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interview ISSN 2175-6708

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O livro "Warchavchik: fraturas da vanguarda" é fruto de ampla pesquisa do autor José Lira, com viagens para cidades europeias onde o arquiteto nasceu e se formou

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INVAMOTO, Denise. Gregori Warchavchik: de Odessa a São Paulo. Entrevista com José Lira. Entrevista, São Paulo, ano 12, n. 047.01, Vitruvius, set. 2011 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/entrevista/11.047/4026>.


Paço Municipal, projeto de Gregori Warchavchik [Acervo Carlos Warchavchik]


Denise Invamoto: Qual foi o critério utilizado em sua periodização e seleção das obras?

José Lira: Uma das coisas que me incomodava no livro de Ferraz e em todos os demais trabalhos que se voltaram sobre a obra de Warchavchik era o tratamento restrito, basicamente aos anos de consagração do arquiteto, 1927-33, o que sombreou e produziu interpretações muito lineares de sua obra, quase sempre desatentas aos períodos anterior e posterior à sua consagração. É certamente compreensível que as análises tenham se concentrado nos anos de protagonismo do arquiteto. Sobretudo a de Ferraz, que afinal de contas, pretendia afirmar a precedência de Warchavchik na afirmação da nova arquitetura no Brasil, em relação ao grupo que se formaria alguns anos depois em torno de Lucio Costa. Nesse sentido, o período posterior a 1933 e a 1939 seria dispensável, até porque Warchavchik ao longo da década de 1930 começa a sair de cena, inclusive da cena paulista, ou a redefinir ou ver redefinida sua intervenção, ainda que continue produzindo. Os debates em que ele investe, a intervenção institucional política, midiática, militante do arquiteto vai cedendo espaço a rotinas de projeto, de encomenda, a programas diferentes, o que exigiria dos historiadores uma outra agenda de questões, que não a da afirmação, do pioneirismo, da importação, capaz de enfrentar aspectos que não se encaixavam na disputa simbólica e ideológica que embasava sua narrativa... Como situar o retorno à arquitetura de estilo em meados da década de 30? A oscilação entre referenciais tão diversos como o clássico-moderno, o modernismo, o carioca, o paulista, o kitsch, o neo-historicismo, o neo-vanguardismo entre outros?

DI: Ou a aliança com o mercado imobiliário.

JL: Ou dos negócios com o mercado imobiliário. Isso era algo que não cabia na narrativa, que exigiria que a narrativa sofresse um deslocamento arriscado demais, talvez fatal em relação aquilo que se propunha. Como de resto em quase toda história da arquitetura. Donde a nossa impossibilidade ainda hoje de dimensionar os lugares da arquitetura na produção da cidade, o poder do projeto ou a força das circunstâncias nas quais os arquitetos operam e em que as obras são construídas. O que eu procurei fazer ao redefinir o recorte temporal de exame foi sair desta cronologia evolutiva, do acadêmico ao modernista, e do modernista à decadência, ultrapassando o foco das grandes realizações. Foi pensar o conjunto da produção de Warchavchik em suas idas e vindas, hesitações e pesquisas, contradições e experiências, oportunidades e variações. No livro, há certos núcleos histórico-temáticos, e algumas superposições temporais, o que eu acho inevitável no momento em que a gente olha a trajetória individual sem pretender reproduzir a estrutura evolutiva da maioria das biografias, ou o caráter autocomplacente e estilizado de quase toda autonarrativa. Algo que os historiadores e biógrafos frequentemente projetam sobre seus heróis. Eu tratei o período até 1926 como um período de deslocamento na tentativa de observar as incertezas e ensaios desse arquiteto ainda anônimo, apesar de intelectualizado, móvel e vulnerável no quadro cultural, institucional, político e social de tensões e transformações em que ele se inseria. O segundo momento de que tratei, entre 1925 e 1930 explora a enorme agitação teórica e política, os anos de combate e publicização em prol da nova arquitetura, em que ele, para além das grandes obras, articula na imprensa, nos salões, nas exposições um projeto construtivo novo, protagonizado pela arquitetura, que fornece ao campo cultural mais amplo um ambiente de afirmação e projeção do moderno em sentido afirmativo, social, público. É o momento em que o arquiteto é efetivamente acolhido nos círculos paulistanos do modernismo e se aproxima de alguns personagens da cena cultural local, como Lasar Segall, Mario de Andrade, Tarsila do Amaral, Oswald de Andrade, Flávio de Carvalho, Brecheret, Geraldo Ferraz, e de frações das elites cafeeiras, industriais e do mecenato, como os Silva Prado, os Penteado, os Silva Ramos, os Klabin, os Lafer. Em que projeta, entre outras, algumas de suas obras emblemáticas, com as casas das ruas Santa Cruz e Itápolis. Um período de ascensão social, projeção cultural, agitação teórica, dinamismo projetual, em suma de afirmação de sua personalidade pública, de sua entrada em cena como figura de vanguarda, momento pois decisivo para a definição do lugar que ele viria a cumprir na historiografia. Na terceira parte do livro, que circunscrevi aos anos entre 1928 e 1937, pretendi olhar de maneira mais detida para o conteúdo de invenção, a química projetual, os embates com as circunstâncias produtivas e institucionais, a experimentação tecnológica nesse momento crucial de sua obra, seja para entender a sua força, inclusive no trabalho desenvolvido no Rio de Janeiro, antes, durante e depois da experiência com Lucio Costa, seja para mapear as circunstâncias de seu ocaso, reclusão, silêncio, da gradativa retirada do arquiteto do púlpito. Em geral não nos damos conta, por exemplo, de como se articula efetivamente uma pesquisa de referências válidas – Gropius, Molnar, Forbat, Oud, Le Corbusier, os expressionistas – em suas obras ao longo do tempo; de como nelas é possível reconhecer comportamentos diversos dos corpos espaciais em relação a diferentes situações de implantação, topográficas, urbanas; tampouco atentamos para as mudanças no uso do concreto, em vigas, balanços, lajes, de projeto a projeto, como recurso estrutural, funcional ou de formalização: a grande viga, por exemplo, que amarra a série habitacional na Afonso Celso, magnificada como elemento de articulação no conjunto da Gamboa, definindo um elemento de circulação coletiva suspenso; e não apenas um avarandado restrito à função de regularidade no estabelecimento da continuidade formal e funcional das células isoladas, mas procedimento diretamente ligado a uma redefinição da planta, da implantação, da solução volumétrica. Um recurso estrutural, portanto, mobilizado em sentido urbanístico, de articulação das células em escala espacial, que ultrapassa a rigidez do sobrado geminado, que na Mooca ainda é muito pronunciada e na Vila Mariana mimetiza a poética da Nova Objetividade. O que se vê ao longo do tempo, mesmo nesse arco temporal mais restrito, não é de modo algum uma obra fechada em si mesma, invariável, dogmática nem muito menos de segunda mão. Mas um estudo cuidadoso de arquitetura, ambicioso, inteligente, sensível, e atento à realidade local, técnica, produtiva, sócio-cultural, e às circunstâncias topográficas, paisagísticas, urbanísticas dos terrenos.

DI: Você identifica neste período um momento de crise?

JL: Sim, entre 1933 e 1937, que coincide com a desilusão com a SPAM e a ascensão de posições antissemitas, xenófobas, integralistas e fascistas nos meios paulistanos de alta cultura. Uma crise que talvez se relacione com a crise maior do modernismo em São Paulo, que leva a um claro refluxo do clima experimental anterior, de retorno à ordem, à tradição, e de investimento na arte como ofício, no popular, tanto no meio artístico, inclusive entre artistas modernistas, como na encomenda. Momento que revela por outro lado certo curto circuito com a produção carioca, justamente em uma fase de transformação da geografia das vanguardas no país, com toda a agitação cultural e institucional do Rio de Janeiro a partir de 1930, um vinculo que só muito depois viria a ser retomado; e que coincide de resto com as transformações no campo profissional depois da regulamentação instituída com o CREA. É interessante perceber como Warchavchik aparentemente se fecha e produz muito pouco nesses anos, se comparado com o que vinha fazendo até então e viria a fazer alguns anos depois. Emblemático é o investimento em dois projetos digamos caseiros: a reforma de sua residência na Vila Mariana, para acomodar melhor inclusive a família que crescera desde 1927, e a construção do ateliê de Lasar Segall na Afonso Celso, ao lado da residência do artista. Sem contar o reforço de sua atuação que desde cedo se percebe junto aos estoques fundiários da família da esposa. Ele se isola e é efetivamente isolado em meio às transformações no campo profissional, econômico, cultural, artístico, político e familiar. O último período que o trabalho explora, entre 1938 e 1957, constitui justamente um período de retorno à atividade, e agora em outros termos. Em 1938 constrói a casa da Avenida Rebouças no bojo da estratégia promocional de uma companhia imobiliária para a área; em 1939 projeta seus primeiros edifícios em altura na área central da cidade, não muito altos é verdade e de novo em terras da família, mas certamente marcados pela nova economia da urbanização e o crescente dinamismo da produção imobiliária; participa de dois concursos públicos para projetos de escala urbana. O projeto do Paço Municipal, aliás, que é não é levado em conta pela história do urbanismo no Brasil, é um projeto arrojadíssimo, corajoso, inovador do ponto de vista do urbanismo no Brasil, absolutamente sui generis naquele momento, e destoante da concepção eminentemente arquitetônica e monumental da maior parte das propostas concorrentes, pois investe, sobretudo, no controle do programa e na reconfiguração do vazio da praça, na articulação volumétrica e espacial entre edificações novas e antigas, a partir de relações de simetria bastante complexas, tendo como centro o próprio espaço aberto. Já a partir de meados dos anos 1940 podemos encontrá-lo projetando aos montes, em São Paulo, em Santos e no Guarujá, residências, conjuntos de residências, edifícios comerciais, de apartamentos, mistos, de escritórios, clubes, hotéis, sedes bancárias, mobilizando referências e estilos os mais diversos. Ainda que nem todos os encargos sejam efetivamente construídos, Warchavchik passa claramente a rearticular sua entrada na arquitetura por fora do universo das vanguardas, ou dos circuitos de exceção ou consagração. Apelando diretamente ao novo capital de incorporação, às elites disponíveis, remanescentes e emergentes, em grande parte compostas de imigrantes de primeira ou segunda geração, industriais, comerciantes, executivos, profissionais liberais, suas necessidades, gostos e padrões de vida, agora em parte colonizados pelo simbolismo associado ao moderno, ao arranha-céu moderno, ao apartamento de renda ou de praia, à casa de veraneio despojada, à sociabilidade seletiva de clubes urbanos, ao edifício de escritórios, templo dos novos profissionais de colarinho branco. Momento, portanto, em que Warchavchik opera no seio da nova economia da urbanização, como empresário da construção civil inclusive, e da complexificação da vida social na cidade, de metropolização enfim.

Paço Municipal, projeto de Gregori Warchavchik [Acervo Carlos Warchavchik]

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