Roberto Anderson M. Magalhães: E no caso do projeto Veneza Carioca? Para a SMU, ele representava um projeto modelo?
Alfredo Sirkis: Veneza Carioca representava uma coisa que estaria muito conjuminada com as novas normas do PEU Vargens, abrangia uma área onde, ao contrário, se diminuía a taxa de ocupação, por razões eminentemente ambientais. Você tem aquela área toda de Vargem Pequena, de propriedade do Pasquale Mauro, onde pode ter prédios de seis andares, o que é uma dupla bobagem. Primeiro, que ali é uma área tão complicada em termos de solo, que não é só inconveniente fazer prédios, mas também é muito caro. É necessário estaquear esses prédios, com um custo adicional brutal. Então, havíamos pensado para aquela área a criação de um parque e áreas com ocupação por casas. Chegamos até a pensar numa tecnologia de casas sobre blocos de concreto flutuante. A idéia era fazer um parque, recriar uma laguna que existia ali no passado, mas o essencial do projeto Veneza Carioca era você poder dragar todos aqueles canais, dar condições de navegabilidade a todos, e permitir que você pudesse ir do canal da Joatinga ao canal de Sernambetiba usando barco. A idéia de Veneza Carioca era justamente a possibilidade de você usar os canais, as lagunas e os rios, como meio de transporte. Isso é perfeitamente factível, é uma questão de dragar aquilo tudo, liberar as faixas marginais de proteção, realocando as favelas que estiverem dentro dessas faixas marginais de proteção dos canais e dos rios. É um projeto muito factível. Tivemos até, preliminarmente, estudando com a COPPE. Fizemos uma análise das dinâmicas hidrológicas. É um projeto que poderia ter sido executado se tivéssemos tido acesso ao empréstimo do G-BIG, de 152 milhões de dólares. Mas a Secretaria do Tesouro Nacional do Ministério da Fazenda fez o favor de negar o aval, alegando questões referentes ao limite de endividamento, ao limite de capacidade de pagamento da Prefeitura do Rio, ao mesmo tempo em que dava a mesma coisa para São Paulo, com um perfil de dívida duas vezes e meia pior do que a do Rio de Janeiro. Isto na época do Governo da Marta Suplicy. Então, ainda acho que o Veneza Carioca um dia vai ser feito.
RAMM: Você citou a Anne Spirn. Ela e seus seguidores dão uma série de sugestões sobre o que se pode chamar de “desenho urbano ecológico”. De alguma forma, houve tentativas de aplicar isso nas ações do setor público do Rio de Janeiro? Nos projetos para a Área Portuária, por exemplo, não se percebe muito a aplicação de novas técnicas de desenho de projeto para a cidade.
AS: É a tal história, é uma questão de correlação de forças e de como as coisas são feitas. De fato, se dependesse do meu gosto, nós teríamos, além dos depósitos de águas pluviais, teríamos painéis solares, teríamos todo um outro conceito de aproveitamento de energia elétrica, etc. Sobretudo, eu considero uma derrota terrível, que, embora tenhamos tentado, não tenhamos conseguido emplacar que em todos os equipamentos dos Jogos Pan-americanos, além dos componentes de retenção de águas pluviais, houvesse experimentos com energias alternativas. Mas a verdade é que o Pan-americano está sendo feito de forma atabalhoada e vai deixar um legado para a cidade infinitamente menor do que se imaginava na partida. A esta altura do campeonato, estamos apenas rezando para que tudo corra bem, e que se possa fazer os jogos de maneira adequada do ponto de vista esportivo. Mas todas as grandes expectativas que se tinha em relação a usar os jogos para criar um legado para a cidade foram por água abaixo, por uma série de circunstâncias.
Eu tive constantemente essa preocupação, mas de fato, não foi possível, dado a questões como não conseguir convencer outras instâncias da Prefeitura e não ter as necessárias parcerias com a instância federal, que são necessárias para financiar essas coisas, considerando-se que a SMU é uma Secretaria completamente sem recursos de investimento. Você planeja as coisas e tenta fazer através de outros órgãos. Às vezes você consegue, outras não. Nos últimos anos eu não consegui. E esta tem sido a tônica. Então, eu concordo com você. Acho que poderíamos ter avançado muito mais, em termos de incorporação desses elementos, que são elementos, inclusive, que dão charme, que dão valorização. Eu tentei fazer isso via iniciativa privada, mas o problema é que o não cumprimento de compromissos, os problemas que a iniciativa privada teve com o setor público como um todo, reduziram muito a margem de disponibilidade que os agentes privados poderiam ter para investir nesse tipo de coisa. Ou seja, na verdade o que se fez e o que se está fazendo é o mínimo, minimorum para se poder fazer os jogos (pan-americanos) e não aquilo que deveria ser a preocupação de uma cidade, que é aproveitar um evento desses para constituir um legado.
RAMM: Como você vê a possibilidade de utilizar as bacias hidrográficas como bases territoriais para o planejamento urbano?
AS: Com certeza, acho que o planejamento deveria se dar em função de bacias, mas primeiro é necessário equacionar o problema da gestão das águas. Elas não podem continuar sendo geridas por esse dinossauro que é a CEDAE, de forma totalmente dissociada dos municípios e completamente hostil em relação aos consumidores e à sociedade civil. É um problema encruado na Cidade do Rio de Janeiro que se chama CEDAE. Acho que um outro modelo, com gestão por bacias hidrográficas, é importante. Mas ainda estamos longe disso em função de problemas que ainda existem com o Governo do Estado, com a própria CEDAE.