Renato Viégas: Foi uma decisão tomada entre os 12 e os 14 anos. Eu gostava de desenhar, tinha curiosidade pelas artes plásticas, principalmente pintura. Na casa vizinha à nossa, morava a Renée Lefévre, pintora, que tinha laços com a família e me dava aulas. Dentre as artes plásticas a que tinha caráter de profissão era a arquitetura, vem daí minha opção. Por outro lado, meu pai era também jornalista, interessado em política (foi fundador do Partido Socialista) e nas questões culturais. Era maranhense, com grande ligação com a terra natal. Era um leitor ávido e escrevia sobre teatro e cinema. A construção de Brasília recolocou o foco no papel, muito afirmativo, de nossa arquitetura moderna: Capanema, Lucio Costa, Niemeyer, JK, Manuel Bandeira e o nosso Barroco, figuravam nas conversas de casa. Meu pai gostou de minha escolha profissional.
CTJ: Como foi a sua formação como arquiteto no Mackenzie? Como a faculdade se estruturava?
RV: Eu não fui um aluno muito aplicado. Freqüentava pouco as aulas. As turmas eram muito grandes, com cerca de 100 alunos. Eram divididas em grupos menores para certas aulas práticas e outros maiores para as teóricas. As disciplinas eram ministradas como conhecimentos isolados, não havia nem tentativa de evidenciar qualquer interdisciplinaridade. Um número enorme de cadeiras, ministradas com o máximo de desinteresse. Mas eu freqüentava a biblioteca da FAU, que ficava na Rua Maranhão, ao lado do Mackenzie e bem cedo comecei a trabalhar para alguns, então jovens, arquitetos, como o Décio Tozzi e o Ruy Ohtake.
O Ruy tinha um escritório na Barão de Itapetininga, junto com outros arquitetos. O grupo pegou uma série de escolas para o FECE (Fundo Estadual de Construções Escolares) – lembro-me de haver desenvolvido também as do Helio Penteado e do Julio Katinsky, além das do Rui. Esse escritório havia sido do (Carlos) Millan e lá vi os desenhos originais, em vegetal, de um projetista lendário – creio que se chamava Lamadrid. Eram maravilhosos. Trabalhei também como estagiário, a partir do 4° ano, com os arquitetos Rubens Carneiro Viana e Ricardo Sievers. A Sociedade chamava-se PROURBA e ficava no último andar do prédio do IAB. Eles me admitiram para desenvolver o Plano Diretor de Valinhos. Eu teria que me responsabilizar sozinho por ele e administrar a verba que reservavam para isso. Eu contava com o trabalho do excelente projetista, que era sócio deles – chamava-se Dito (Expedito Póroa).
Em função inclusive da carência de recursos, desenvolvi um método participativo com a criação da Comissão Local de Planejamento, composta por funcionários da prefeitura e pessoas representativas da vida municipal.
Ia para Valinhos toda 2ª, repassava o que havia sido realizado na semana e me reunia com a Comissão à noite.
Fiquei amigo do Ricardo e do Dito e acabei me envolvendo em outros projetos do escritório, entre eles o Cetenco Plaza, na Avenida Paulista.
CTJ: Havia troca entre os alunos da FAUUSP e do Mackenzie: Isso foi importante na sua formação?
RV: Certamente com os da FAU, e também com os da USP da Maria Antonia e de outras faculdades do próprio Mackenzie. Era muito presente a preocupação com a arquitetura como fenômeno cultural, vis-a-vis a outras áreas de conhecimento. Era comum a constituição de escritórios de estudantes. Acabava por reunir amigos da própria escola. Os escritórios eram muito próximos uns dos outros. Viravam pontos de encontro.
CTJ: Quais foram os professores que mais te marcaram?
RV: Entre os de projeto, os arquitetos Telésforo Cristofani e Salvador Candia. Este, que vivia as 24 horas do dia para a arquitetura, chorou durante a aula, ao falar sobre Le Corbusier, no dia de sua morte.
Tive dois bons professores de desenho como expressão (a cadeira era assim chamada), o Ubirajara Ribeiro e o Wesley Duke Lee. Para apreender os conhecimentos do Bira precisava se aproximar dele, ir em suas exposições de pintura, bater papo em grupo menor. O Wesley já dava aulas particulares para o Aieto Manetti, que veio a ser meu sócio, o Carlos Fajardo e o José Resende, todos da minha turma. Ele reduziu o grupo aos que tinham interesse pelo tema, dispensou os restantes e não atribuía notas. Da observação dos desenhos de cada aluno extraia referencias, recomendava consultas, abria caminhos para você desenvolver sua expressão. Com seu incentivo organizamos um festival de filmes sobre grandes artistas – documentários magníficos, do acervo da Cinemateca de São Paulo, raramente exibidos para qualquer outro público.