Sabrina Souza Bom Pereira e Abilio Guerra: Dentre seus projetos, quais você destacaria?
Rodolpho Ortenblad Filho: A minha casa da Rua Capitão Antônio Rosa é muito importante, inclusive ganhou prêmios. Eu me dediquei muito à casa da fazenda Santa Cecília, para a qual desenhei trinta e tantas pranchas de projeto em escalas de 1:50 e 1:20; detalhei os telhados, o escalonamento das telhas de cimento amianto, fiz questão de procurar a Eternit para resolver a sobreposição das telhas e evitar entrada de água. Eu queria um telhado muito baixo, que não aparecesse, com dez por cento de inclinação. Eles recomendaram uma sobreposição de 30cm e nunca entrou água, mas tinha que ser parafusado, o que é bom, porque com vento forte, principalmente pelo fato de ter pouco caimento, não cria obstáculo para o vento, a casa já tem cinqüenta e quatro anos e nunca deu problema, o telhado está funcionando bem até hoje, as telhas eram de 6mm de espessura, bem reforçadas.
Já a residência da rua Capitão Antônio Rosa era bem articulada, uma casa que tinha espaços muito bonitos, como era o caso da sala de estar com vigamento de madeira de oito por 20cm, que ia até o fundo do terreno, incorporando o pátio ao espaço interior. As residências de Arnaldo Mellão e de Olavo Quintelo – que existem até hoje, mas foram reformadas – tinham beiral grande de um 1,40m. Eu fui aos poucos introduzindo uma seleção de soluções, como é o caso da ventilação do forro, um espaçamento bem grande entre o telhado e a laje.
Eu fazia um projeto preliminar, apresentava para o cliente, sempre frisava que eu não gostaria que o partido fosse alterado, alguns detalhes de banheiro, cozinha, coisas menores, podiam ser modificados, mas o partido era aquele. Geralmente os clientes aceitavam e eu, de certa maneira, afastava a interferência da esposa (no meio dos risos de entrevistador e entrevistada, a esposa de Ortenblad comenta: “quando o cliente não aceitava, ele dispensava”). Realmente, eu não mudava, porque quando eu assumia um partido, achava que ele era o melhor. Quando passei a ensinar no Mackenzie e depois na Faap, eu frisava muito isso: quando o partido não é bom, é melhor apagar e começar de novo! Quando o cliente tinha um construtor ou empreiteiro da sua confiança, eu não interferia nisso; quando ele não tinha, eu indicava um responsável pela obra, como era o caso de Marino Barros, um construtor de qualidade, e de Delto Teixeira. Este era dono da Construtora Panamericana, uma construtora modesta, mas que era muito boa e construía muito bem.
SSBP/AG: Quais os materiais que costumava usar?
ROF: Eu tinha uma influência muito grande de Frank Lloyd Wright e, posteriormente, de Richard Neutra. Wright dava muita importância aos materiais naturais – pedra, tijolo, madeira – e minhas casas têm muitos detalhes com materiais naturais. Não usava pastilhas na fachada, coisa que eu nunca gostei. Usei pouco concreto à vista, quando ainda se usava pouco.
SSBP/AG: Comente o projeto residência da Rua Campos Bicudo, no Itaim.
ROF: Logo que voltei da viagem aos EUA e Europa, eu me casei. Já tinha projetado essa casa e a construí para morar. Ficamos lá por oito ou dez anos. Ela foi demolida e no lugar construíram condomínios, escritórios, flats etc. O partido da casa era um muito bom. A planta é bem aproveitada e detalhada. Havia três pátios, sendo o da frente destinado à área de serviços. O quarto e o banheiro de empregada, a lavanderia e a cozinha foram dispostos anexos ao pátio murado; este, posicionado na frente, permitia acesso fácil para entrega de alimentos e mercadorias. O segundo era um pequeno pátio no hall de entrada e acesso ao andar superior; o terceiro era o pátio principal, que ficava na no fundo do terreno, com duas salas voltadas para ele. A garagem, que era fechada, servia de acesso para jardineiros e para a manutenção do pátio interno. Em cima ficavam dois dormitórios com banheiro conjugado, a suíte e outro quarto com terraço. O terreno era pequeno, de 10x30m, mas a casa era bastante confortável.
Eu fui um dos primeiros arquitetos na época a incorporar os serviços – que antes ficavam em uma edícula – ao corpo da casa. Era um partido bastante novo na época, pois ainda se usava muito a edícula, um recurso que eu praticamente abandonei a partir dessa ocasião. Claro que houve exceções. Em uma casa na Rua Guadelupe – cujo terreno era bem grande, com 1200m² – a pedido do proprietário Fábio Lima Verde Guimarães, eu fiz parte de serviço em uma edícula.
Nesta casa, em relação aos materiais e acabamentos, usei rachão de granito no muro da frente e tijolo aparente no embasamento. No terraço superior tinha brise-soleil de madeira Cabreúva. O telhado era com telha Eternit com 10% de caimento e com calha central. Foi a única casa que eu fiz sem beiral; depois, nunca mais deixei de usar.
SSBP/AG: Comente o projeto da casa da Fazenda Santa Cecília.
ROF: O terreno que meu pai adquiriu tinha uma terra bastante degradada. Nas proximidades passava uma estrada – a primeira ligação entre Uchoa e Tabapuã, como fiquei sabendo muito tempo –, que acabou ficando bem ao lado da ala com os dois dormitórios. Esse projeto é de 1955 e a obra não demorou muito – apenas um ano e pouco – sendo realizada por pedreiros e serventes da própria região. Foram usados muitos materiais que existiam na própria fazenda. Na época havia uma olaria na propriedade que fazia tijolos grandes de boa qualidade. Então eu usei estes tijolos. O arenito veio de Araraquara, do Chibarro, uma jazida de arenito rosa. Fiz todos os pisos da casa, inclusive os internos, com este arenito. Usei pedra tipo moledo, que veio de Atibaia, de outra fazenda do meu pai. Usei a madeira amendoim, que era retirada de toras adquiridas de um vizinho e desmembrada na própria fazenda.
Meu pai adquiriu uma oficina completa de marcenaria, com todas as ferramentas. Nós tivemos muita sorte de conseguir um mestre de obras português, o Sr Aníbal, que era muito competente e perfeccionista. Por isso, usei muita madeira nessa casa. Os forros são de amendoim, o vigamento é de Ypê. Usei também muito vidro, em especial na sala, que tem vidro em toda a volta. Uma curiosidade: o tipo de janela que eu usei nesta casa de 1955 é idêntico ao daquela casa japonesa do Parque Ibirapuera, que foi construída muito tempo depois. Aliás, na época eu era muito influenciado pela arquitetura japonesa. Inclusive tem um recanto na sala que lembra muito a arquitetura japonesa tradicional. A mobília foi toda desenhada por mim e feita na própria fazenda, pelo mestre de obra português.
O partido desse projeto é muito interessante. Eu não gostava das soluções de varanda das casas coloniais, que geralmente ficavam em frente e em volta da casa. Eram muito expostas ao sol, em alguns casos muito estreitas, e por isso optei por uma grande varanda unindo as duas alas da casa. Essa grande varanda é dividida por um muro de pedra com 2,10m de altura, ficando uma parte maior voltada para frente vista para a paisagem, ficando a parte menor para trás, como abrigo para quatro automóveis. Mais tarde foi construído um abrigo separado, tipo edícula, e esse salão atrás da parede virou sala de jogos. Então essa varanda ligava o corpo principal da casa – com salas, área de serviços, copa, cozinha, cinco dormitórios e dois quartos de empregada – ao apartamento que eu usava.
No apartamento havia o quarto do casal e um banheiro composto, com box, chuveiro e lavatório para fora, solução muito versátil que permitia ser usado por até três pessoas ao mesmo tempo. E tinha o quarto grande, com três camas para nossos três meninos. Como havia uma inclinação razoável no terreno, eu fiz a piscina em um nível em torno de 1,80m mais baixo, com acesso por uma escada toda em arenito. O piso em volta da piscina também é todo em arenito. É uma piscina semiolímpica; nós – eu e meus irmãos – éramos nadadores na época.
SSBP/AG: Comente o projeto da casa da Rua Guadelupe
ROF: Essa casa, localizada no Jardim América e de propriedade de Fábio Lima Verde Guimarães, está muito bem conservada. Um pátio muito grande atrás se voltava para as salas. Tinha um pórtico de acesso para entrada principal, garagem para dois automóveis. Nesse caso, o setor de serviços ficava separado em uma área grande; ele era fazendeiro e tinha muitos empregados... Na época havia um tipo de lajotinha da São Caetano; chamada litocerâmica, era um material de primeiríssima qualidade, mas, infelizmente, a empresa e o produto não existem mais. Eu usei esse material para o embasamento da casa. O telhado com beiral é de madeira com telhas de cimento amianto, que são muito duráveis. Eu gostava dessa telha, pois permitia pouca inclinação e o telhado não ficava aparente.
SSBP/AG: Comente o projeto da casa do Jardim Paulistano.
ROF: Essa casa foi feita para um médico, o Dr. Leopoldo Raimo. Era uma casa simples, de esquina, uma das primeiras que eu fiz. Eu procurava sempre destacar o andar de baixo, um pouco recuado em relação ao andar superior. Também tinha um pátio. Esta casa ainda tinha edícula com acesso lateral, já que o terreno era de esquina, pela Rua Sampaio Vidal. Eu fiz várias casas nesse bairro. Não foi publicada, mas eu fiz uma casa para o meu irmão Dorival, que ficava também em um terreno de esquina; como o terreno tinha um caimento grande, adotei um partido muito interessante, com a parte dos serviços e a garagem embaixo. Em cima coloquei a cozinha e as salas. Meio lance de escada acima se chegava aos dois dormitórios e banheiro; e mais um lance acima, se chegava à suíte superior. Meu irmão vendeu a casa, mas ainda deve ter as pranchas com o projeto. A casa – que fica na rua acima da rua Capitão Antônio Rosa – ainda está lá, íntegra.
SSBP/AG: Comente o projeto da casa do Itaim.
ROF: Esta foi a primeira casa que fiz para Olavo Quintela, meu dentista. É um lote de esquina e foi a primeira vez que eu usei o recuo de uma das ruas para fazer um pátio com vigotas na parte superior, que além de integrar às salas, tinha a função de segurança. Antigamente, como havia muito ladrão arrombador de casas, não se usava vidros grandes e se optava até por portas pantográficas, mais seguras. Então, para usar vidros grandes e não comprometer a segurança, eu usei na parte de cima do pátio uma pérgula feita com vigotas de cimento armado. A iluminação do interior da sala era feita com um desnível de mais ou menos 30 ou 40cm entre as lajes, solução que usei em outras casas. Eu também indiquei os móveis.
SSBP/AG: Comente o projeto da casa de Alto de Pinheiros
ROF: Essa casa, projetada para um terreno muito grande, era para Carlos Moraes Barros, que tinha uma família grande, com muitos filhos. Está situada na Avenida Professor Fonseca Rodrigues. Ela existe ainda, só que foi vendida posteriormente para o Maurício de Souza e ele murou a casa toda.
SSBP/AG: Comente o projeto da casa projetada para Ademar de Barros Filho.
ROF: Foi uma casa interessante, construída em um terreno de esquina no Pacaembu. Como o desnível da rua superior para a inferior era de 18m, eu adotei um partido que previa o acesso ao setor de serviço pela rua superior, onde ficavam a garagem, a lavanderia, e o quarto de empregada. Depois se descia um ou 2m e se chegava ao nível das salas, que se conectavam a um pátio com piscina. No nível mais inferior ficava um salão com atividades multiuso. Essa casa existe e está perfeita. É no final da Avenida Paulista, onde sai uma rua no sentido do Pacaembu. A segunda esposa de Ademar de Barros Filho quis morar no Morumbi; então ele comprou uma casa lá e conservava essa casa para passar os finais de semana. Agora não é mais dele. Essa casa não foi publicada. Foi construída pelo Marino Barros, com ótima qualidade. Após o falecimento de Marino Barros, sua viúva, Cristina, manteve o escritório ativo – inclusive eles foram os responsáveis pela reforma da Casa das Rosas –, mas depois fechou.