Clarissa Turim Jerez: Qual o impacto que a ditadura militar teve para a arquitetura e para (no sentido mais amplo) a cultura no país?
Renato Viégas: Perguntinha danada, que abrange temas tão diversos.
Antes de 64 havia um esforço de compreender e afirmar um país possível. Após o golpe o foco volta-se, pouco a pouco, para a resistência à opressão. Após 68 chega-se, nas mais diversas áreas, à confrontação limite: entre o fazer e a resistência armada.
O mundo também experimentou várias crises durante o período que durou o golpe. Modificou-se muito. Finda a ditadura não dava mais para repensar o país, retomando-o como ele havia sido no início da década de 60. Acho difícil, hoje, isolar o período e identificar os impactos da ditadura. Seria necessário imaginar o país que poderia ter sido e não foi – isso parece sina. Inegável é a perda de tantas vidas e o atraso, de no mínimo 20 anos, no aperfeiçoamento da democracia e das relações institucionais. Vive-se, hoje, um momento de grande perplexidade decorrente da nova face da economia mundial.
CTJ: Quais as transformações que a categoria sofreu nos dias de hoje?
RV: Acho que a transformação mais presente no quotidiano, não só entre nós mas para todas as categorias, está nas relações de trabalho. Quase não há mais emprego.
Entrei na arquitetura sonhando com escritório próprio e trabalho de ateliê. Acabei por ingressar numa estatal que permitia desenvolver um bom trabalho em equipe – equipe multidisciplinar. As estatais eram apoiadas ainda por grandes projetistas que ofereciam, também, bons empregos. Na geração de meus filhos isso acabou. Tendo trabalho já está muito bom. Vejo que abre, por outro lado, um campo interessante e diverso de parcerias e associações. Algo que não sei bem como vai caminhar. O trabalho de arquitetura ainda é muito pouco valorizado.
CTJ: Na sua opinião, qual o papel do arquiteto na sociedade contemporânea?
RV: Papel ligado à construção das cidades à organização de seus espaços. As grandes metrópoles vão deter um percentual enorme da população – prevê-se que cerca de 70% vai viver em grandes cidades.
CTJ: Qual a possível contribuição dos arquitetos para o equacionamento dos problemas das cidades brasileiras?
RV: Equacionar os problemas das cidades é tarefa para toda a sociedade. Nossa formação, nosso saber vai no caminho de participar das sínteses – planos e projetos. Tomar os estudos de diversas áreas de conhecimento e lançar mão dos desenvolvimentos das técnicas construtivas para dar forma a uma nova realidade urbana.
CTJ: Como você encara os problemas atuais do ensino de arquitetura e o fato de haver tantas faculdades, nem todas preocupadas com a qualidade da formação de seus estudantes?
RV: Não os conheço em profundidade. Seria um chute falar em ensino. Dessas grandes levas que se formam creio que há poucos trabalhando com arquitetura e de outro lado tanto a fazer. Como já disse é uma profissão muito desvalorizada, ainda não se impôs como um saber específico.
CTJ: Qual a sua posição diante da questão tecnológica no tocante ao trabalho dos arquitetos?
RV: Não dá para pensar em construir algo sem procurar saber como fazê-lo. Para chegar ao objeto arquitetônico, como já disse, é preciso lançar mão de diversos conhecimentos. Trata-se do domínio de uma linguagem, de um saber específico, que aponta para uma síntese. Henri Lefebvre usou uma máxima muito boa para marcar posição sobre a questão: Toda tecnologia investida no cotidiano.