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interview ISSN 2175-6708

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O livro "Warchavchik: fraturas da vanguarda" é fruto de ampla pesquisa do autor José Lira, com viagens para cidades europeias onde o arquiteto nasceu e se formou

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INVAMOTO, Denise. Gregori Warchavchik: de Odessa a São Paulo. Entrevista com José Lira. Entrevista, São Paulo, ano 12, n. 047.01, Vitruvius, set. 2011 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/entrevista/11.047/4026>.


Versão clássica do projeto de Warchavchik para o Automóvel Clube, São Paulo, 1948 [Acervo José Lira]


Denise Invamoto: E quanto à seleção das obras?

José Lira: Eu fiz questão de repassar as casas modernistas, porque achava que elas continuavam a ser vistas como uma coisa só, como expressão de tais ou quais correntes de vanguarda, sem especificidade, sem embates com o local. Então eu achei que era importante reexaminar as principais obras modernistas do arquiteto, tanto as casas individuais, Santa Cruz, Melo Alves, Avanhandava, Itápolis, Bahia, Toneleros, Raul Pompéia e todas as outras, quanto os conjuntos de habitação coletiva, da Mooca, da Vila Mariana, de Gamboa, não tanto por serem das primeiras realizações modernistas no país, mas porque nelas, neste curto período de tempo, e nesse conjunto aparentemente homogêneo de obras, era possível observar mudanças significativas, importantíssimas, inovações, variações nas referências, nas citações, e muita experimentação formal, espacial, técnica. Na seleção das obras eu tentei considerar momentos diversos de criação projetual, momentos de mudança, inflexão e variação em sua folha corrida. E certamente ultrapassar o “cânone warchavchik”, incluindo projetos como a Sede do Clube Paulistano, que efetivamente é um projeto coletivo, e que testemunha a necessidade do arquiteto de passar pela produção brasileira mais festejada naquele momento, o que se manifesta também no projeto para o Automóvel Clube, onde é muito interessante flagrar a disposição do arquiteto – não é hesitação, ele sabe exatamente o que está propondo – para dialogar com competência com estéticas muito diversas, e mesmo antitéticas naquele momento.

DI: Warchavchik revela assim um desprendimento?

JL: Um desprendimento em propor um projeto clássico moderno de um lado, e de outro um edifício niemeyeriano, corbusieriano, para um terreno lindeiro à praça dom José Gaspar, área que passava por obras de reurbanização. Eu priorizei tecer uma discussão em torno de arquitetura moderna e da ideia de vanguarda no Brasil através da obra de warchavchik. Por isso um grande número de projetos não foi analisado ou apenas mencionado de passagem: projetos de orientação acadêmica, pitorescos, as dezenas de bangalôs etc. Porque o que me interessava pensar a partir da discussão sobre arquitetura moderna, era isso que chamei metaforicamente de “fraturas da vanguarda”, essas rupturas, movimentações, deslizamentos, cortes, acomodações, estabilizações no projeto moderno, dos gestos canônicos às tendências à estilização, ao kitsch, à contemporização com as circunstâncias, as oportunidades, as encomendas, valorizando os impasses da criação arquitetônica, as contradições do processo criativo no âmbito mesmo da produção moderna de arquitetura.

DI: Sobre a questão da fratura, fica claro um referencial muito forte em Tafuri e Otília Arantes na tese. O Warchavchik é pensado como estratégia para evidenciar a fratura do projeto moderno. Entretanto, ao contrário deles – que são por vezes acusados de não valorizar a análise de obra, de entendê-las como epifenômeno ou reflexo – no seu trabalho a forma como mediação das questões da sociedade é um aspecto central. Como você trabalhou estas duas referências?

JL: Bom, tanto o trabalho de Tafuri como o de Otília foram leituras muito importantes em minha formação. Entre eles, uma questão comum me interessou pensar aqui. Em Projeto e Utopia, Tafuri colocou em questão o nexo entre a grande ideologia alemã da modernização no começo do século XX e os projetos contemporâneos de reordenação total do espaço habitado. Em seu livro, de fato, é possível apontar certa recusa à leitura de obras, motivado talvez pelo propósito de examinar a utopia revolucionária das vanguardas, a gestão social-democrata da cidade e o projeto construtivo weimariano à luz das exigências colocadas ao trabalho intelectual pela realidade produtiva em vias de reorganização. Eu até discordo da idéia de que em Tafuri, ou mesmo nesse trabalho fundamentalmente de crítica ideológica, não haja análise de obras. Parece-me ao contrário que se ele tende a uma postura um tanto lacônica em relação às obras singulares, e a certa indiferença ao nível autoral, é possível reconhecer uma gradual aproximação ao objeto entre o comentário acerca da politização da arquitetura nas Siedlungen e a leitura formal do plano Obus. Por mais sucinto que seja, e pleno de ceticismo e ironia, o discurso tem um rendimento interpretativo fantástico quanto aos instrumentos e escalas de intervenção no espaço. Assim, também em Otília, o desapego incide contra o fetiche das obras. Digo desapego porque quando ela se propõe a fazer leitura de obras, ela o faz com grande perspicácia. O problema é que em geral ela se recusa a isso. Principalmente quando escreve. Se então por vezes o cenário que pintam é desolador, e a recusa à arquitetura parece um tanto assoberbada, temos neles alguns dos insights mais fecundos para pensar a relação entre metrópole e vanguarda, trabalho abstrato e abstração artística, modos de produção e estrutura da experiência cultural. O trabalho que Tafuri fez sobre a cidade americana, sobre o lugar do arranha-céu na reorganização global do espaço metropolitano foi para mim inspirador e ao meu ver ainda está por ser aproveitado pela historiografia da arquitetura. Talvez por preconceito teórico ou político, e no Brasil eu diria que o investimento excessivo na idéia de que a arquitetura moderna é fundamentalmente obra de um Estado demiúrgico fez com que este vínculo entre vanguarda intelectual e vanguarda do capital tenha por muito tempo passado despercebido. Em vários momentos do meu trabalho procurei mostrar como este elo entre cultura e economia, arquitetura e cidade, projeto e produção material é importante. Por exemplo, para apanhar a relação entre o conjunto de projetos de Warchavchik e as circunstâncias da encomenda ao seu redor, na qual se incluem tanto as necessidades de valorização simbólica do capital imobiliário dos Klabin como, sobretudo a partir dos anos 50, as demandas colocadas por uma cidade como São Paulo que se urbaniza e verticaliza com uma rapidez impressionante. É importante termos em mente que, nesse processo, empresas como a Warchavchik & Neumann desempenharam um papel central, bem mais relevante do que aquele cumprido pela arquitetura de autor ou os circuitos de consagração. Gostemos ou não de seus resultados, e se do ponto de vista da história disciplinar sua contribuição é discutível, são empresas como aquela que efetivamente produzem a cidade em que habitamos, ou pelo menos intervém sensivelmente em sua produção material. O que coloca questões importante ao historiador da arquitetura, sobretudo quando ele se propõe a enfrentar a dimensão pública da arquitetura ou a discutir arquitetura com um público mais amplo. Ao meu ver, a trajetória de Warchavchik nos permite ativar algumas hipóteses historiográficas, e a repensar interpretações canônicas ou de revisão da história da arquitetura moderna no Brasil, ao iluminar sentidos diversos da vanguarda e perfis emblemáticos do arquiteto – do arquiteto anônimo ao expoente de vanguarda e ao arquiteto de mercado, atuando junto a outros agente imobiliários. Agora, por mais que tenhamos certas prevenções ante pronunciamentos de vanguarda, autonomia, identitários, reconciliatórios, tão sonoros e grandiloqüentes quanto os da arquitetura moderna, a gente não pode ignorar que a riqueza das obras de arte e de cultura está em sua pluralidade. Elas respondem de maneira diversa a demandas, solicitações, injunções e circunstâncias similares. E essas múltiplas respostas falam justamente do dinamismo e da complexidade da sociedade e da cultura que as produz, o que exige do historiador certo grau de desprendimento, um gesto de inocência voluntária perante as obras, como se em cada uma delas fosse capaz de surpreender algo não previsto, algo de novo, de estranho, de embaraçoso.

Versão moderna do projeto de Warchavchik para o Automóvel Clube, São Paulo, 1948 [Acervo José Lira]

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