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interview ISSN 2175-6708

abstracts

português
O arquiteto Rodolpho Ortenblad Filho, editor por dois anos da revista Acrópole, teve durante as décadas de 1950 e 1960 uma grande inserção no meio arquitetônico paulista, com diversos projetos publicados e premiados

español
Entrevista con Rodolfo Ortenblad Filho, editor de la revista Acrópole durante dos años, importante arquitecto en los años 1950 y 1960 en la ciudad de São Paulo, y con varios premios y proyectos publicados

how to quote

PEREIRA, Sabrina Souza Bom; GUERRA, Abilio. Rodolpho Ortenblad Filho. A arquitetura moderna paulista olhando para Wright e Neutra. Entrevista, São Paulo, ano 12, n. 048.01, Vitruvius, out. 2011 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/entrevista/11048/4083>.


Viagem de Rodolpho Ortenblad Filho pelos Estados Unidos e Europa, com percurso recuperado a partir das entrevistas
Gráfico Sabrina Souza Bom Pereira

Sabrina Souza Bom Pereira e Abilio Guerra: Como foi que aconteceu sua viagem para o exterior?

Rodolpho Ortenblad Filho: Eu queria conhecer arquitetura de qualidade, tanto dos Estados Unidos como da Europa. Eu pedi a viagem de presente ao meu pai e ele me deu, inclusive unindo o útil ao agradável. Ele me disse na ocasião: “você fica um ano fora e me traz um carro”. Naquela época, quem ficasse um ano fora do país podia trazer um automóvel sem pagar impostos, o que era muito vantajoso, pois o Brasil não tinha indústria automobilística e os carros importados eram muito caros. Então eu embarquei em Santos, em um navio frigorífico, da empresa Delta, que tinha acomodação para oitenta passageiros. No navio eu tive que falar inglês, pois quase todos passageiros eram norte-americanos. Foi uma viagem muito boa, o navio era muito confortável, tinha piscina com um deck muito bom, onde o almoço era servido; tomei tanto sol que cheguei a ficar desidratado. O navio aportou em Nova Orleans, cidade de origem e formação francesa, na ocasião em plena efervescência. Como eu gosto muito de jazz, frequentava aqueles bares onde a orquestra tocava no meio de um círculo e os expectadores ficavam em volta; vi e ouvi Louis Armstrong e vários nomes que se tornaram ícones do jazz. Há pouco tempo a cidade foi praticamente destruída por um furacão, mas na época era muito alegre e muito interessante, até do ponto de vista arquitetônico.

Casa da Cascata, Pennsylvania. Frank Lloyd Wright
Foto Lykantrop, 2007 [Wikimedia Commons]

SSBP/AG: Nos Estados Unidos, o senhor foi conhecer o que viu nas revistas?

ROF: A minha viagem não foi só de pesquisa arquitetônica, pois queria conhecer a cultura americana. Após desembarcar em Nova Orleans, comprei um carro e com ele comecei a viagem sozinho; como dava carona para mochileiros, fui desenvolvendo minha fluência em inglês. Segui pelo Leste passando vários por museus e parques nacionais, que eram muito bonitos. Também conheci a Louisiana, que tinha uma formação original holandesa. Como era difícil estacionar carro – já naquela época os motoristas tinham muitos problemas para estacionarem os carros nas cidades maiores –, eu desenvolvi um estratagema: alguns quilômetros antes de uma cidade grande eu me hospedava em um motel de beira de estrada, que eram muito bons e baratos, e somente depois eu ia visitar a cidade. Passei por Nova York, onde fiquei uns quinze dias e conheci a boa arquitetura – o Guggenheim, a sede das Nações Unidas, os edifícios de Mies van der Rohe e Philip Johnson – e depois fui até Quebec, no Canadá, voltando posteriormente por outro itinerário. Passei por Chicago, visitando algumas obras do Frank Lloyd Wright, que naquela época já eram preservadas – a Casa da Cascata, por exemplo, já não era mais habitada. Passei também por Detroit e retornei a Nova York, que estava em plena temporada turística.

Edifício da Nações Unidas, Nova York. Arquitetos Oscar Niemeyer e Le Corbusier
Foto Flickr4jazz, 2008 [Wikimedia Commons]

SSBP/AG: A viagem para o Canadá aconteceu por curiosidade ou havia algo que do seu interesse?

ROF: Não, fui por curiosidade. A arquitetura lá era muito tradicionalista naquela época. Em 1990 eu voltei ao Canadá e vi boa arquitetura moderna. Depois de voltar do Canadá, parti para Europa.

SSBP/AG: Como foi sua viagem para a França?

ROF: Bem, a única forma que encontrei para levar o carro foi embarcá-lo em um navio cargueiro grego. Foram quinze dias de viagem entre Nova York e o porto de Le Havre, relativamente próximo a Paris. Eu gostava muito de viajar de navio. Outro parêntese: no tempo de estudante no Mackenzie, participávamos do “MackNav”, competição entre Mackenzie e a Escola Naval. Eu e meus irmãos – os três bons nadadores – embarcamos uma vez em um destróier no porto de Santos. Era malandragem dos alunos da Escola Naval, pois o destróier é que nem um cabrito, balança muito, fazendo os novatos enjoarem, caso de um dos meus irmãos, que enjoou de uma forma feia. Ele era o melhor nadador da escola em grandes distâncias e chegou no Rio de Janeiro, nosso destino, muito abalado. Eu não, pois não enjoo.

Porto de Le Havre, França
Foto Philippe Alès, 2010 [Wikimedia Commons]

SSBP/AG: Como foi quando chegou lá?

ROF: Era verão de 1951 e minha futura esposa, Vilma, ganhou uma viagem do pai para a França, para onde foi acompanhada de duas amigas e suas respectivas avós. Pensei: vou aproveitar e me encontrar com a Vilma. Viajei em um cargueiro usado para comboio durante a guerra. Chamava-se Liberty Chips, um navio horroroso, que só levava, além da tripulação, cinco passageiros. Os companheiros de viagem não eram muito agradáveis: um, professor primário, era muito ignorante; outro, um norte-americano, vivia acabrunhado; o comandante, vivia bêbado... No Atlântico Norte, pegamos uma tempestade com ondas de mais de 5m e o navio parecia que ia se desconjuntar. Depois de cinco dias, a tempestade passou e eu pedi ao comandante para descer ao porão, preocupado se meu carro estava inteiro. Estava bem amarrado!

Quando cheguei à Europa, dei carona para este professor primário até Paris, onde me encontrei com Vilma e suas amigas. Éramos namorados; eu quis ficar noivo antes da viagem, mas minha sogra não deixou. Ela disse: “você vai arrumar uma francesa e vai deixara a Vilma mal vista”. Mas eu me encontrei com ela e me engajei no passeio que ela organizou. Elas iriam fazer uma viagem de ônibus pela Europa e eu logo fiquei amigo do guia. O rapaz disse assim: “tem um banco lá atrás, você pode ficar lá; mas tem um detalhe importante: nas paradas você vai ter que arrumar lugar para dormir, pois você é carona e não pode participar da hospedagem”. Percorremos toda a Provance, e conheci suas cidades muito interessantes com sua arquitetura medieval; depois passamos pelas Rivieras francesa e italiana, por Monte Carlo, pela República de San Marino. Voltamos pela Suíça, conhecemos uma parte do sul da Alemanha e o norte da França, passmos por Paris e descemos até Marselha, onde Vilma embarcou em um navio, retornando ao Brasil.

Palácio da Assembleia Legislativa, Chandigarh, India
Foto Duncid, 2006 [Wikimedia Commons]

SSBP/AG: Mas você continuou por lá, não é mesmo?

ROF: Eu tinha uma boa indicação, de um arquiteto português amigo do Carlos Lemos, que conheci aqui em São Paulo. Quando ele me disse que já tinha trabalhado no ateliê de Le Corbusier e que estava voltando para lá, eu disse: “será que você não me arruma uma prancheta para ficarmos juntos?”. Ele me respondeu: “Vamos ver. Lá muda muito, tem um revezamento muito grande; sabe, são arquitetos do mundo inteiro, um cai fora, o outro volta”. Quando cheguei a Paris, eu tinha o endereço desse arquiteto português e o procurei. Quando ele me viu, disse: “você deu sorte, tem uma mesa, mas é lá no fundo; você quer entrar?”. Quando disse que queria, ele completou: “então vai lá numa manhã e se inscreve”. Eu fui, me inscrevi, apresentei um currículo, fui chamado e trabalhei lá durante três meses no detalhamento de um palácio de Chandigarh. Le Corbusier estava na época projetando os edifícios públicos da nova capital do Estado de Punjab, na Índia. Uma vez, ele parou na minha mesa e me perguntou em francês: “você é brasileiro?” Ele queria saber sobre o Brasil, não tanto sobre a arquitetura, mas principalmente como era o país. Eu disse: “lá é tudo grande, professor, tudo muito grande; as propriedades agrícolas são enormes, têm rebanhos de 30, 40 mil bovinos”.

SSBP/AG: Ele já tinha vindo para o Brasil, não é?

ROF: Já tinha, mas conhecia só o Rio de Janeiro e um pouquinho de São Paulo. Ele se limitou a dar assessoria para o projeto do Ministério de Educação e Saúde, a convite do Gustavo Capanema, ministro da Educação e Saúde. Capanema era um homem muito inteligente, evoluído. Já existia um projeto para o ministério em estilo, vamos dizer, “eclético” (rs), ganhador de um concurso que foi anulado. Foi constituída uma equipe formada pelos arquitetos brilhantes da época, chefiada por Lúcio Costa, da qual fazia parte Oscar Niemeyer e Affonso Eduardo Reidy, que era excelente arquiteto. Posso fazer um parêntese? Em Paris, nós tínhamos um grupo que se reunia no Café du Flore, do qual participavam vários brasileiros, como o médico Ivo Pitanguy e um arquiteto da equipe do MES, o Ernani Vanconcellos. Ele me confidenciou que, de todos os arquitetos da equipe, o mais influente era o Affonso Eduardo Reidy, que, de certa maneira, era o chefe da equipe. Retomando o fio da meada, lembro que Le Corbusier nunca falava de arquitetura, ele comparecia relativamente pouco no escritório e tinha muitos assessores de caráter internacional. O ateliê era perto do meu hotel e eu ia andando até lá; o escritório do Le Corbusier ocupava parte de um porão enorme, dependente de iluminação artificial. Nós tínhamos que comer fora: não tinha nem cozinha, só tinha banheiro!

SSBP/AG: Depois do estágio com Le Corbusier, o que aconteceu?

ROF: Quando eu encerrei o detalhamento que estava fazendo, resolvi viajar. Eu encontrei por acaso dois brasileiros que iam fazer um circuito enorme de carro. Eram dois irmãos – Flávio e Sérgio Almeida Prado – e eles tinham alugado um carrinho econômico, um Renault Chuvaicar, que no Brasil tinha o apelido de “rabo quente”, porque tinha motor traseiro. Quando souberam que eu ia viajar também, me convidaram: “guarda seu carro e venha conosco”. E eu fui, deixando o carro em Tour, uma cidade próxima, o que foi ótimo, pois o estacionamento era muito caro em Paris. Fizemos toda a Riviera espanhola, participamos de uma festa em Valência onde tinham os maiores toureiros da época, Domingui, Litre, Arruça... Voltei por Marselha e rumamos para Paris. Foi uma maravilha.

Unidade de Habitação, Marselha
Foto Michiel, 1972 [Wikimedia Commons]

SSBP/AG: O senhor visitou alguma obra do Le Corbusier?

ROF: Sim, visitei a Unidade de Habitação de Marselha, que estava quase pronta. Por sinal, eu não gostei muito do projeto; os quartos eram muito pequenos, o teto, muito baixo, os móveis eram todos de concreto, tudo meio esquisito. Era uma concepção muito restrita de espaço: pequenos cubículos com uma cama e uma banqueta... A obra estava praticamente pronta, mas não tinha sido inaugurada. Passei pela Ville Savoye, uma bela residência, inovadora na época, pela Capela de Ronchamp, que achei mais bonita em fotografia, pois é pequena e não tão espaçosa... Depois, já com meu carro e sozinho, fui até Estocolmo, na Suécia. Passei pela Dinamarca, para conhecer os parentes do meu avô, e encontrei seu irmão e suas duas irmãs, gêmeas, que eram donas de uma tabacaria. Fiquei lá por uns dez dias e outros parentes vieram me conhecer. Uma curiosidade sobre a família Ortenblad: meu avô – topógrafo muito ativo, que abriu a região de São José do Rio Preto – veio só para o Brasil; aqui teve dois filhos, meu pai e meu tio, mas a família cresceu e hoje tem mais de quarenta descendentes. Na Dinamarca, ela ficou reduzida a apenas um membro, pastor, casado, que teve quatro ou cinco filhos, e é o único que está dando continuidade ao nome no país de origem.

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Flávio Coddou, Albert Brito and Nuno Correia

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