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interview ISSN 2175-6708

abstracts

português
O arquiteto Rodolpho Ortenblad Filho, editor por dois anos da revista Acrópole, teve durante as décadas de 1950 e 1960 uma grande inserção no meio arquitetônico paulista, com diversos projetos publicados e premiados

español
Entrevista con Rodolfo Ortenblad Filho, editor de la revista Acrópole durante dos años, importante arquitecto en los años 1950 y 1960 en la ciudad de São Paulo, y con varios premios y proyectos publicados

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PEREIRA, Sabrina Souza Bom; GUERRA, Abilio. Rodolpho Ortenblad Filho. A arquitetura moderna paulista olhando para Wright e Neutra. Entrevista, São Paulo, ano 12, n. 048.01, Vitruvius, out. 2011 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/entrevista/12.048/4083>.


Turma de formandos do Curso de Arquitetura da Faculdade Mackenzie de 1950. Abaixados (da esquerda): 2º Diogo Faria Cradoso; 4º Arnaldo Paoliello. Em pé ao centro (da esquerda): 1º Vicente Ignati; 2º Rodolpho Ortenblad Filho; 3º Jorge Isciter; 4º Marino Ba [Arquivo pessoal Rodolpho Ortenblad Filho]

Sabrina Souza Bom Pereira e Abilio Guerra: O senhor entrou na universidade para estudar engenharia. O que o levou a se transferir para o curso de arquitetura?

Rodolpho Ortenblad Filho: Eu nasci no Rio de Janeiro e de lá vim para São Paulo com dezesseis anos. Meu pai, diretor da filial carioca da Pirelli na ocasião, foi transferido para cá. Eu estranhei muito, mas teve um aspecto positivo: eu fui estudar no Mackenzie, onde o ambiente era muito alegre. A escola não era grande, tinha basicamente a Escola de Engenharia. Arquitetura era um curso que dependia de matérias técnicas do curso de engenharia – Resistência dos Materiais, Cálculo Vetorial, Cálculo Estrutural –, enfim, era tudo em comum com a engenharia.

Eu entrei na engenharia por pressão familiar. Meu avô, o dinamarquês Artur Ortenblad, era engenheiro, com uma formação mais na área de agrimensura. Meu tio Alberto também era engenheiro e defendeu uma tese nos Estados Unidos, no MIT, sobre resistência dos materiais e mecânica de solos. Realizou um trabalho muito bom, que é consultado até hoje.

Eu me adaptei bem ao espírito do Mackenzie, mas fui reprovado duas vezes seguidas na disciplina de Cálculo Estrutural pelo professor Sonino. Um dia ele me disse: “Rodolpho, você não vai ser bom engenheiro; você vive enfiado no ateliê dos arquitetos, então por que você não muda logo para a arquitetura? Eu vou te reprovar outra vez...” Decidi mudar, pois naquela época era possível fazer isso; eu tive que fazer cadeiras que faltavam de arquitetura e acabei perdendo um ano. Aí entrei para o ateliê dos arquitetos!

Naquela época o Curso de Arquitetura, que depois se tornou a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Mackenzie, tinha pouquíssimos alunos, porque o curso durava seis anos. Ninguém queria saber de arquitetura, fazia engenharia. O diretor Christiano Stockler das Neves teve muito valor, pois ele conseguiu manter o curso de arquitetura com pouquíssimos alunos – alguns anos tinham apenas um aluno! Quando eu entrei na faculdade, o curso passou a ser de cinco anos.

Cadeira Aflalo, desenho executivo, Branco e Preto. Design de Roberto Aflalo [ACAYABA, Marlene Milan. “Branco & Preto”, p. 74]

SSBP/AG: Qual o ano de seu ingresso no curso de arquitetura?

ROF: Entrei em 1947 e me formei em 1950. A minha turma já era maior, com dezenove alunos, da qual fazia parte gente muito competente, que se realizou bem na profissão. Eu era colega de Roberto Aflafo, um excelente designer de móveis, fundador da loja Branco e Preto com Miguel Forte e Jacob Ruchti; eram também da minha turma o Arnaldo Paoliello, até hoje um arquiteto muito competente, e o Carlos Lemos, hoje professor da USP, que adotou a carreira de pesquisador da história da arquitetura colonial brasileira.

Vou fazer um parêntese para contar uma viagem muito interessante que fiz com Carlos Lemos. Um dia ele me convidou para ir para Minas Gerais conhecer o Desemboque, que na explicação que o Lemos me deu na época era uma coisa interessantíssima: “três igrejas, das quais só restam as paredes em um descampado, vestígios de uma vila de mineração; as casas, precárias, foram construídas durante a exploração de ouro naquela vila. O ouro do rio acabou e as casas, de material precário, acabaram caindo, restando apenas cinco”. Eu ouvi a explicação e disse: “muito bem, vamos prá lá!” Não tinha estrada para chegar no tal de Desemboque.

Igreja de Nossa Senhora do Desterro, Desemboque
Foto divulgação [Arquivo Público de Uberaba]

SSBP/AG: Vocês eram estudantes ainda?

ROF: Não, já estávamos formados. Fomos para o Desemboque, que ficava perto de Araxá. Era um descampado de capim baba de bode, não tinha estrada. Nós perguntávamos: “onde ficam aquelas três grandes igrejas do Desemboque?” e o pessoal respondia “é prá lá”. Fomos por cima do capim, com uma Rural com tração em quatro rodas e três marchas, até chegarmos no tal do Desemboque. Eu fiquei impressionado: eram três igrejas enormes, com uma escala fora do comum e paredes de alvenaria de pedra com 1,5m de espessura. De fato, só tinham cinco casas, onde moravam pessoas muito idosas. As mulheres eram rendeiras e nós fomos hospedados por um casal muito idoso, cuja casa tinha dois quartos, então ficamos em um deles. Depois saímos do Desemboque e fomos para outra cidade, Passo Bonito, que ficava na parte baixa de uma serra. A estrada era cavada na terra em patamares e tínhamos que botar uma roda aqui, outra ali, uma verdadeira loucura. Bom, esses são episódios da época que comecei a fazer arquitetura.

SSBP/AG: Voltando para o tempo de faculdade, como eram as aulas?

ROF: O Christiano Stockler das Neves gostava somente de arquitetura neoclássica e nós tínhamos uma estratégia para interromper a aula dele. Eu assinava muitas revistas de arquitetura, principalmente as norte-americanas, e punha uma pilha sobre a minha mesa. Quando o Christiano entrava na sala, sempre dizia bravo: “Ortenblad, o que é isso aí? Essa arquitetura decadente, germânica, não é para o nosso clima”. Nós fazíamos um círculo em volta dele e polemizávamos com o professor, principalmente eu, o Aflafo e o Paoliello; o Carlos Lemos é mineiro, mais quieto, não participava tanto. Às vezes chegava também o Plínio Croce, que estava um ano acima de nós. Ele – que era bravinho, baixinho – falava assim: “professor, assim não dá”. E o Christiano respondia: “como não dá? Vocês têm que fazer arquitetura neoclássica, que é a tradição americana do século 19”. Na época, ele fez a estação da Estrada de Ferro Sorocabana, hoje estação Júlio Prestes, que se transformou em sala de concertos. Ela é bonita, mas baseada em um estilo totalmente antiquado. Naquela época, Le Corbusier, Mies van der Rohe, Frank Lloyd Wright e todos os pioneiros faziam uma arquitetura totalmente desligada dessa tradição romântica.

SSBP/AG: Quais eram os outros professores?

ROF: Pedro Corona, professor de desenho artístico, nos levava para o jardim do Mackenzie, que tinha uma vegetação exuberante e um campo enorme de futebol; ali, ao ar livre, nós pintávamos com aquarela, em várias técnicas, inclusive cryon. Pedro Corona era um bom professor. Tínhamos também perspectiva, curso ministrado pelo professor Kosuta. Resistência dos materiais era dada pelo professor Evaristo Costa. Esses eram os principais professores na época.

SSBP/AG: Havia cadeira de urbanismo nesta época?

ROF: Sim, mas era só no último ano e dado muito superficialmente. O básico mesmo era projeto. Quando eu estava no 3º ano, nós fizemos greve, para modificar o sistema de ensino. Fomos procurar o professor Christiano e dissemos: “nós queremos fazer arquitetura contemporânea, com temas sociais, residências etc.” e ele respondeu: “isso eu não sei dar; comigo vocês não vão fazer não”. Ele indicou um amigo, provavelmente um discípulo dele, para conversar com a gente. Esse amigo, o Fernando Martins Gomes, era bom arquiteto e fez muitas residências em estilo neocolonial, mas de muita qualidade. Em uma rua sem saída do Jardim América, saindo da praça Guadelupe – rua Iucatan, se não me engano –, ele fez duas residências muito boas. O Fernando era sensível às nossas propostas; às vezes, dizíamos: “queremos fazer uma clínica de múltipla utilidade” e ele, que havia nos passado o programa de um anfiteatro de faculdade, permitia que fizéssemos o que queríamos, colaborando com um programa que devíamos seguir. Ele não influenciava muito com críticas nos projetos, mas depois eles eram submetidos a um julgamento, por uma comissão de avaliação. Na formatura nós pedimos para projetar um campus universitário e ele aceitou. Todos nós fizemos o projeto de um campus universitário como trabalho final e me formei em 1950.

SSBP/AG: Que tipo de programa o Christiano Stockler das Neves pedia para vocês fazerem?

ROF: Coisas como pavilhão lateral de um palácio, fonte em estilo greco-romano em um parque... Faço novo parêntese para contar uma memória que me ocorreu: eu tive que fazer um projeto com este programa quando estava na fazenda do meu avô. Tinha lá uma sede em estilo normando e coloquei uma mesa de desenho no sótão. Fazia um calor terrível, mas de lá podia divisar, a cerca de 50m de distância, uma figueira branca linda! Eu me encantei com a árvore e comecei o projeto por ela. A folha de papel era de tamanho padrão e a figueira encheu praticamente a folha inteira, sobrando um cantinho para a fonte em estilo greco-romano. Mas eu coloquei lá uma fonte em estilo dórico, que era o mais simples, e ela ficou lá no cantinho, pequenininha. Eu apresentei o projeto no julgamento para uma comissão de notas, formada por professores de outras instituições, convocada pelo professor Christiano. Então ele se aproximou e disse assim: “Ortenblad, cadê a fonte? Você fez projeto de uma árvore?” Aí todo mundo, inclusive o pessoal da comissão, deu risada. Eu respondi: “professor, não agüentei: essa árvore me impressionou muito”. De pronto, ele retrucou: “Tá bom, desta vez passa”. Eu era bom aluno e ele gostava muito de mim.

SSBP/AG: Como era o ateliê?

ROF: Nosso ateliê era um pavilhão grande, pé direito alto e todo mundo tinha uma prancheta grande exclusiva. Os trabalhos eram colados na prancheta com fita colante e eram rubricados, pois era proibido fazer em casa ou pedir ajuda a terceiros. E tínhamos também um bom armário para guardar todo o material. Os julgamentos eram feitos depois de um prazo determinado. Na ocasião, os projetos eram afixados na parede e uma comissão era convocada para dar notas. Bem, não eram exatamente notas, eram menções, primeira, segunda, terceira menção.

Edifício George Chanberlain, Universidade Mackenzie
Foto divulgação [Acervo Mackenzie]

SSBP/AG: Alguma lembrança em especial do ateliê?

ROF: Quando chegava no último dia antes da entrega dos projetos, muitas vezes a gente varava a noite, porque podíamos entrar à noite para fazer o projeto. O ateliê ficava aberto e o ambiente era muito agradável. Na nossa turma tinha um personagem interessante, o Willian Branco Trindade. Seu nome artístico era “Billy Branco” e era músico de vocação. Ele entrou na arquitetura e morava no pensionato Chanberlain, que ficava ao lado do ateliê. Essa figura tornou-se um grande sambista, tanto que meu filho Sérgio copiou matéria de dez páginas sobre ele na internet. Ele escreveu a Sinfonia do Rio de Janeiro, a Sinfonia Paulistana e outros sambas antológicos. Ele era um grande compositor, mas nas noitadas ele ficava batucando o tempo inteiro e não entregava nada.

Capa de disco de Tom Jobim e Billy Blanco

SSBP/AG: As aulas eram durante o dia?

ROF: Sim, e podíamos trabalhar à noite. Todos nós estagiávamos nos poucos escritórios da época. O principal para minha formação foi o escritório do Oswaldo Bratke. Ele morava na rua Avanhandava e tinha o ateliê ao lado, um pavilhão grande com umas vinte mesas. Todo mackenzista queria uma mesa lá e eu consegui isso graças ao Arnaldo Paoliello, que já era estagiário do Bratke. Depois passei uma temporada no escritório do Rino Levi. Na faculdade, já trabalhávamos – eu, o Arnaldo, o Marino Barros... Este último era perfeccionista e tornou-se um grande construtor; apesar de ser arquiteto, gostava mais da parte de construção, tanto que, depois de formados, nós encaminhávamos os projetos das residências para ele construir.

SSBP/AG: Qual era seu contato com a arquitetura norte-americana?

ROF: Em primeiro ligar através de assinaturas de revistas, muitas delas especializadas em residências, como é o caso da Progressive Architecture, da Architectural Record – esta, exclusivamente dedicada a residências, a L’architecture d’Aujourd’Hui – esta não era americana, era sobre arquitetura européia. Eu assinava estas revistas com um italianinho que fazia ponto na escola. Eu comprava muitos livros também. Lembro-me bem de um livro que gostava em especial, o Sun & Shadow (Sol e Sombra) do Marcel Breuer, que era um livro muito bom e importante. Eu adquiria todos os livros que saíam sobre Richard Neutra e Frank Llloyd Wright. Eu me considero um autoditada, pois, do ponto de vista de aulas, nós não tínhamos um professor que viesse dizer o que devíamos olhar. Nós somente escolhíamos temas, passávamos isso para o Fernando Martins Gomes – obviamente, após o Christiano ter passado sua cadeira de projetos para o amigo, depois de desistir de nós, pois brigávamos o tempo todo. O Fernando Martins Gomes está vivo, que eu saiba está muito bem, com mais de noventa anos de idade.

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Flávio Coddou, Albert Brito and Nuno Correia

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