Corrado Curti: Feynman disse que a ciência pode ser vista como "o resultado da consciência de que vale a pena a verificação através da experiência direta, e não necessariamente confiar na experiência passada da raça [humana]" em seu discurso dedicado a O que é Ciência?, em 1966 (2). Karl Popper, por outro lado, em The Logic of Scientific Discovery, escreveu: "vamos ter que nos acostumar com a ideia de que não devemos olhar para a ciência como um corpo de conhecimento, mas sim como um sistema de hipóteses, ou como um sistema de suposições que em princípio não pode ser justificado, mas com o qual trabalhamos contato que seja passível de testes, e sobre o qual nunca podemos afirmar veementemente tratar-se de uma verdade” (3). Embora a arquitetura não possa ser considerada uma ciência positiva, tais definições poderiam ser apropriadas à arquitetura. Até que ponto e como podemos aplicar o pensamento científico à arquitetura?
Lebbeus Woods: Ciência à qual se referem Feynman e Popper é altamente especulativa e criativa, e conta com pessoas criativas para dar-lhe alguma forma nova e original. Há muitas ciências menores que simplesmente reformulam e remodelam coisas que já sabemos, com o intuito de afiná-las. A arquitetura é uma delas.
Há a prática diária da arquitetura, que reformula e remodela o que já conhecemos – edifícios de escritórios, projetos habitacionais, shopping centers –, simplesmente refinando os gostos do momento, as tipologias familiares, satisfazendo a busca de algo novo, mas não muito novo, isto é, novo a ponto de nos sentirmos confortáveis, mas que não exija que mudemos nossos hábitos frequentemente. A parte realmente criativa da ciência é muito inspiradora, mas apenas para os arquitetos que aspiram a descobrir ou resolver um problema que nunca existira ou que ainda não foi resolvido. Para os outros, os arquitetos do cotidiano, este nível de ciência é de pouca utilidade ou interesse.
É importante entender que há, no que diz respeito ao conhecimento, diferenças cruciais entre ciência e arquitetura. A ciência pressupõe que há uma “verdade” que deve ser descoberta e definida, por exemplo, a estrutura do átomo ou as origens do universo. Todas as variantes criativas da ciência podem funcionar dentro dessa perspectiva de problemas bem definidos, ou pelo menos na definição de alguns aspectos deles. Na arquitetura, não há um equivalente a uma busca, definição ou compreensão dessa verdade. A arquitetura é existencial. Suas hipóteses e teorias, os problemas que enfrenta são condições em constante mutação do ser humano. Embora estas mantenham algumas características básicas humanas – físicas e mentais – o objetivo dos arquitetos não deveria ser consagrá-las em leis e formas eternas, mas permitir que as pessoas vivam em todo o seu potencial, seja lá o que for ou possa ser isso. O pensamento científico pode ajudar de forma muito limitada nesta tarefa.
CC: O termo “Experimental” é tão amplamente utilizado no discurso arquitetônico contemporâneo, que muitas vezes se torna vago e genérico. Atualmente envolve várias abordagens diferentes, tais como: a integração de software e informática em processos projetuais de geração e controle das formas, a introdução de novas tecnologias de produção de técnicas e processos construtivos, bem como a aplicação de materiais inovadores para todos os edifícios que possam ser definidos como experimentais. Durante a sua carreira, você pesquisou sobre a possibilidade de estabelecer o campo da Arquitetura Experimental como um ramo distinto dentro da disciplina. Como você o definiria?
LW: Um experimento em si testa uma ideia ou uma hipótese, um “e se...”, para ver se funciona na realidade. Uma experiência não é a criação da hipótese – que pertence ao âmbito da teoria. Tampouco é a aplicação dos seus resultados à realidade – que pertence ao domínio da prática. O experimento é um âmbito intermediário. Para usar um termo científico, ele acontece em um laboratório – um espaço pessoal e sob condições controladas. A arquitetura precisa necessariamente de alguma forma visual e espacial – os desenhos e maquetes feitos a mão ou pelo computador são os mais comuns. Estes podem ser avaliados após a concretização pelo arquiteto e outros, no que diz respeito à confirmação da hipótese e também a sua utilidade potencial na prática.
Sempre me pareceu importante distinguir a atividade experimental dentro do campo da arquitetura por conta da natureza mutável do mundo contemporâneo. No passado, o papel dos edifícios e os arquitetos que os projetavam estava claramente definido, porque a sociedade em si era claramente definida em sua estrutura hierárquica. Havia pouca necessidade de teoria, porque as pessoas sabiam o que os edifícios deveriam fazer, variando somente o estilo e a disposição da arquitetura já conhecida, componentes historicamente pré-definidos. Consequentemente não havia necessidade do âmbito experimental ou uma etapa intermediária de projeto. Qualquer experimento realizado pelo arquiteto se encontrava imbuído no processo normal de projeto. Não havia novas hipóteses a serem confirmadas antes que o arquiteto e o cliente se comprometessem totalmente com a construção real.
Mas tudo isso mudou quando a nossa sociedade – cada vez mais global e de caráter mais tecnológico – começou a mudar rapidamente. A cada dia há novas tecnologias introduzidas que mudam o modo de vida. As mudanças políticas e econômicas ocorrem quase com a mesma velocidade. Parece óbvio que o ritmo da mudança está se acelerando até o ponto de fazer com que as mudanças sejam qualitativas e estruturais. Aumenta a necessidade de novos tipos de espaço, mas os arquitetos – em sua prática – não têm nem a coragem nem o tempo para explorar novas possibilidades. Isso cria a necessidade de haver o arquiteto experimental, que se dedica à exploração nesse campo. Esta é uma situação historicamente nova, e eu acredito que o campo da arquitetura ainda deve responder a ele. Eu espero que o RIEA (4) seja capaz de traçar o caminho das novas possibilidades.
notas
2
O famoso discurso foi apresentado por Richard Feynman no 15º encontro anual da National Science Teachers Association em 1966, em Nova York. O texto completo está disponível em: www.fotuva.org/feynman/what_is_science.html
3
Popper K, The Logic of Scientific Discovery, Routledge Classics, London 2002, ISBN 0415278449, A brief excerpt is available at: bio.classes.ucsc.edu/bio160/Bio160readings/Logic%20of%20Scientific%20Discovery.pdf
4
RIEA – Research Institute for Experimental Architecture, centro de pesquisa fundando por Lebbeus Woods.