimento em harmonia com o meio natural. Isso passou a ser um conceito, até para a promoção de vendas. Alguns fizeram isso de forma mais competente, outros não, mas de uma forma geral passou a ser um elemento de valorização do empreendimento o fato dele ser ecológico, por assim dizer.
Em relação ao empresariado do Rio de Janeiro, no entanto, existe uma outra questão que é uma certa limitação em termos de diversificação do investimento. Ele está muito voltado para a Barra da Tijuca, para a alta classe média, para um modelo de negócios que vem dando certo e, portanto, vem se repetindo. São aqueles empreendimentos da Barra da Tijuca ou, então, em certos nichos da Zona Sul. Tanto isso é verdade, que os investimentos que têm ocorrido no centro da cidade têm sido de investidores de fora do Rio de Janeiro, que nós convidamos, trouxemos, trabalhamos para que viessem para o mercado do Rio, porque os daqui só queriam saber de Barra da Tijuca. Uma das minhas grandes discussões com o setor imobiliário do Rio de Janeiro é que eles estão viciados em Barra da Tijuca e, mais dia, menos dia, aquilo vai “micar”. Eles vão ficar com um “micasso” na mão. Essa é uma fórmula que tem dado certo, mas ela não é infinita. Quanto mais classe média você pode trazer para lá? Nem toda a classe média se identifica com esse estilo de vida. Eu acho, inclusive, que a tendência dos produtos imobiliários que não sejam de primeiríssima qualidade na Barra da Tijuca é começar a “micar” em breve, se é que isto já não está ocorrendo.
Já o Centro, por exemplo, tem recebido empresas como a Klabin Segall, a Tishman Spyer, Heinz e outras, que são de fora do Rio. Há também a Cyrela que começou a investir no Rio de Janeiro, em associação com a RJZ. Então, acho que hoje há uma mudança no mercado, que aponta para um setor mais jovem do empresariado, com idéias que são mais compatíveis com a idéia de preservação ambiental e inclusive tira partido desses valores. Falta, no entanto, um direcionamento maior para uma diversificação de investimentos dentro da cidade como um todo. Acho que a questão da Barra da Tijuca é um problema que muito brevemente vai começar a doer no bolso.