Adalberto da Silva Retto Júnior: Se as hipóteses projetuais tornam-se uma tentativa de desconstruir a sedimentação dos signos presentes no território e na cidade a fim de inserir no tecido outros signos, outras características do homem de hoje que são, por vezes, receptivas e abertas a possibilidades futuras, como pode-se pensar a relaçao entre analise e projeto, frequentemente consideradas como etapas independentes e temporalmente divididas?
Yannis Tsiomis: Para os urbanistas-arquitetos não existe a análise de um lado e a concepção projetual do outro . É isso que eu tento transmitir aos meus alunos. Toda análise é também um ato de projeto, uma vez que é impossível analisar o espaço de maneira exaustiva. Foi o erro do Movimento Moderno e dos CIAM, da Carta de Atenas sobretudo, acreditar nisso. A cidade, o território nos escapam. Existem, portanto, milhares de critérios de análise. Mas ao selecionar alguns desses critérios já se faz um ato de projeto, já se prefigura algumas soluções de concepção. Estas soluções poderiam ser diferentes se tivessem sido escolhidos outros critérios de análise. É por isso que eu falei de cenários anteriormente. Eu não acho que a distinção "sinais presentes" e "sinais futuros" é relevante. Não deve estar à procura, à qualquer custo, de "sinais futuros", mas à procura de uma nova racionalidade. Segundo o sociólogo Alain Touraine, eu diria que a modernidade é isso: a busca de uma nova racionalidade.
ASRJ: Alguns encontros de grandes mestres constituem-se verdadeiros episódios historiográficos a partir do qual pode-se compreender os conflitos das idéias, conceitos de cidade e um verdadeiro debate disciplinar da época. O encontro de Le Corbusier e Agache, no Rio de Janeiro, é um exemplo disto. Como o senhor lê esse encontro do ponto de vista do projeto da cidade do Rio de Janeiro, já que em dois livros de sua autoria Le Corbusier, Rio de Janeiro 1929, 1936, Rio de Janeiro, IAURJ, 1999, (em português) e Le Corbusier. Conférences de Rio tratam de um dos protagonistas ?
YT: Vasta questão! Com poucas palavras, eu diria, o que eu explico nestes dois livros, que Agache e Le Corbusier têm duas estratégias diferentes. Agache, cujo talento não é contestável, trabalha no sentido da cidade capital. Organiza a capital com os seus famosos monumentos, a criação das cidades-jardim, etc. Ao mesmo tempo, ele leva em conta, absolutamente, a geografia, a hidrografia, etc., de uma certa maneira ele é um ecologista prefigurado (como todos os que apoiavam a "cidade jardim" da época). Agache quer fundir-se com a paisagem sublime do Rio e ela se desfaz diante dele. Não se deve esquecer também que Agache é um "municipalista socialista".
Para Le Corbusier, a abordagem é diferente: ele trabalha em confrontação com a paisagem, em uma ligação de força de atração e de oposição. O edifício-ponte exprime isso. Mas expressa também uma outra coisa: Le Corbusier pensa o Rio como uma metrópole em vez de uma cidade capital (ele sabe que o Rio mais cedo ou mais tarde vai ser rebaixado, o que aconteceu vinte e cinco anos mais tarde).
O fato que Le Corbusier coloca sobre o aeroporto, onde Agache construía o Capitólio é sintomático. Isto mostra que o projeto de Le Corbusier é um manifesto, diferente do de Agache, que aplica uma abordagem realista. É uma grande diferença.
ASRJ: Nos últimos anos o doutorado e a pesquisa arquitetônica, urbana e paisagística tornaram-se parte central de vários debates nas grandes escolas européias e americanas: de um lado, situar o ensino da arquitetura no caminho da harmonização dos cursos de formação e da mobilidade dos estudantes e professores, de outro lado, reforçar a identidade da formação dos arquitetos no ensino superior e na pesquisa. Neste sentido, o seu livro Matières de la Ville, traz uma enorme contribuição.
Diante de vossa experiência como professor em várias universidades do mundo, inclusive no Brasil, quais as estratégias dos cursos de doutorado para responder efetivamente às problemáticas dessa nova dimensão temporal e especial da cidade contemporânea?
YT: Eu dirigi o primeiro curso doutorado em Arquitetura na França durante 16 anos. Nós fundamos com outros colegas, como Jean-Louis Cohen, Bernard Huet, Philippe Panerai e todos aqueles - não tão numerosos - que fundaram a pesquisa arquitetônica na França. Nós dirigimos um número impressionante de memórias de mestrado e alguns dentre nós, teses. E através dos temas e métodos utilizados pelos estudantes de doutorado nos demos conta de que, entre 1990 e hoje muitas coisas mudaram. Os problemas se estenderam, os temas multiplicaram-se, etc.
Por quê? Porque a pesquisa arquitetônica e urbana não é impermeável aos fenômenos sociais, culturais e às evoluções das técnicas. É um lugar comum, mas que é sempre bom repetir: arquitetura e urbanismo não são uma arte, mas uma ação - como observado por Françoise Chaoy - mas uma ação híbrida, entre o conhecimento e know-how. Apenas se abrindo para aprender a trabalhar com outras disciplinas, acaba se fornecendo à pesquisa arquitetônica e urbanística outros métodos para a ação. Por sua vez essa ação alimenta as outras disciplinas.
Eu não acho que existam as mesmas leis que possam se aplicar em toda parte na pesquisa arquitetônica e urbana. Apesar da globalização e da mobilidade das idéias - mas era o caso na Europa por um longo tempo - cada país, cada escola e faculdade têm suas abordagens, suas histórias e seus contextos. Minha experiência viajando um pouco pelo mundo tem me ensinado que não se compara imagens e projetos metropolitanos ou urbanos, de pequena ou grande escalas, mas o processo. Somente as maneiras de fazer são interessantes para comparar, senão se continuará a trabalhar com modelos da moda. O que é importante para a pesquisa – já que falamos de doutorado – é como cada um constrói seu objeto de pesquisa e como se operam as transferências culturais. O que o cinema tem muito bem compreendido e conseguido, a arquitetura tem mais dificuldade em realizar, pois ainda hoje opera com modelos, ela imita obras de "grandes arquitetos" sem raciocinar...
A grande escala brasileira não é a grande escala francesa e assim por diante. Os novos objetos de pesquisa devem se construir tendo conhecimento do que os outros estão fazendo - que é fácil, dado a grande circulação das revistas, internet, conferências internacionais etc, mas também os intercâmbios de estudantes - e de sua própria cultura . Conclusão: Nem "nacionalismo" e autosuficiência – o isolamento é temível - nem "internacionalismo" e mimetismo.