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interview ISSN 2175-6708

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Sérgio Ferro comenta a complexidade da atuação de Flávio Império nos diversos campos artísticos ao tratar de sua formação, interlocuções e contribuições para as artes no Brasil.

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GUIMARAES, Andreas; CONTIER, Felipe de Araujo; LOUREIRO, Lívia. Flávio Império e as múltiplas facetas de um projeto brasileiro, por Sérgio Ferro. Entrevista, São Paulo, ano 13, n. 051.01, Vitruvius, jul. 2012 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/entrevista/11.051/4405>.


Menino com mundinho, serigrafia s/ tecido, 140x96cm, 1978c. Coleção Ofélia Rodrigues
Obra de Flávio Império [Katz; Hamburger]

Lívia Loureiro: Gostaria que você falasse um pouco sobre as principais contribuições de Flávio Império para as artes visuais?

Sérgio Ferro: Já mencionei uma das principais características da pintura do Flávio: seu recurso à linguagem, à técnica popular.

Outra constante é a alegria na produção. Não é autor traumatizado, carregado de dramas noturnos. Isso pode parecer bobagem, mas creio que é fundamental. Na tradição da esquerda devemos esta ideia a William Morris: é o requisito número um da arte livre.

Em consequência destes dois fatores – o recurso à linguagem popular e a alegria produtiva –, Flávio desenvolveu muito a dimensão decorativa de sua obra. Este termo, geralmente pejorativo, para mim é uma virtude e não um defeito. A essência da arte popular, ainda diz William Morris, é decorativa. Representa o momento em que o gesto técnico produtivo correto se lança além si mesmo, no autocontentamento de sua justeza. É o caso do pilar da FAUUSP do Artigas. A poética do bom trabalho. Em sua aulas, o Flávio, quanto mais envelhecia (envelhecia? Coitado, nunca ficou velho), quanto mais avançava, mais ele insistia nessa parte lúdica, prazerosa.

Sob o ponto de vista da forma, creio que não há nada na pintura que possa ser transferido para a arquitetura. Acho pueris e mesmo ridículas as incartadas de Van Doesburg, por exemplo. Mas o que pode e deve servir como exemplo é a experiência do trabalho livre – e , assim mesmo, somente no plano das generalidades. O artesanato da pintura é muito diferente da manufatura da construção. O trabalho livre em arquitetura terá implicações muito maiores, como sugerem os mutirões autogeridos. Flávio e nós, Rodrigo e eu, nunca transportamos nada da pintura para a arquitetura – a não ser nesta consideração de um outro trabalho.

Flávio Império trabalhando em seu atelier à Rua Monsenhor Passalacqua, Casa do Artista
Foto divulgação [Katz; Hamburger]

LL: Então, nesse sentido, ele passa menos pela utilização de uma poética miserabilista?

SF: Nunca procuramos uma poética miserabilista, mas uma estética da simplicidade, uma estética dos meios de produção disponíveis. E ao mesmo tempo, se você quiser, não muito sofisticados na pintura e na arquitetura, se possível. É lógico que quando você faz um hospital, uma barragem, obra necessita uma tecnologia específica, complicada, a questão é outra. Mas em geral na casinha, na habitação e etc., você pode utilizar coisas mais simples que todo mundo poderia saber fazer, dispor.

Pano de Boca. Autor e Diretor: Fauzi Arap. Produção: Benê Mendes, 1976. Na foto: Ademar Rodrigues (Pedro), João Signorelli (Marco), Clemente Viscaino (Tarso)
Foto Dijalma Limongi Batista - Multimeios/Divisão de Pesquisa/Idart [Katz; Hamburger]

LL: Nesse sentido então a reutilização de materiais ou re-singularização de materiais não passa pelo caráter formal?

SF: Não. Aliás uma regra que nós tínhamos e que foi fundamental pra trabalharmos juntos: o argumento “é bonito” ou “é feio” nunca poderia ser utilizado. Cada um tem seu bonito e seu feio. Quando você faz o necessário, chega uma hora que o necessário adquire uma expressão própria, e ai sim a necessidade permite ir além dela, se expandir, bordar. É outra coisa. O bonito e o feio já estão preconcebidos, já está prontinho na cabeça.

Andréas Guimarães: Mas essa criação que se valia do simples, do popular, sugeriria um movimento de volta. Como se dava a apropriação disso tudo?

SF: O Flávio mais do que todos nós. O Rodrigo fazia isso com a técnica. A grande contribuição do Rodrigo é que o Rodrigo era um técnico, um excelente técnico. O maluco, inventou um teorema de divisibilidade por treze, que não existia nessa época. O Rodrigo primava pela apropriação de técnicas populares, analisava livro técnico de torneira, cano, etc.

FC: É impressionante nos desenhos técnicos de vocês, o nível de detalhamento.

SF: É total.

FC: E os códigos também.

SF: Também.

FC: Não é nada anárquico.

SF: Não, não. Portanto havia esse acolhimento do material disponível. E, teoricamente, esperávamos que isso se transformaria numa linguagem comum, muito mais facilmente do que se transpusesse de paraquedas o ideal qualquer e quisesse impor de um lugar ao outro.

Não sei se você leu o trabalho do Rodrigo sobre o canteiro experimental. Ali está bem posto essa troca entre o recebido e o que se pretende criar. Não se trata de fornecer, dar, ensinar. Sua proposta é muito ligada ao Paulo Freire, aquela coisa da educação pela própria dinâmica da coisa. Educação da gente, não só do outro, educação coletiva, no processo de fazer. Esse trabalho do Rodrigo não está publicado, infelizmente. Distanciamento brechtiano: o que tem cara de ser exclusivamente técnico, toda essa maneira de pensar poderia ajudar a vocês a ver teatro e a pintura do Flávio. Por que essa lógica atravessa tudo.

LL: O Paulo Freire influenciou na pedagogia do Flávio?

SF: Do Rodrigo muito, do Flávio menos.

FC: O Flávio lia os textos teóricos que vocês liam, ele fazia parte?

SF: Menos. Ele era muito mais ocupado do que nós, mas lia sim e a gente discutia tudo isso. Quando eu digo no livrinho, que o livro é dos três, que está no meu nome por razões do período, é verdade, não é fantasia, nem homenagem póstuma boba.

O que mais me faz pena nisso tudo, mas vocês todos estão ajudando a corrigir, é que a passagem de um campo de atividade para o outro, que constituía para nós uma parte essencial do que estávamos fazendo (não se deixar prender por uma especialização, por uma divisão social do trabalho imposta: o arquiteto, o fotógrafo, o pintor), não é bem visto pela história. A única coisa que o Marx anuncia do futuro, paraíso socialista, é isso: o sujeito de manhã pode ser jogador de futebol, de tarde pintor e de noite ser crítico. Não se prender, não se empobrecer, com a filiação à um só domínio, isso sem nunca perder a necessidade de aprofundar cada atividade ao máximo possível. Essa relação entre o aprofundamento e ao mesmo tempo a não cegueira do excesso de localização. Isso eu acho nossa mais bonitinha contribuição. Foi muito difícil, não vou entrar em detalhes, mas não parava em atividades profissionais, ia bem além disso. Mas é outro campo, outro debate.

FC: Sérgio, muito obrigado.

SF: Imagina, obrigado vocês.

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