Corrado Curti: Olhando para seus trabalhos iniciais, vemos uma pesquisa formal altamente inspiradora e sofisticada, enquanto seus projetos recentes adotam uma linguagem visual mais abstrata. No momento em que você estava trabalhando em projetos como War and Architecture, La Habana Nueva e Aerial Paris (7), a arquitetura dominante ainda estava dividida entre modernismo “moldado para o capitalismo” e pós-modernismo decorativo, enquanto nos últimos quinze anos as explorações formais deram origem a centenas de ícones, construídos e não construídos, caracterizados por formas extremamente articuladas, complexas e variadas, muitas vezes celebrando nada mais do que o status de seus clientes influentes. Essa condição, onde a estética e a ética se distanciam, e a pesquisa formal de auto-celebração é levada a limites sem precedentes, influenciou a mudança em seus trabalhos recentes em direção a uma linguagem formal mais limpa e essencial?
Lebbeus Woods: Eu sempre trilhei meu caminho com poucas perguntas, um punhado de ideias, que têm a ver com a natureza mutável da existência e suas transformações necessárias, embora difíceis. Eu escolhi a arquitetura como campo de pensamento e de trabalho, porque me parecia englobar o conjunto da experiência humana e suas aspirações, e, ao mesmo tempo, para que fosse instrumental – literalmente uma ferramenta – que seria útil na nossa adaptação às mudanças.
Durante muitos anos, o modo como eu usava a ferramenta enquanto instrumento de pensamento e ação acabou evoluindo. Em parte por conta da minha própria evolução e em parte porque o nosso mundo tem sofrido alterações em suas formas e dinâmicas. Nos anos anteriores era mais importante visualizar cenários com novos tipos de edifícios para responder às crises das mudanças. Mais recentemente, me concentrei sobre questões sobre as possíveis estruturas da própria mudança, e como elas podem se manifestar em forma tectônica – isto é, construídas. No trabalho anterior, eu queria atingir um público mais vasto, enquanto no mais recente, o meu objetivo é abordar os arquitetos especificamente. Você tem razão ao julgar que a inundação de formas espetaculares devido à ferramenta da informática me fez parecer menos urgente abordar a visualização do “novo”. Às vezes penso que há muito disso agora, e que, muitas vezes, as imagens espetaculares são usadas para travestir velhas idéias, ou até mesmo a falta de ideias. De qualquer forma, meu interesse está direcionado a outros temas agora.
CC: Muito frequentemente na literatura de arquitetura os termos visionário, utópico e experimental, quando usados para descrever obras e projetos, tornam-se nebulosos. No entanto, se compararmos as Ciências com a Arquitetura, onde a experiência é uma forma de observar e investigar a realidade em relação a uma hipótese, esta terminologia é ambígua e altamente enganosa. Olhando mais atentamente para suas obras, eu acho que é possível compreender o que distingue uma abordagem experimental de algo apenas visionário e/ou obras de arquitetura puramente utópicas. Todos os seus projetos estão implantados em um “terreno” muito específico, quer seja físico e/ou conceitual, a partir do qual eles se desenvolvem. Não são esboços evocativos de uma solução positiva, universal, sem lugar: não são projetos panacéia ou cidades ideais. São explorações de respostas arquitetônicas alternativas para condições muito específicas e, geralmente extremas: o terremoto em San Francisco, o muro entre Israel e Palestina, a guerra em Sarajevo, somente para citar alguns. A interpretação radical (hipótese) dessa especificidade, permite que os projetos possam se tornar ferramentas para investigar a amarração da realidade da arquitetura (o experimento) e ampliar os limites da arquitetura como disciplina (os resultados do experimento). Você concorda com essa leitura? Que (outras) ferramentas metodológicas podem ser consideradas específicas da abordagem experimental em arquitetura?
LW: A sua leitura é razoável. A única observação que eu faria é que as condições que você descreve têm muito pouca história arquitetônica para que os meus projetos experimentais possam ser uma alternativa a elas! Os arquitetos têm ignorado os terremotos e outras transformações naturais, se não violentas, muros políticos e guerras, como se tudo isso não fizesse parte do âmbito da arquitetura, que se dedica somente a projetar tipologias conhecidas para as condições sociais estáveis. Instabilidade e volatilidade têm sido considerados domínios de políticos, funcionários de organizações humanitárias e militares, e não a legítima preocupação dos arquitetos. Como uma vez me disse um espectador em uma palestra sobre o meu trabalho de Sarajevo durante aquela guerra: “Nós temos aviões de caça, não é? Eles cuidarão disso!”. Ah sim! – são sempre “eles” que assumirão a responsabilidade pelos problemas que não sabemos como resolver.
Isto me leva à questão sobre a metodologia que você formulou. Nós arquitetos, ao abordarmos a dinâmica do mundo contemporâneo, precisamos adaptar as nossas práticas mentais. Mais importante ainda, é preciso ir além do pensamento da arquitetura apenas enquanto objeto ou produto. Os edifícios são, obviamente, importantes e necessários e nós queremos que eles sejam bem concebidos, mas ao mesmo tempo são apenas parte de uma rede humana complexa que está sendo constantemente formada por muitas pessoas, eventos, ideias. Os arquitetos precisam ver o seu trabalho dentro deste panorama mais amplo de referência e, portanto, precisam desenvolver pontos de vista mais amplos. Isso leva tempo, um esforço contínuo e empenho.
Não há um “eles” que possa fazer isso pelo arquiteto. A arquitetura vista desta forma é um campo muito filosófico, mas muito pessoalmente filosófico, fortemente existencial, não para ser simplesmente retirado de livros de filósofos. Cada arquiteto bom desenvolve – visualmente ou verbalmente, ou ambos – uma visão de mundo coerente. Cabe a cada um propor uma formulação, isto é, o método que ele/ela usa para expressar uma filosofia pessoal. Mas certamente depende muito de um método disciplinado para consegui-lo.
CC: Vendo seus projetos recentes e instalações – La Chute, The Storm, The Wall Game (8) – parece-me que a sua pesquisa aborda diretamente questões como: indeterminação, mudança versus permanência, o espaço como resultado de um campo dinâmico de interações, em vez de definições formais fixas, a arquitetura como produto de um conjunto de “regras do jogo” ao invés da materialização direta do projeto. Qual o papel desses conceitos em sua pesquisa, e qual a relevância deles em relação ao desenvolvimento futuro da pesquisa arquitetônica?
LW: Como eu disse, fazer novas formas, como tal, não é uma grande prioridade para mim, como outrora. Isso não significa que não exista mais a necessidade de “uma nova arquitetura.” Na verdade, essa necessidade é mais urgente do que nunca, conforme a sociedade humana evolui nas suas formas e necessidades aceleradamente. Tampouco significa que não precisemos de tipos de edifícios inteiramente novos – que sempre foi o foco do meu trabalho. Porém isso significa que aquilo verdadeiramente novo emergirá de novos conceitos de vida, do espaço e dos processos de concepção. Novas ideias. Novas maneiras de pensar e trabalhar. Novas abordagens em relação ao projeto. Naturalmente, as formas são importantes, mas eles já não podem ser impostas como condição. Ao contrário, elas vão surgir a partir das novas ideias e métodos de projeto.
Os meus projetos mais recentes, que você menciona, experimentam sobre essa hipótese. Nenhuma forma “acabada” ou “final” foi idealizada desde o princípio e, portanto não existe. As formas dos espaços e seus elementos definidores não foram concebidos no sentido tradicional do termo, mas resultaram do envolvimento direto com condições materiais particulares. Esta abordagem se afasta da ideia do arquiteto como “mestre construtor” ou “autor”, que controla o resultado definitivo. O arquiteto deve ainda exercer o controle e assumir a responsabilidade por suas escolhas, mas a partir de certas regras do jogo (como você diz).
Desta forma, a formação do ambiente humano torna-se mais democrática, mais aberta para a contribuição de muitas pessoas envolvidas na construção, um terreno mais fértil para as ideias realmente novas. Ah sim, é arriscado – estes projetos nem sempre resultam em espaços que eu gosto, ou que eu teria escolhido a partir de meu próprio gosto, mas esse é o preço de experimentação e certamente de um futuro humano mais ousado e exigente – se o encararmos de forma criativa.
CC: Em quais projetos você está trabalhando atualmente?
LW: Eu estou mais dedicado a escrever e dar aulas – as duas coisas estão interligadas. Meu blog é um grande projeto e acaba tomando muito do meu tempo e interesse. O espaço on-line é um mundo emergente de muitas novas dimensões. E eu mal comecei a explorá-lo. Quanto aos projetos, só tenho no momento o Pavilhão da Luz em Chengdu, na China, que está atualmente em construção.
notas
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Informações sobre Lebbeus Woods – projetos, obras e bibliografia – por podem ser encontradas em lebbeuswoods.net
8
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